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Twisters: Hollywood de volta às raízes com os pés no futuro

Sequência tácita do filme homônimo de 1996, com Helen Hunt e Bill Paxton, um grande clássico da Sessão da Tarde (Globo), Twisters volta a explorar um gênero que já foi o carro-chefe de Hollywood: os desastres naturais.

Com o toque de modernidade e a necessidade de ser feito para uma nova geração, a produção de 2024 é dirigida por Lee Isaac Chung, de Minari (2020), e estrelada por Daisy Edgar-Jones e Glenn Powell, dois atores que abarcam nichos diferentes da Indústria e mostraram ser, nas telas, a escolha perfeita para comungar a intenção do filme — ser um grande blockbuster de desastre nos moldes antigos e, ainda, conseguir ganhar o coração do público.

Enquanto o ator se tornou mais conhecido por blockbusters de ação e sucessos de bilheteria, como Top Gun: Maverick (2022) e Todos Menos Você (2023), Daisy encontrou o sucesso com produções mais introspectivas e de menor orçamento, como as séries Normal People (2020) e Em Nome do Céu (2022), além dos filmes Fresh (2022) e Um lugar Bem Longe Daqui (2022). Por isso, faz todo o sentido que sejam eles a encabeçar um projeto que, para ganhar o público, não pode ser apenas um filme de desastre, mas um filme de desastre que tem a empatia das pessoas, o que ambos emanam de sobra ao seu próprio modo — ele, de forma mais expansiva e divertida; ela, da maneira introspectiva que a personagem exige.

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O filme mais recente toma para si toda a essência do anterior em relação aos caçadores de tornados, trazendo Daisy e Powell como rivais que, em algum momento, têm de se aliar para combater um inimigo quase imbatível. Ainda assim, na sequência, trazem uma relação mais moderna e dinâmica quanto ao protagonismo feminino e a possibilidade de um romance fincado no tropo do “enemies to lovers”, com alguma influência das comédias-românticas em alta no momento.

Daisy aparece, inicialmente, como Kate, uma estudante de meteorologia que pretende conseguir uma bolsa de estudos através de um projeto que estuda a lógica por trás da formação dos tornados, algo, até então, inexplicado. Para isso, ela conta com a ajuda do namorado, Jeb (Daryl McCormack) e de um grupo de amigos da área, incluindo Javi (Anthony Ramos). Ocorre que, durante uma dessas caças, a imprevisibilidade dos tornados se volta contra eles e apenas Kate e Javi sobrevivem.

Cinco anos depois, ela se tornou uma especialista em tempestades trabalhando para uma empresa de meteorologia em Nova York, ainda afetada pelo trauma do incidente, mas longe dos perigos da rota dos tornados de Oklahoma, até que Javi a procura com um novo projeto de estudos do fenômeno climático desenvolvido pelo exército, mas financiado por uma empresa privada, a STORM-PAR: ainda se trata de uma tentativa de escaneamento das tempestades para entender como são formadas para tentar torná-las mais previsíveis, mas mais moderna e possível em razão do avanço tecnológico.

Como tudo relativo ao clima e à natureza, as tempestades de tornados estão se tornando cada vez mais imprevisíveis e destrutivas, por isso, apesar do receio inicial de reviver o passado, especialmente a situação de perigo em que se colocou quando perdeu os amigos, Kate decide voltar a Oklahoma por uma semana para tentar ajudá-lo e, principalmente, às pessoas afetadas pelo fenômeno natural.

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Ao chegar lá, ela percebe que terá de lidar com uma realidade bem diferente: em 2024, os desastres naturais se tornaram mais midiáticos do que antes, quando apenas pessoas excêntricas os caçavam pelo fanatismo e vício em adrenalina. Tudo isso é representado por Tyler Owens (Glenn Powell), um caçador de tornados com uma equipe de pessoas tão excêntricas quanto ele, que transmite as tempestades em tempo real em um canal de YouTube.

Autointitulado “Laçador de Tornados”, Tyler é a personificação do que Kate evita a todo o custo, pois a aparente falta de cuidado em situações de perigo pode rapidamente tirar a vida de alguém e o fato de encarar isso como diversão, forma de capitalização e meio de entretenimento, em busca de adrenalina, é apenas o catalisador de seu julgamento e aversão iniciais. Assim, desde o início, os protagonistas estabelecem uma dinâmica oposta e de competição velada, que já vinha ocorrendo entre os cientistas nerds da STORM-PAR e os seguidores de Tyler Owens. Portanto, apesar da tensão em torno das tempestades de tornados e do verdadeiro perigo advindo daí, o filme é permeado pela interação mais leve e divertida entre Kate e Tyler, que parece querer desvendar desde o primeiro instante como ela pode entender tanto de tornados sendo de uma “garota da cidade”.

