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Viagem ao interior: a essência poética em Dickinson

Decidi assistir à série Dickinson depois que um trecho da mesma se popularizou nas redes sociais. A cena, ainda que descontextualizada, chama a atenção: duas mulheres se beijam encostadas contra a parede de forma apaixonada, sem que a cena seja vista sob as lentes masculinas do fetiche. As duas vestem roupas de época e, na sessão de comentários, descobri que a cena fazia parte da série biográfica sobre a vida da poeta Emily Dickinson, no século XIX.

A outra mulher em cena, beijando a poeta, era sua cunhada, e de imediato tive o pensamento de que a trama deveria ser muito boa. Afinal, sinto que ainda falta representatividade sáfica na cultura pop e ainda mais protagonismo feminino em séries dirigidas, roteirizadas e produzidas por mulheres. Conhecer um romance entre mulheres que de fato aconteceu, em uma época na qual pensamos pensamos que há pouca probabilidade de um amor assim se manter, parecia o suficiente para me prender.

A vida de Emily Dickinson foi pouquíssimo documentada, e muito do que se sabe sobre a poeta acaba tomando um caráter de curiosidade excêntrica: em pleno final do século XIX, ela fugiu de uma das convenções sociais até hoje predominantes: o casamento. A poeta saiu poucas vezes de sua cidade e não era uma grande frequentadora da sociedade de Amherst, estando presente basicamente na propriedade do pai e do irmão e sendo raramente vista nos eventos locais. Diz-se que Emily tinha a preferência por usar roupas brancas, e que muitas vezes se recusava a sair do quarto para receber visitas. Suas relações eram principalmente amizades epistolares com algumas poucas pessoas. Também eram fortes os boatos sobre uma relação específica de Emily com a própria cunhada. Os rumores de seu amor correspondido com Susan Gilbert foram reforçados pelas dedicatórias de seus poemas e pelo teor das correspondências que as escritoras e amigas de infância trocavam. Susan, também conhecida como Sue, era casada com Austin Dickinson, o único irmão de Emily.

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Os raros registros sobre a vida de Emily foram organizados em três temporadas de Dickinson, série da Apple TV criada e produzida por Alena Smith. Produzida também por Hailee Steinfield, atriz que interpreta a personagem título, a série foi ao ar entre 2019 e 2021. Grande parte do que se sabe sobre Emily tem esse ar fantasioso e misterioso. Tendo em mãos pouquíssimos fatos documentados — já que, um dos pedidos feitos por Emily à sua irmã Lavínia foi que, após a morte, suas correspondências fossem destruídas — a proposta das criadoras é usar da imaginação para refletirmos sobre as questões que envolvem a poesia de Emily. Isso porque, embora tenha tido apenas uma dezena de poemas e uma carta publicados em vida, a poeta deixou cerca de 1800 poemas que nunca tinham visto a luz do dia. Após sua morte, Lavínia encaminhou toda a poesia para edição e publicação.

Quando, enfim, vieram à luz, notou-se que os poemas de Emily não eram escritos com intenção de publicação e se relacionavam diretamente com a vida pessoal da escritora, mas também eram sobre assuntos que se relacionam diretamente com a época. Muitas de suas obras eram sobre um amor com quem não poderia se casar — e muitas vezes se interpreta esse relacionamento proibido como aquele que tinha com Sue, até porque muitos dos poemas eram dedicados a ela. Escrever sobre a impossibilidade de realização desse sentimento é consequência de um mundo onde o casamento era compulsório entre homens e mulheres. Um outro tema recorrente em sua poesia era também a morte — tão presente na vida das pessoas que viveram no final do século XIX, já que muitas doenças ainda não tinham cura ou tratamento e cercavam os personagens que acompanhamos na série. A poeta atravessou também o período da Guerra Civil dos Estados Unidos, então, muitas vezes, seus escritos elaboram impressões sobre o peso de estar viva quando havia tanta morte ao redor. O encanto com a natureza, ainda presente na Amherst praticamente rural, estava também presente em suas poesias.

