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We are One: Exo, k-pop e um novo refúgio em tempos difíceis

O k-pop é algo que sempre esteve muito presente na minha vida on-line. Grande parte da minha timeline do Twitter, onde passo incontáveis horas do meu dia, é fã de algum grupo ou está sempre subindo alguma hashtag sobre o assunto. No entanto, só comecei a prestar atenção nos comentários e ligar nomes de bandas às músicas e, de fato, ir até o serviço de streaming mais próximo ouvi-las, este ano.

Confesso que o movimento de mergulhar nesse gênero musical que tem origem na Coreia do Sul (k-pop, assim como k-drama, usa o “k” de Korea, nome em inglês do país, para marcar as produções locais) foi influenciado por alguns processos que atravessam uns aos outros. No final de 2020, comecei a desbravar o mundo dos k-dramas e, consequentemente, a ouvir as músicas incluídas nas trilhas sonoras das produções. Um pouco antes disso, os fãs de k-pop chamaram minha atenção por suas ações em massa contra a campanha eleitoral do agora ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Então, com a chegada de 2021, a piora significativa da pandemia durante o primeiro semestre do ano, aliado ao fato de enfrentar uma série de problemas particulares de saúde, me fizeram procurar, mais do que nunca, um abrigo, uma distração — e o k-pop me recebeu de braços abertos.

A minha porta de entrada no k-pop, por assim dizer, foi com o grupo Exo. Hoje expandi os horizontes e grupos como SHINee, Red Velvet e The Rose também figuram na minha lista de bandas coreanas favoritas. Entretanto, Exo ocupa um lugar muito especial na minha trajetória de kpopper, seja por ter sido quem mais colocou um sorriso no meu rosto em momentos difíceis e tristes, apenas por compartilharem seu talento e música com o mundo, seja por todo o conceito e a história que os cerca.

No k-pop é comum que as gravadoras criem grupos envoltos a conceitos, algo que vai definir o tom e a estética do trabalho dos artistas por praticamente toda a sua carreira. No caso do Exo, que debutou nos idos de 2012, dando início, juntamente com outros grupos, segundo alguns críticos da área, à terceira geração do k-pop, o conceito definido pela gravadora SM Entertaiment foi considerado ousado e inovador para a época. Pensando em ocupar uma fatia do concorrido mercado musical chinês, além de ficar no topo das paradas coreanas, a gravadora construiu o Exo como um grupo de 12 integrantes, divididos em duas unidades: Exo-K e Exo-M que respectivamente divulgariam seus trabalhos na Coreia do Sul e na China, cantando na língua materna de cada um dos países. A fim de lançar a banda, a SM apostou forte no storytelling para chamar a atenção dos fãs do gênero musical.

Assim para o pré-début do grupo foram lançados os MVs (abreviação de music video) das músicas “What is Love” e “History”, dando algumas dicas de como seria o visual dos 12 integrantes e o caminho que seguiriam como banda. O début oficial veio em abril de 2012 com o lançamento do MV de “MAMA” e a produção audiovisual deu o pontapé ao universo criado especialmente para o Exo: os 12 integrantes são originários do Exoplanet, cada um com um poder peculiar que os faz especial, como telecinesia, teletransporte, controle sobre fogo, terra, gelo e afins. Porque seu planeta fora assolado pela Red Force, os 12 membros são perseguidos pela entidade do mal e fogem da sua terra natal, vindo parar no planeta Terra, que serve de abrigo e refúgio a eles, o que, em um paralelo, pode se comparar ao sentimento que eles me proporcionam.

Ao apostar forte na divulgação inicial do grupo dentro deste conceito — todas as entrevistas dos primeiros anos de carreira contêm os membros demonstrando seus poderes, além de todas as cinco turnês realizadas pela banda exibirem em seu nome referências ao Exoplanet —, e dar continuidade à narrativa até os dias de hoje ao lançar álbuns alinhados à sua origem e que continuam a mostrar como é a vida dos integrantes ao viver em constante fuga da Red Force, o Exo cativa os fãs, mantém seu interesse vivo e, de quebra, chama a atenção de mais pessoas ao demonstrar consistência em seu trabalho e o poder que uma narrativa bem construída e planejada tem ao encantar e cativar qualquer um que se permita desbravar o Exoplanet.

