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Titãs, segunda temporada: a queda

“Os Titãs… Eles se chamam assim mesmo? Os Titãs foram figuras gregas trágicas derrotados por Zeus. Quem escolhe nome de perdedores?” A frase, dita pelo personagem Wintergreen (Demore Barnes) no oitavo episódio da segunda temporada de Titãs, é construída como uma metáfora pelos roteiristas para mostrar aos espectadores a sombra do destino que paira sob a cabeça dos heróis e como, desunidos e cheios de conflitos internos, lhes resta apenas a derrota ao enfrentar um dos vilões mais temidos e bem construídos da DC Comics, Slade Wilson (Esai Morales), o Exterminador. Acontece que os roteiristas provavelmente não esperavam que o pedaço de diálogo também pudesse ser usado para ilustrar muito bem o resultado desta segunda leva de episódios de Titãs: a queda trágica de uma série que tinha tudo para ser ainda maior do que sua estreia e perdeu todas as oportunidades possíveis no processo.

Depois de entregar uma primeira temporada com alguns tropeços, típicos de uma série que ainda tentava encontrar seu caminho, mas cheia de potencial e com um frescor para os amantes de produções sobre super-herói, Titãs volta para a segunda temporada com muito mais inconsistências, tropeços que viram quedas e tramas que tinham tudo para cativar o público mas exercem zero carisma quando contadas. Nem mesmo a presença de Slade Wilson, um dos vilões favoritos dos roteiristas quando o assunto é contar uma boa história (Arrow que o diga) tem a força de salvar completamente a bagunça que se tornou essa segunda temporada.

O maior erro de todos já se apresenta logo no início. A escolha em terminar a primeira temporada em um cliffhanger foi claramente equivocada, uma vez que a première da segunda temporada funciona muito melhor como episódio final do que como estreia de um novo ciclo. Toda trama sobre Trigon (Seamus Dever), pai de Rachel (Teagan Croft), que foi o fio condutor da primeira temporada, é resolvido de maneira abrupta e de forma trivial, nem um pouco à altura de sua importância. A partir daí, o grupo se desfaz, enquanto Dick (Brenton Thwaites) leva Jason (Curran Walters), Rachel e Gar (Ryan Potter) sob sua tutela para a Torre dos Titãs em São Francisco e decide reviver a iniciativa dos heróis, Hank (Alan Ritchson) e Dawn (Minka Kelly) vão tentar a vida tranquila no interior — quanto tempo eles acharam que isso ia durar são questões — e Donna (Conor Leslie) e Kory (Anna Diop) formam uma dupla no estilo policial investigando e ajudando a prender vilões.

Depois de alguns meses, a rotina de treinamentos desenvolvida por Dick e a falta de ação em campo começa a incomodar Jason, Rachel e Gar. Mas isso muda quando Dick traz Rose para a Torre dos Titãs, uma garota misteriosa com habilidades metahumanas e que está fugindo de seu pai assassino, Slade Wilson. E é neste momento que o passado volta para assombrar — mais um vez — Dick e também seus ex-colegas de equipe. A tranquilidade da vida pacata de Hank e Dawn é interrompida por uma tentativa de assassinato de um vilão que eles ajudaram a prender em dias passados, Doutor Luz (Michael Mosley). Assim, eles se veem obrigados a se reunirem com Dick e Donna para, finalmente, terminarem o serviço que começaram cinco anos atrás quando Slade entrou na vida deles.

Já de cara, a equipe de heróis conhecida como Titãs é citada diversas vezes e a sua antiga formação — Dick, Donna, Hank e Dawn — reforçada a cada cena, o que causa um estranhamento no telespectador uma vez que durante toda a primeira temporada o nome não surge nenhuma vez e em nenhum momento fica claro que todos os personagens eram, de fato, os Titãs. O roteiro nos leva a acreditar que eles trabalharam juntos em alguns momentos do passado, mas nada como a famosa e já estabelecida equipe de heróis. Infelizmente esta não é uma dos únicas tramas que foram de certa forma “resetados” nesta segunda temporada ou remodeladas para se encaixarem nas novas histórias contadas ou atribuídas aos personagens. A impressão que fica é que não ocorreu um planejamento a longo prazo dos temas a serem tratados em cada temporada e que a produção ainda está na fase de experimentação, uma vez que as mudanças não se limitam apenas ao rumo dos personagens.