A equipe que criou Dickinson usa de recursos bem imaginativos para fazer com que a essência da escritora, resumida em tais temas, esteja sempre presente nos episódios, já que a realidade não foi de fato documentada, e ainda que fosse, não seria exatamente precisa. Os episódios, então, usam de anacronismos muitas vezes bem colocados e alguns um pouco exagerados para ironizar e criticar, por meio do humor, a maneira como poucas coisas mudaram no mundo desde a época em que Emily viveu. O que assistimos não é um retrato nítido de uma época e sim uma pintura abstrata que compara a vida da poeta aos dilemas da vida moderna.

Confesso que demorei a engatar na série. Depois de quase dez anos assistindo muitas produções audiovisuais da Ásia e algumas da Europa, as séries dos Estados Unidos me parecem extremamente superficiais e preguiçosas, e tive essa sensação sobre alguns pontos dos roteiro. Foi difícil me envolver emocionalmente com a história que estava sendo contada, mesmo que ela levantasse discussões e trouxesse dilemas caros a mim e muito próximos dos telespectadores. Os personagens são pouco desenvolvidos e a relação entre eles parece sempre carecer de mais motivação e explicação para que sejam compreensíveis. Talvez a superficialidade me gritasse por falta de costume. Sei que perdi a identificação com a maioria das personagens e dilemas que as produções estadunidenses têm a me apresentar. Por saber que era assim que eu iria encarar o roteiro e a direção, me apeguei ao carisma do elenco e à minha expectativa inicial em relação à série e segui assistindo até que a proposta fizesse sentido para mim.

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Ao comentar o processo de criação de cada fase da série, Alena Smith explica que a primeira temporada se volta para o tema do casamento. Nem Emily nem sua irmã se casaram, mas Sue, com quem a Emily ficcional já se relacionava desde o período em que estudaram juntas, acabou cedendo ao matrimônio também como forma de sobrevivência. Na época, o casamento era muitas vezes o único destino para uma mulher da classe social à que pertencia a família Dickinson, mas tendo boas influências na região, escolher não se casar era um luxo que as irmãs Dickinson puderam se dar — embora na trama, Lavínia não exatamente escolha firmemente se manter solteira. Muitas vezes, os pretendentes possíveis não eram compatíveis com as irmãs, então a solidão e um certo ostracismo eram as outras opções para elas.

Já para Sue, uma órfã sem muitos familiares e que supostamente viveu uma relação sexualmente abusiva quando saiu da cidade, se casar com Austin parecia uma opção segura. A família Dickinson, afinal, tinha boas relações na cidade de Amherst — o patriarca era um advogado envolvido na política e respeitado localmente e Austin, apesar de ter alguns momentos de conduta condizente com as expectativas para o gênero masculino naquele momento da história, se mostra um jovem desconstruído e sensível. A morte acaba — na primeira temporada — levando um dos empregados do pai com quem Emily se envolveu emocionalmente, embora não fique claro se ela sentia apenas uma forte amizade por ele ou de fato algum sentimento romântico. Rondando Emily e Sue, ele acaba sendo personificado em um personagem com quem a poeta tem vários diálogos esclarecedores. Não só a poesia, mas também os afetos são notavelmente influenciados pela proximidade da morte: Emily, mesmo sendo correspondida por Sue, era afastada da felicidade romântica pela sociedade cujos mecanismos e os matrimônios se configuravam também como uma defesa em relação à fome e à doença, às quais uma mulher solteira e sem família ficaria muito mais sujeita sem o casamento.

A maior parte da primeira temporada me pareceu querer se voltar para as comparações com o tempo atual e as intervenções da morte. Os imaginativos devaneios de Emily pareciam apenas um recurso para preencher o tempo de tela — e isso seria ultrajante se pensarmos que os episódios têm cerca de 30 minutos. Queria saber sobre a vida da poeta e acabei não sabendo muito, e a tendência cômica nada sutil me parecia às vezes desrespeitosa a alguns dos temas em torno da vida da família Dickinson. Até que, no sétimo episódio “We Lose, Because We Win”, quando faltavam apenas três para o fim da primeira fase, fui enfim capturada: Emily desejava ir ao circo, mas seu pai, um homem rigoroso, participaria das eleições como candidato e proibiu as filhas de irem ao local por não acreditar que seria apropriado para mulheres. De alguma forma, a presença das filhas no circo poderia acabar prejudicando sua reputação, e as filhas são privadas dessa diversão.