O Exo, por meio da sua gravadora, entendeu muito bem a natureza do k-pop e do que os fãs gostam, conseguindo condensar isso em suas produções, ao servir muito bem os fãs dedicados e ávidos por teorias, debates e previsões. Uma realidade no k-pop são os fãs que apreciam muito a criação de conceitos complexos e que fomentem a imaginação e criatividade de quem acompanha. Desta forma, os pequenos detalhes fazem a diferença e um planejamento que interligue as produções é muito bem-vindo, o que só tem a aumentar o sucesso e o êxito da banda e, consequentemente, da gravadora.

Em toda a trajetória do grupo é possível encontrar pistas e a continuidade daquela história iniciada lá em 2012, mesmo em um produto que esteja sendo lançado quase 10 anos depois. O quarto álbum da banda, The War, por exemplo, mostra os integrantes curtindo a vida e dando um tempo de serem perseguidos pela Red Force, o que pode ser percebido no MV de “Ko Ko Bop”, enquanto eles usam seus poderes recreativamente. Já o quinto álbum Don’t Mess Up My Tempo proporciona um atrativo a mais para aqueles que amam se aprofundar no significado das produções ao trazer a ideia de que as músicas da produção remetem a cada um dos poderes dos integrantes. Enquanto isso, o sexto álbum de estúdio do Exo, Obsession, apresenta aos fãs os X-Exo, clones do mau dos integrantes da banda, criados pela Red Force, com o intuito de derrotá-los.

É inegável que toda a estética e parte do storytelling do grupo bebe da fonte do sci-fi e de outras produções futuristas, o que joga, e muito, a favor de todo o fervor e adoração que os rodeia. A estética intergaláctica adotada por eles, por sua vez, deu tão certo que, em 2015, durante o lançamento de Star Wars: o Despertar da Força, o grupo participou de uma ação de marketing ao lançar a música “Lightsaber”, que ganhou versões em coreano e japonês.

Todo esse esforço e dedicação rendeu frutos logo nos primeiros anos do grupo. Com o primeiro, e diga-se de passagem, impecável, álbum, XOXO, o Exo fez história ao se tornar o primeiro grupo em 12 anos a atingir a marca de 1 milhão de cópias físicas vendidas, feito que se repetiu em quase todos os lançamentos subsequentes do grupo. Eles também são um dos grupos de k-pop com o maior número de prêmios Daesang (“grande prêmio”, no qual estão inseridos troféus por Álbum do Ano, Música do Ano e Artista do Ano), mais de 20 no total, sendo superados apenas pelo fenômeno mundial BTS, que já arrematou mais de 40 Daesang.

A boyband também soube aproveitar uma das épocas mais rentáveis do ano, o Natal. Com a tradição de lançar os chamados “álbuns de inverno” entre 2013 e 2017, o Exo criou uma discografia à parte e perfeita para o final do ano, potencializando também os talentos vocais de D.O., Chen, Suho e Baekhyun, que mostram a versatilidade do grupo ao interpretar composições do gênero balada e rock balada.

Ademais, mais provas das multifacetas e talento do Exo, além das estratégias de mercado acertadas, pode-se destacar a criação das units dentro da própria banda, isto é, quando alguns integrantes se reúnem e formam um subgrupo, algo comum no k-pop devido ao número grande de integrantes dentro do conjunto. A primeira unit derivada do Exo é a ótima Exo-CBX, composta pelos integrantes Chen, Baekhyun e Xiumin. Com eles, a gravadora buscou ampliar a presença de marca do grupo no Japão ao lançar os álbuns Girls e Magic na língua do país e até gravar a primeira temporada do reality show Exo Ladder, com os três integrantes. O outro subgrupo é formado pelos rappers do Exo, Sehun e Chanyeol, que dão vida ao Exo-SC e conseguem alcançar o público que mais se identifica com esse gênero.

A jornada deles, no entanto, não é só marcada por louros. Ainda em 2014, durante a primeira turnê do grupo pela Ásia, dois integrantes do Exo-M, Kris Wu e Luhan, deixaram o grupo e processaram a SM Entertaiment, alegando descaso da gravadora com suas carreiras e desprezo pelo bem-estar dos artistas, relatando uma série de abusos. Em 2015, foi a vez de outro integrante chinês, Tao, seguir o mesmo caminho ao deixar o grupo e iniciar um processo legal contra a gravadora. Desta forma, a banda deixou de ser dividida em duas unidades, com discografias e divulgação separadas por língua, e foi unificada.