A química entre eles é um dos maiores trunfos do filme e, vinda dele, faz o filme se mover para explorar o passado e o trauma da protagonista feminina, um acerto em relação ao arco de desenvolvimento dela e a necessidade de Tyler em tela, que, em algum momento, se torna alguém que está ali para dar mais segurança à Kate e ao que precisa para deixar para trás os eventos ocorridos a cinco anos, sem se colocar em perspectiva. Isso porque existe um equilíbrio entre o que é motivado por ele, direta ou indiretamente, e o que vem do crescimento e experiências da própria Kate que, durante o filme, também decide estar pronta para ser a heroína que não foi quando sentiu que errou. Ou seja, eles são um bom par e até se complementam em suas óbvias e significativas diferenças, mas não se definem e não são codependentes, por isso a independência de Kate, como a indiscutível protagonista dessa jornada, é imprescindível para tornar a produção mais impactante e, claro, mais empática.

Embora seja visível o interesse e até fascínio de Tyler por Kate, desde o primeiro instante que se coaduna um pouco com a própria representação do espectador, Daisy Edgar-Jones entrega uma personagem realmente crível dentre toda a ficção científica e do show de efeitos técnicos por trás dos tornados: é ela quem está com os pés no chão por todo o filme e que consegue transparecer tanto o medo em situações de perigo quanto o trauma passado e, depois, a determinação de deixar o luto para trás e enfrentar este inimigo natural que se mostra um antagonista perfeito para que os protagonistas cresçam contra.

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A atriz já havia provado que pode mergulhar de maneiras muito profundas em suas personagens, em diferentes enredos, mas é com Twisters e com a dinâmica desafiadora imposta pelas sequências do filme, não apenas de ação, mas de mudança de ritmo, que consegue mostrar seus recursos de atuação, provando que, depois deste, pode fazer praticamente qualquer coisa — mas não irá, afinal, apesar de ser um blockbuster clichê do gênero de desastres, Twisters continua sendo interessante pelo que está além disso, ficando claro porque ela aceitou o papel.

Glenn Powell também se aproveita de um personagem que, em outras produções, seria muito superficial, pela caracterização e personalidade, para entregar uma trama ascendente. Embora seja um ator que, naturalmente, emane carisma, na trama possui um aprofundamento e humanização que funcionam muito bem para gerar o apelo do público. Além das aparências e da excentricidade de “caçador country”, embalado por canções do gênero, inclusive, ele consegue se sobressair na trama principal e crescer sob seus próprios méritos, se mostrando alguém preocupado com os efeitos dos tornados nas comunidades mais pobres de Oklahoma.

Além disso, em Twisters fica claro que o ator não tem qualquer receio de deixar sua parceira em cena brilhar. É óbvio o trabalho em conjunto realizado por ambos para o desenvolvimento de uma das melhores químicas cinematográficas dos últimos tempos, mas ele tem consciência de que o filme é sobre Kate e o processo de luto da personagem em meio à volta a caça de tempestades de tornado, não sobre ele ou a chama de romance, que fica óbvia, mas não massiva, desde o início, o que acaba se mostrando um dos grandes atrativos do filme.

Dessa forma, a única ressalva da produção como um todo, tratando a ficção científica como deve ser (ficção), é quanto a forma pouco aprofundada com que aborda os desastres naturais. Apesar de fazer um bom trabalho em colocar o público na realidade interiorana de Oklahoma, tanto através da direção de arte quanto através da trilha-sonora fincada no country e marcada por artistas como Johnny Cash, Luke Combs e Miranda Lambert, se tratando de um filme de 2024, a produção poderia lidar com o tema de maneira mais urgente e atual, o que seria um grande diferencial em relação ao filme de 1996 e aos demais do gênero, mas opta pelo seguro e por manter a trama longe da militância ambiental, embora exista um claro aceno intencional a respeito da imprevisibilidade climática que assola o mundo.

Ainda assim, Twisters decide manter os pés no chão e faz isso bem, de forma que não perde em nada para filmes que, hoje, são considerados clássicos, como Impacto Profundo (1998), 2012 (2009) e O Dia Depois de Amanhã (2004), se tornando, talvez, o primeiro grande filme de desastre que faz jus ao gênero depois de 2012, pois, além de cumprir todas as convenções, possui um grande apelo em razão de uma trama bem delineada e alinhavada até o final, que tem a única pretensão de ser o que é, embora seja com um pé na modernidade em razão da dinâmica estabelecida pelo roteiro e pela atuação de Glenn Powell e Daisy Edgar-Jones nos papéis principais.