Emily não vai ao circo, mas sua imaginação sim e lá ela se vê em todas as criaturas e pessoas incomuns que se tornam atração do espetáculo. Ela também se vê como uma aberração exposta. Visualmente, esse é um dos momentos mais marcantes de toda a série: Emily usa roupas tipicamente relacionadas aos circos da época e se vê entre todas aquelas pessoas excluídas da sociedade de alguma forma, a quem só resta o lugar de serem vistas como aberrações. Foi só então que se tornou evidente que o tema central da série não é exatamente a vida da poeta, e sim o modo como ela conseguia registrar em poesia os sentimentos que a atravessavam — alguns próprios do tempo em que viveu, outros particulares e voltados para os fatos de sua vida íntima. A partir daí, a série se tornou de fato interessante para mim, que também escrevo poesia.

Já a segunda temporada parece se debruçar sobre a ideia da publicação. Mais uma vez, a série faz um trabalho de imaginar para Emily a escolha de deixar seus textos ocultos. Muitas vezes, se coloca sobre mulheres dos séculos em que a vida feminina era muito regrada e vigiada um olhar condescendente, como se elas fossem vítimas da sociedade. A Emily, interpretada por Hailee Steinfield, é, sim, limitada por sua condição de mulher em uma sociedade patriarcal, mas não deixa de ter sua autonomia. Escolhendo o anonimato e se mostrando cada vez mais reclusa, Emily se vê ainda apaixonada por Sue, mas tendo que lidar com o fato de que a vida da agora cunhada segue independentemente da sua.

Talvez o episódio crucial para a segunda temporada e que, para mim, faz um elo perfeito entre os dilemas da temporada encerrada e a que ainda viria é “I Am Nobody”. Depois de ter um de seus poemas publicados, a poeta espera pela repercussão de sua poesia, mas, em um de seus devaneios, se imagina, se sente ou se vê invisível. Além de ser uma metáfora sobre a fama e a glória que era esperada mas não foi encontrada com a publicação de seus versos, o episódio discute ainda o papel da poesia no mundo. Enquanto se encontra invisível, Emily vê e ouve pessoas comentando o poema publicado com sinceridade demais ou ainda ignorando seu talento e tudo que ela tem a dizer, que parecia ser tão crucial no momento da criação poética.

O poeta é ninguém. Desimportante e invisível, sua ausência sequer é notada pelos outros, como acontece à poeta. Talvez seja aí que a poesia — algo tão vital para a protagonista — se mostre inútil para os outros. Mas não é porque é inútil que não é necessária — é o que parece ser concluído por Emily. A poesia tem ainda o papel de ser uma tradução de sentimentos vindos do mundo e da individualidade dos poetas, algo que pode ter a sorte de tocar outras pessoas — como toca a Sue, por exemplo — mas não necessariamente transformará o mundo.

É neste episódio também que Emily aceita o anonimato, a solidão e o fato de que está à margem do resto do mundo. Mesmo tocada pelas palavras de Emily, Sue segue sendo uma mulher empenhada em manter seu papel social recebendo as pessoas de Amherst em sua casa e Emily se dá conta de que não é a única a receber o afeto da cunhada. Em meio a seu casamento em crise, já que Austin quer ser pai e ela não, Sue tem um caso com o editor das poesias de Emily, que inclusive parecia ter um interesse pela poeta que chegava a intrigá-lo e encantá-lo. O affair é descoberto com a invisibilidade da poeta. Ser considerado desimportante às vezes nos faz ter consciência de tudo.