Enquanto todo o marketing de estreia de Titãs se baseou em se aproximar do tom, tanto de narrativa como de estética, do filme Batman vs. Superman, com abundância de brutalidade, sangue, palavrões e fotografia escura, em seu retorno a produção pisa no freio e dá um passo atrás, trabalhando um tom mais leve, suave e menos obscuro, reservando a cota de palavrões apenas para Jason Todd e diminuindo consideravelmente a brutalidade das cenas de lutas, mesmo que ainda mantenha o nível cru e real das coreografias.

Mesmo com esta mudança perceptível, a qualidade dos 13 episódios não é afetada especialmente por esta decisão narrativa. A queda de Titãs vem justamente por aquilo que tornou a primeira temporada uma luz no fim do túnel em meio a tantas produções de super-heróis: o foco em aprofundar as narrativas de cada personagem, centrando a produção nas pessoas por detrás das máscaras. Desta vez, no entanto, o estilo narrativo de focar a cada episódio em uma história/personagem, enquanto entremeia as demais tramas em um grande novelo, não deu certo e o resultado foram diversas pontas soltas, tramas abandonadas no meio do caminho, situações que saem do nada e vão para lugar nenhum sem grande impacto e personagens extremamente poderosos e relevantes totalmente subutilizados.

Titãs tentou tentar abraçar o mundo ao dar continuidade aos personagens regulares, explorando não apenas o presente, mas tentando aprofundar suas histórias com infinitos flashbacks — em alguns momentos, inclusive, com flashbacks dentro de flashbacks — e, ao mesmo tempo, introduzindo uma leva de novos personagens, como Aqualad (Drew Van Acker), Conner (Joshua Orpin), Slade, Rose (Chelsea Zhang) e Jericó (Chella Man). O resultado? Um roteiro que não consegue manter uma constância e dar a devida atenção para cada um de seus personagens ou construí-los coletivamente como, de fato, os Titãs.

Pouco vemos dos personagens originais da primeira temporada interagindo como a equipe que nos foi prometida ao longo dos episódios, e quando a história foca na antiga formação do grupo nossa atenção não é totalmente cativada tanto quanto poderia ser se o tempo de tela fosse utilizado para evoluir a relação de Rachel, Kory, Dick e Gar criada anteriormente. Desta forma, o plano de Slade de criar conflito entre os membros e quebrá-los de dentro para fora funciona fácil e rápido demais, uma vez que tudo o que conhecemos desde o início é um time já desunido e separado por seus segredos, sem backstory suficiente de entrosamento para nos fazer sofrer ou ficar tristes pelos eventos que se desenrolam. Além disso, dinâmicas que funcionaram muito bem na primeira temporada, como Dick e Kory e Donna e Dick, não tem o mesmo brilho que antes, seja, no caso da primeira dupla, por falta de tempo de tela juntos, ou da segunda, por culpa de um roteiro que parece não saber muito bem o que fazer com a própria história que criou.

A trama de Rachel, considerada a personagem principal ao lado de Dick, é um bom exemplo dos erros cometidos nesta segunda temporada. Com uma trama reciclada do ano anterior, com descontrole de seus poderes e emoções e o medo de seu destino, o tempo em tela da personagem é recheado de cenas que correm em círculos e motivações que logo são esquecidas. Enquanto isso, Gar continua tão apagado quanto na primeira temporada e suas falas podem ser contadas. Mesmo que na reta final da temporada ele ganhe mais protagonismo ao ser capturado e torturado pela Laboratório Cadmus, junto com Conner, a trama é tão superficial e suas consequências tão pouco atribuídas a ele que a sensação que os roteiristas pouco ligam para o personagem fica mais proeminente — quem sabe no terceiro ano da série tenhamos sorte e possamos finalmente ver o impacto emocional dos acontecimentos se desenrolarem na trajetória de Gar.

Uma das tramas que mais tinha potencial mas morre nas mãos dos roteiristas é a trama de Kory, a nossa Estelar. Em uma jornada própria até metade da temporada, a série faz uma tentativa de explorar a origem de Koriand’r trazendo para a historia Faddei (Robbie Jones), um guarda real que tem um passado romântico com a personagem e foi incumbido de levá-la de volta para seu planeta Tamaran para assumir seu lugar como rainha. A relutância de Kory para retornar para seu povo acaba dando a oportunidade para sua irmã, Blackfire (Damaris Lewis), matar seus aliados tamareanos e tomar o trono para si. No entanto, após essa reviravolta, a série simplesmente esquece a trama e coloca Kory como babá de um ferido Conner e depois de uma perdida Rachel. A expectativa é que a trama seja novamente retomada na terceira temporada e sirva para dar o destaque que a personagem de Diop merece, já que nem mesmo o roteiro fraco é capaz de ofuscar a performance poderosa da atriz, que novamente mostra o quão perfeita é para o papel.

