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Amores Eternos de Um Dia: relacionamentos na época dos aplicativos amorosos

Me mudei para São Paulo nos primórdios do Tinder. Na época, o aplicativo ficou conhecido nas maiores capitais, e era tratado por grande parte do público como algo passageiro, a nova moda entre os jovens. Para nós, era uma nova forma de conhecer pessoas, fosse amigo ou alguém interessante que fugisse dos nossos círculos sociais. Finalmente poderíamos encontrar aquela pessoa bonita que um dia cruzamos em uma avenida principal sem nem perceber ou alguém que sempre estava nos mesmos lugares, mas nunca tinha surgido uma oportunidade de conversar, e tirar proveito disso sem parecer uma psicopata.

Hoje, mais de cinco anos depois, já conhecemos e usamos inúmeros aplicativos do mesmo tipo, para diversos tipos de público, e essa se tornou uma das formas mais comuns de se conhecer alguém, inclusive sendo responsável por casamentos, divórcios e filhos. São pouquíssimas as pessoas que não instalaram o aplicativo para, pelo menos, saber como é. Pais, irmãos, tias, primos; todo mundo tem pelo menos uma experiência ou opinião sobre o Tinder e no caso da Michele Contel, são várias.

Em Amores Eternos de Um Dia: Jogando a real sobre aplicativos e relacionamentos efêmeros — um livro com folhas vermelhas e rosas cheio de lindas ilustrações — Michele conta sobre suas experiências nos últimos anos usando aplicativos. Logo no primeiro capítulo consegui me identificar com a garota recém-chegada na cidade grande, descobrindo um mundo novo cheio de pessoas e lugares interessantes, além de diversas possibilidades, onde existiam infinitas narrativas possíveis para a minha história.

A escrita da Michele é o Modern Romance do comediante Aziz Ansari posto à prova e analisado por uma mulher que conseguiu passar para o papel tudo que viveu e sentiu. A escrita é fluida, delicada e muito sincera, mas de uma forma que você se sente tomando café com uma amiga bem próxima que não tem vergonha de assumir tanto as glórias e aprendizados, como os perrengues que passou. Dividido em crônicas, testes, dicas, desabafos e outras diversas formas que o tornam Amores Eternos de Um Dia ideal para ler antes de dormir, mas sendo igualmente prazeroso devorá-lo de uma vez naqueles dias em que você quer ficar sozinha se distraindo dos problemas.

Amores Eternos de Um Dia

Nessas páginas, somos apresentadas a velhos conhecidos: o bêbado apaixonado que quando o álcool entra a declaração sai, até o outro dia quando não recebe uma mensagem; o cara de família que logo no início diz que você é a menina que sempre procurou, mas, quando você começar a se entregar, diz que as coisas não deveriam ser tão rápidas assim; o da autoestima que só um homem consegue ter; o curador de museu que em qualquer assunto possível comenta da ex e parece não querer seguir em frente por mais que fale ao contrário — e às vezes ainda te compara com ela; o “desconstruído” que tem aversão a rótulo mesmo estando praticamente namorando com você, e mais cinco, porém não quer “compromisso”. Todos esses personagens que nós conhecemos, ou sabemos de alguma amiga que já conheceu. Eles podem ser homens ou mulheres — como a autora os citou no masculino preferi seguir no mesmo gênero —, mas não se engane: a quantidade de meninas que reproduzem as mesmas atitudes é imensa. Inclusive, durante a leitura percebi que também já fui uma “boy lixo” e não posso me defender.

O que mais gostei em Amores Eternos de Um Dia foi a atenção balanceada entre as nossas relações com os outros e com nós mesmas. Michele é bem direta, e com a sua história, demonstra como nossa relação conosco influencia tudo ao nosso redor, inclusive as pessoas. Não é nenhum mistério ou novidade, principalmente para o público que está lendo essa crítica, mas para muitas pessoas que talvez conheçam ao livro por conta da capa bonita, do nome chamativo ou por presente de uma amiga, relembrar que nossos relacionamentos são somente um reflexo de como nos tratamos é uma parte essencial e primordial de uma relação saudável.

Aprender a se respeitar é fundamental para desenvolver esse amor-próprio sobre o qual estou falando”.

Apesar de ser um livro escrito por uma menina hétero, e quem vos escreve ser uma mulher lésbica, percebi que quando falamos de amor a linguagem é universal. Nós sofremos do mesmo jeito; magoamos, somos magoadas e criamos expectativas com pessoas que só nos deram o mínimo e olhe lá.

Não existe regra no amor, no jogo ou na vida. As nossas relações humanas são um reflexo da relação que temos com nós mesmas e com o nosso passado. Por isso, é muito importante passar tempo conosco, nos conhecendo e entendendo quem somos e o que sentimos, assim como é importante passar tempo com quem consideramos nossa família e sabe como nos ajudar a admitir algumas coisas — principalmente sobre aquela pessoa que não está tão afim da gente — que não queremos ver, com os nossos amigos que nos fazem pensar em qualquer coisa que não seja o problema — ou aquela pessoa que visualiza a mensagem e não nos responde nunca e onde nossa imaginação nos leva —, e conhecer pessoas novas — que podem ser um date do Tinder que vira melhor amigo ou somente uma colega nova de trabalho que nos apresenta a um grupo de pessoas incríveis.

“Ora 24 horas de romance são suficientes, ora elas te deixam com vontade de viver um amor de vinte anos. (…) Em cidades grandes (…) as pessoas se entregam no primeiro encontro. E não estou falando (só) de sexo, não. Elas se curtem de verdade. Pegam na mão, dizem o quanto gostaram do seu novo penteado. Elogiam, falam que estavam ansiosas pelo encontro. Abraçam, beijam, fazem social com seus amigos e os adicionam no Facebook depois. São relacionamentos sérios que duram uma única noite (…) Guarda o abraço e o cheiro, porém se sente pronta para uma nova história.”

E é exatamente isso que gosto tanto no livro e na escrita da Michele: é verdadeiro. Lendo e relendo trechos como esse, consegui pensar na Paula, Andreia, Bruna, Jéssica, etc., diversas garotas com quem saí e vivi intensamente um romance de um dia. Foram horas conversando antes de finalmente nos encontrarmos, segredos trocados, séries que até hoje lembro de algumas delas, filmes, bandas e músicas. Nós criamos uma história que durou até o primeiro encontro, em alguns casos até a segunda semana ou terceiro mês, mas finalizaram por aí. Nenhuma dessas pessoas é menos importante ou significante porque nós não entramos em um relacionamento, mas são igualmente especiais por me darem algo que precisava naquele momento sem exigir nada em troca e, acredito eu, que fiz o mesmo por elas. Viver as coisas intensamente e por um curto período de tempo é o privilégio e, de certa forma, a definição da nossa geração. E é exatamente isso que gosto tanto em Amores Eternos de Um Dia: ele é atual e verdadeiro.

Não existem regras em Amores Eternos de Um Dia, assim como não existe uma conclusão final do que essas relações trazem para nossas vidas, porque, enquanto algumas são momentâneas, outras nós só conseguiremos entender daqui alguns meses, anos, enquanto outras não vão significar nada além de uma noite, e independente de qual seja a opção, está tudo bem.

Amores Eternos de Um Dia

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora Companhia das Letras.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana C. Vieira.

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