“I’m Nobody” é emblemático em lidar com essa questão que frequentemente visita pessoas que criam arte. A arte não muda muita coisa, a vida continua. E talvez seja por ter essa epifania e pela decepção ao saber do caso do editor do Springfield Republican, que Emily desiste de ter seus poemas editados e publicados no jornal do amante, ao menos na ficção, de Sue Gilbert. Sua desistência da fama não surge por que a poeta julga sua escrita ruim ou impublicável, mas é uma ação para tornar privadas as suas percepções sobre o mundo, para guardar para si seus sentimentos que ainda precisam de palavras para serem expressados, não para o mundo mas para ela mesma. A poesia nem sempre toca quem a lê, mas certamente é fundamental para quem a escreve.

No episódio especial com cenas sobre os bastidores da produção, “From Dickinson with Love”, Alena Smith comenta que na terceira temporada o mundo em que nós vivemos agora parece ter se alinhado com o mundo em que a poeta vivia. O período da Guerra da Secessão, à espreita na temporada anterior e agora já em pleno andamento, era também um momento de pouca esperança: além da guerra e todos os males que vêm com ela como a escassez, a insegurança, o medo e a já constantemente presente morte, Emily e sua família estavam em meio a seus próprios conflitos internos. Nós também estamos lidando com nossas batalhas desesperadoras: uma pandemia global, guerras, caos climático, crise econômica e governos ruins. E, como se não bastassem todas as consequências dessas catástrofes, também temos reflexos de tudo isso dentro das nossas casas, criando nossos próprios dramas familiares. Os personagens reclamam, e nós, jovens adultos de 2022 também reclamamos: “Que época horrível para se ser adulto! Porque tem que acontecer tudo isso justo com a nossa geração?”

Em Dickinson, o casamento de Sue e Austin anda em crise, já que eles têm um filho recém-nascido e o próprio Austin vive seus dilemas de identidade; Lavínia começa a sentir o peso de não ter se casado e de ter perdido alguns de seus antigos pretendentes na guerra e Emily se percebe com medo da morte — com quem tinha uma relação próxima antes. O medo é que ela leve seu pai com um ataque cardíaco, ou seus amigos e conhecidos com a guerra. A morte, personificada no papel interpretado pelo rapper Wiz Khalifa, deixa de ser uma ideia abstrata e começa a aparecer de forma mais realista, inclusive com a morte da tia. Sentindo falta da irmã, a mãe de Emily também passa pelas próprias dificuldades em lidar com o luto.

“This is My Letter to the World” é um dos episódios mais emblemáticos da terceira temporada. Após receber um livro de Walt Whitman, um dos poetas mais famosos de sua época, Emily retorna ao dilema da função da sua poesia. Ao contrário dela, Whitman tinha fama, reconhecimento e livros publicados, mas no período da guerra, se tornou enfermeiro para soldados feridos em batalha. Impossibilitada de contribuir com as dificuldades diretas da guerra, Emily questiona o papel de sua escrita em meio ao horror e à desesperança. É aqui que a poeta vive dilemas parecidos com os do nosso tempo. Como mudar o mundo quando seu único ou maior talento é a poesia? Como a escrita pode trazer esperança se a poeta também está imersa em todas as dores do mundo, e mais, às suas pessoais? Como registrar os sentimentos do mundo se ela não sai de casa?

Emily se perde em mais um devaneio com o escritor, no hospital de campanha onde vem trabalhado e se reúne, nesse delírio imaginativo, à escritora Luisa May Alcott, autora de Mulherzinhas, que já havia aparecido na primeira temporada. Em contraste a Emily, Luisa quer ser publicada e viver da escrita, e Walt tem a liberdade de viver várias experiências restritas a uma mulher naquela época. Na sequência, Emily acompanha o escritor até um bar frequentado pela população queer na Nova York da época, e é lá que ela compreende que o mundo a atravessa de qualquer maneira, o amor que sente por Sue a toca de qualquer jeito e ela não tem saída a não ser registrar esses sentimentos do mundo e dela. Porque a arte é principalmente uma forma de expressão: colocar para fora o que nos atravessa e aquilo que já estava dentro de nós.