É importante notar também que o visual de Estelar sofreu uma mudança radical para essa nova safra de episódios. Saem o cabelo cacheado pink e as roupas chamativas e sexualizadas e entram em cena tons mais sóbrios e escuros, muito distantes da chamativa paleta de cores anterior, além de um cabelo longo e alisado. Apesar de ficar feliz com a mudança de vestuário, que é, sim, sensual e não extremamente sexualizado como o anterior, é de se questionar o motivo da produção mudar drasticamente a aparência da personagem que sofreu mais ataques pela sua imagem, sendo a maioria deles comentários racistas e totalmente descabidos. Para quem está de fora, essa história ressoa um pouco como o ocorrido com Rose Tico, interpretada por Kelly Marie Tran em Star Wars: Ascensão Skywalker, após o choro interminável de fanboys na internet sobre como a personagem “acabou com as suas infâncias”.

Quanto às demais personagens femininas, a série falha tanto com todos os seus personagens, que torna o mau desenvolvimento de Rose, Dawn e Donna — que mesmo que ganhe mais destaque e uma storyline própria, ainda tem grande parte de seu potencial desperdiçado e seus poderes subestimados — não uma exclusividade reservada só a elas, mas um denominador em comum com os demais protagonistas. A narrativa criada para Dawn é tão inconstante e sem foco que, sinceramente, é difícil acreditar que os roteiristas possuíam algo específico em mente para a personagem e provavelmente foram apenas seguindo “a maré”.

O único personagem que mantém certa constância e tem sua história continuada de forma satisfatória é Dick Grayson. Com os dias de Robin agora definitivamente deixados no passado, o herói precisa encontrar sua nova identidade e descobrir como se livrar da culpa que carrega por erros antigos para que, só assim, seu novo propósito possa ficar claro e se concretizar. Novamente, grande parte do peso de carregar a trama cai em Thwaites, que não deixa a desejar na atuação e protagoniza junto com Iain Glen, o Bruce Wayne desta versão, as melhores sequências desta segunda temporada. O caminho percorrido por Dick para se tornar Asa Noturna faz um pequeno desvio, e pode se tornar um pouco repetitivo em alguns momentos, mas eventualmente o roteiro chega lá, e quando o faz o resultado compensa toda a espera do espectador.

Outra grata surpresa são Conner e Jericó. Com episódios solos de introdução, os personagens conseguem acrescentar carisma a trama e tiram um pouco do peso maçante de acompanhar um roteiro enrolado e cheio de becos sem saída. Jericó, em especial, brilha na tela com sua personalidade gentil, decidida e leal e traz um frescor sem igual com a atuação delicada, cheia de nuances e vida do ator Chella Man. Man é transgênero e surdo e, segundo ele, a oportunidade de representar corretamente um personagem com o uso da língua de sinais é uma experiência sem igual.

“Individuals with disabilities have long been misrepresented and underrepresented by all industries. Casting disabled actors/actresses for disabled roles will aid to authentically represent and deconstruct stereotypes built around our identities.” 

“Pessoas com deficiência há muito tempo são mal representadas e subrepresentradas por todas as indústrias. Escalar atores/atrizes com deficiência para estes papéis ajudará a representar e desconstruir de forma autêntica estereótipos construídos ao redor de nossas identidades.”

No fim das contas, Titãs se sai muito bem ao introduzir personagens e fazer os espectadores se sentirem imediatamente compelidos a acompanhar uma nova história para, logo em seguida, pecar em dar continuidade ao bom trabalho feito logo de cara. Com um segundo ano com mais erros do que acertos e muito potencial desperdiçado, a expectativa é que os envolvidos na produção consigam finalmente enxergar e aplicar o que fazem de melhor para construir uma terceira temporada mais coerente, que se lembre do propósito da série e, finalmente, entregue aquilo pelo qual os fãs tanto aguardam: os Titãs como uma verdadeira equipe.

This show could be great if it would just let the Titans be the Titans and do their Titans thing.”

“Essa série poderia ser ótima se apenas deixasse os Titãs serem os Titãs e fazerem suas coisas de Titãs.”