O ocorrido expõe um tema delicado quando se trata do k-pop, deixando transparecer as condições desfavoráveis e rotinas, muitas vezes, sobre-humanas às quais os trainees passam para se tornarem idols. Também mostra que, ao realizar o sonho de debutar como uma estrela, as jornadas excessivas de trabalho e as exigências absurdas, na maioria das vezes relacionadas a padrões estéticos, não cessam, e, muitas vezes, só aumentam. Neste quesito, os artistas deste meio convivem diariamente com um alto nível de cobranças. Além de precisarem alcançar o patamar de artistas completos — não basta apenas aprimorar a técnica vocal, também é preciso ser um excelente dançarino — e encarar uma indústria movida pela grande quantidade de lançamentos anualmente, eles precisam exibir uma persona pública modelo que possa servir de inspiração e exemplo para o público. Com toda essa pressão, não é raro ver o adoecimento físico e mental dos idols.

Neste sentido, um dos integrantes do Exo, Kai, já falou abertamente e por diversas vezes sobre saúde mental — a sua, mais especificamente. O que na Coreia do Sul, a exemplo do resto do mundo, é considerado um grande tabu, mas vem sofrendo mudanças positivas, com destaque para o trabalho ferrenho do BTS em abordar a temática em suas músicas e em projetos, como o “Love Yourself”, em parceria com a UNICEF. Em entrevistas, Kai comentou sobre os momentos em que se sente triste e como lida com este sentimento.

“My personality tends to be bright, but I do think there is fundamentally a part of me that withdraws. I like being alone and I tend to cry a lot. I also don’t have friends. Once in a while, I’ll be depressed and downcast, but in those moments I’ll just stay at home. I don’t make an effort to ignore or try to escape these emotions. I look it (depression) straight in the eye, cry my troubles away, and shake it off because it’s not something to be ashamed of.” —  em entrevista para a Dazed Magazine em 2017 

“Minha personalidade tende a ser alegre, mas eu acho que tem uma parte fundamental minha que se fecha. Eu gosto de estar sozinho e tendo a chorar muito. Eu também não tenho amigos. De vez em quando, eu fico deprimido e abatido, mas nestes momentos eu só fico em casa. Eu não faço nenhum esforço para ignorar ou tentar escapar dessas emoções. Eu olho (a depressão) dentro dos olhos, choro para afastar os problemas e deixo para lá porque não é algo do que se envergonhar.”

Além disso, o artista também apontou como os comentários negativos e os discursos de ódio afetam seu bem-estar.

“My teammates are mentally strong, so I don’t worry about them, but I easily get affected by hate comments. I think that my mental state is bad, which is why I tend to avoid online comments all together. Also, I blame myself a lot and often have many regrets. I’ve been working on overcoming these flaws.” — em entrevista ao talk show Radio Star no final de 2019

“Meus colegas são fortes mentalmente, então eu não me preocupo com eles, mas eu facilmente sou afetado por comentários de ódio. Eu acho que meu estado mental é ruim, por isso eu tendo a evitar comentários online como um todo. Além disso, eu me culpo muito e frequentemente tenho arrependimentos. Eu tenho trabalho para melhorar essas falhas.”

Mas não é só neste aspecto que Kai chama a atenção pelo seu trabalho. Conhecido como “máquina de dança” e sendo considerado um dos melhores dançarinos atuais de k-pop, ele também se destaca no ramo da moda. Em 2019, ele se tornou o primeiro homem coreano a ser escolhido como embaixador da Gucci. Mais tarde, ele assinou sua própria coleção da marca de luxo. Também ajudou a repopularizar os crop tops na última década e lançou tendência entre o público masculino ao usar variações da peça em diversas performances e MVs da banda. Kai também se tornou recentemente o primeiro artista solo masculino de sua gravadora a ter um MV com mais de 100 milhões de visualizações no YouTube, com seu primeiro single solo “Mmmh”.

Outros integrantes do Exo também se aventuraram na carreira solo com grande sucesso. Destaque para Baekhyun que já possui 4 mini álbuns lançados e acumula prêmios por sua técnica vocal e habilidade de performance. E esta é apenas uma pequena amostra no que se refere ao impacto do Exo no cenário do k-pop, na Coreia do Sul e, porque não, no mundo, e a sua importância em ajudar a transformar a cena musical através dos anos. Para mim, ser fã deles é admirar toda essa trajetória e o caminho de sucesso que eles pavimentaram para as próximas gerações, mas também indo além disso: eles se tornaram o meu refúgio seguro e feliz em um momento em que tudo parecia cinza. Os anos de conteúdo disponível para consumir do grupo se tornaram uma válvula de escape muito bem-vinda nesse período que se provou ainda mais turbulento que 2020. Apesar de ter escrito um pouco sobre o poder de alienação do entretenimento despretensioso no ano passado, não foi até esse ano que eu realmente entendi a profundidade e importância que isso tinha na minha vida e no meu bem-estar.