Vi em Emily um reflexo de minha história pessoal com a poesia. Se quando adolescente e jovem adulta meu contato com a escrita poética foi pouco e simplório, foi também de coração. Naqueles momentos, apesar de consumir poesia, eu não tinha recursos para saber criá-la. No começo de 2020, ainda sem saber como o mundo se transformaria dali a três meses, me propus a escrever poesia diariamente. Se os primeiros versos foram engessados, formais e pouco sinceros, foi por falta de prática, mas após alguns meses, em um momento de isolamento que pegou o mundo todo de surpresa, me vi, como Emily, tendo na poesia uma única saída para escoar tudo que eu vivia, e também o que eu não vivia.

Minha história não é a única: o primeiro momento de isolamento, novo na forma em que se apresentou para todos nós, foi um tempo em que muitas pessoas recorreram à arte para, de alguma forma expressar suas angústias. A escrita, a poesia, a pintura, a dança, ou seja lá qual manifestação tenha tocado os indivíduos, foi onde vimos uma mistura de sentimentos nossos e do mundo tomando forma. Particularmente, foi com a escrita poética e em prosa que me vi navegando por um mundo que me foi negado durante a chamada quarentena. Tanto memórias quanto expectativas de futuros melhores só me foram acessíveis por meio do exercício da escrita. Foi com a poesia que tirei do meu corpo parte do medo, da desesperança, do cansaço e das dores particulares de amor e desamor que vivi e deixei de viver. Todos os dilemas de Emily em relação à publicação se passaram por minha mente antes, durante e depois da publicação do meu primeiro livro, Lua em Escorpião, que reuniu todos os poemas desse meu projeto de me expressar que acabou sendo atravessado pela pandemia. O que foi que eu senti que não esteve marcado pelo mundo como estava?

Pessoalmente os temas da poesia de Emily Dickinson continuam conversando comigo: a solidão, os amores complicados, o sentimento de estar ligada ao mundo ao mesmo tempo que afastada, a desimportância do que digo versus a necessidade de me expressar, a perspectiva de ser um dia lida e de alguma forma interpretada por vieses distantes demais de quem verdadeiramente sou. Tudo isso me toca e também toca o mundo. É por isso que, mesmo não sendo uma série tão bem amarrada ou constantemente profunda, Dickinson ainda é importante e levanta temas muito humanos e universais. E para quem, de alguma forma, se expressa por meio da arte e se vê sem rumo diante do caos do mundo de agora, Dickinson nos lembra que sempre houve tempos difíceis, sempre houve dilemas pessoais, sempre houve dor e sofrimento, mas também sempre houve alegria, conexão e amor. E tudo isso se registra com arte. É por isso que a poesia — a arte de Emily — talvez seja a coisa mais importante para ela, justamente por não ter outra utilidade que não apenas existir e marcar a passagem da poeta pelo mundo.

O mundo de Emily é abalado de muitas formas e sua poesia está lá, sempre presente marcando sua visão do mundo. Na Irlanda, terra natal de Maggie, a empregada da família Dickinson, se dizia que os poetas deveriam ser poupados da morte em qualquer guerra, para que contassem a história. A história deve ser matéria de precisão e método científico, mas nesse ditado, não vemos a história como algo que deve ser objetivo ou prático. O que temos na fala é a ideia de que existe uma outra história — não feita de fatos, mas sim de sentimentos, ideias, conceitos: aquilo que Emily deixou registrado em seus poemas. Não sua vida, não os fatos, mas o que sentia, essa outra história íntima e atravessada por um mundo que afetava suas possibilidades de sentir e viver plena e livremente o que desejava. E essa outra história, talvez por ser tão única, seja o que há de mais universal. Porque é isso também que a poesia faz: marca o universal em algo particular e revela o particular em tudo que vem do mundo.

Como uma espectadora que queria saber os fatos da vida de Emily Dickinson, acabei sabendo mais que a história registrada e soube de algo ainda mais particular e especial: sua essência, deixada como legado em suas poesias. O maior trunfo da série é justamente não se ater aos fatos para que essa tal essência se torne ainda mais vívida. Ao invés de deixá-la diluída em uma possível reconstituição biográfica, o que reforça conceitualmente aquilo que a poeta sentia e pensava são justamente os momentos em que o roteiro permite uma viagem ao futuro, idas a lugares onde Emily nunca pisou e ainda viagens ao interior da mente e das emoções da poeta.


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