O fato de que a pandemia é capaz de ampliar as nossas tristezas e provocar um sentimento de melancolia, todos nós estamos cientes, mas sentir na pele o quanto esse período deixou — e ainda deixa — tudo sem cor e potencializa a negatividade é algo que pesa na alma. Apesar de ter me tornado fã da banda em um ano em que o ritmo de lançamentos e divulgações não é o “normal” para grupos de k-pop devido ao serviço militar obrigatório coreano de quatro membros, em se tratando do Exo, tenho à minha disposição quase 10 anos de conteúdo entre MVs, participações em reality shows, entrevistas, lives e muito mais; e foram esses conteúdos, de oito homens coreanos e um chinês, que se tornaram meu bote salva-vidas em um mar revolto e difícil de navegar. Não me apeguei somente às suas vozes para melhorar o meu dia, mas também ao amor que demonstram às fãs, que carinhosamente chamam de Exo-l e para as quais sempre dedicam o seu slogan “We are One” (“somos um”, em tradução livre), mostrando que o Exo e suas fãs estão sempre juntos, apoiando-se; como também no modo como os integrantes interagem uns com os outros e demonstram a familiaridade do convívio diário.

Além de poder contar com uma trilha sonora de qualidade para meu dia a dia com as músicas deles, ao conhecer o Exo também fui presenteada com nove pessoas apaixonantes, com personalidades cativantes e que, por serem quem são, trouxeram mais brilho e alegria para diversos momentos da minha vida, junto com um sentimento de pertencimento. No fim de um dia ruim, a risada melódica de Chen está lá para me consolar, bem como as piadas sem graça de Suho, as peripécias de Chanyeol e Baekhyun em frente às câmeras, ou, ainda, o mau-humor de D.O. que rende cenas hilárias com seus companheiros de banda.

Sempre tento racionalizar os sentimentos que nascem em mim ao ler, ouvir ou assistir a algo a fim de explicar o fato de a cultura pop, num geral, ter o impacto de mudar nossas vidas e, em momentos especiais, trazer consolo e alento de forma deveras profunda, mas, no fim, não consigo completamente. Acho que nestes casos o sentir é intenso demais para ser colocado em palavras. Quando a alma se conforta com algo, basta a mente agradecer. Mesmo assim, a escritora Jarid Arraes, ao falar da boyband BTS para a revista ELLE, conseguiu verbalizar um pouco do que senti neste ano de 2021 ao ter meu estado melancólico rompido ao adentrar no mundo do k-pop.

“(…) o grupo trouxe de volta ao meu corpo a capacidade de se apaixonar profundamente por algo. Meu estado letárgico, o desinteresse por tudo, os sintomas da pandemia, tudo isso se desmanchava em minúsculas partículas sempre que eu dava play.”

Afinal, o que importa é que encontremos escapes em meio à vida turbulenta e que aprendamos a valorizar aquilo que nos faz bem, feliz — mesmo que brevemente —, e nos incentive e motive do modo que faça sentido para cada um. O resto, como coreografias complexas que despertam nossa vontade de saber dançar, MVs com naves espaciais e garotos que fazem aegyo (gestos/caretas fofas e adoráveis para demonstrar afeição muito usadas por celebridades coreanas) é um bônus.

E é isso que o Exo, mesmo do outro lado do oceano, significa para mim. Saranghaja!¹


1 – “vamos amar”, em tradução livre do coreano

** A arte em destaque é de autoria da colaboradora Duds Saldanha.

2 comentários

  1. Quando a Debora falou que “o k-pop me recebeu de braços abertos,” eu posso dizer que comigo foi o mesmo. E, melhor ainda, foram as amizades que o k-pop me ajudou a consolidar. Nesse período pandêmico o k-pop, assim como para a autora, “(…) serve de abrigo e refúgio a eles, o que, em um paralelo, pode se comparar ao sentimento que eles me proporcionam,” eu me sinto abraçada pelas canções que me dão, olhe só, liberdade para sentir! Que delícia ler esse texto e poder me identificar de tantas formas! Debora, saranghaja!

    1. Vanessa, você sempre sendo uma alma linda e com palavras cheias de carinho <3 Que bom que consegui passar um pouquinho do que acredito ser a experiência universal de começar a gostar de algo e se sentir encontrando um abrigo!
      Saranghae!

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