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O luto e o amor em Thor: Love & Thunder

O quarto filme titular do Deus do Trovão, Thor: Love & Thunder, o segundo dirigido pelo neozelandês Taika Waititi, segue com a exploração da temática da perda e luto mascarado pelo humor. Agora, alguns anos após os acontecimentos de Vingadores: Ultimato, Thor precisa encontrar um desfecho e um novo significado para a sua existência entre todos os sentimentos que se acumularam ao longo desses anos.

Atenção: este texto contém spoilers!

O longa abre com uma cena épica de batalha que conta com a ajuda dos Guardiões da Galáxia, grupo que Thor (Chris Hemsworth) decidiu acompanhar no desfecho do último filme em que fez aparição. Se isolando de tudo e de todos, Thor reflete sobre sua vivência e suas conquistas e perdas, e neste momento tenta honrar a vida e memória de todos que perdeu ao longo de sua jornada.

Ao descobrir uma nova ameaça, Thor retorna para a Nova Asgard não apenas para salvar o que resta de seu povo, mas para buscar ajuda para recrutar um novo exército para impedir que Gorr (Christian Bale), o Carniceiro de Deuses, aniquile todos os deuses do universo. No entanto, é possível fazer um paralelo entre a narrativa de Thor e Gorr, enquanto os dois lutam entre o luto e a descrença de sua fé no momento em que mais precisaram.

Durante toda a sua vida, Gorr teve fé em Rapu (Jonathan Brugh), o Deus do Sol, e acreditava que se mantivesse crente no deus conseguiria sobreviver em um planeta seco e sem vida. Após ver todos do seu planeta morrendo, inclusive sua filha, Gorr é o único que sobrou para encontrar e pedir misericórdia ao bondoso Rapu. O que acontece na realidade é que Gorr encontra Rapu cercado por fartura e ganância. O momento de descrença acontece quando Rapu admite que não tem intenção nenhuma de salvar seus seguidores da miséria, principalmente quando é essa miséria que lhe garante ser amado e lhe traz mais oferendas.

O processo de perceber que uma vida inteira de devoção só lhe trouxe dor e perdas deixa Gorr vulnerável para ser atraído pela temida Necroespada, a Matadora de Deuses, e é nesse momento em que ele promete acabar com todos os deuses em nome do salvamento dos devotos que morrem em nome de divindades egoístas que não possuem intenção de serem bons.

Do outro lado temos Thor que, neste momento, já viveu a perda de seu pai, Odin (Anthony Hopkins), sua mãe, Frigga (Rene Russo), seu irmão Loki (Tom Hiddleston), o término com Jane (Natalie Portman), a destruição de Asgard, a morte de seu melhor amigo Heimdall (Idris Elba) e de metade da população universal por cinco anos nas mãos de Thanos (Josh Brolin). Todos esses momentos culminaram em um processo de depressão e luto (não muito bem vivido devido ao status de masculinidade durona do Deus do Trovão) que fez com que Thor abandonasse tudo o que ele era e deveria se tornar.

Ao retornar para Nova Asgard, Thor reencontra aquela que menos esperava: Jane. Não apenas Jane, mas Jane como Mighty Thor e junto com seu antigo martelo Mjolnir. Este momento lhe traz felicidade como nenhuma outra, a esperança de reencontrar seu grande amor e o que será que o futuro lhes aguarda. É como se, por um momento, Thor recuperasse um pouco de sua vivacidade.

Agora com Jane, Valkyrie (Tessa Thompson) e Korg (Taika Waititi) como sua equipe, eles vão de encontro ao maior dos deuses em busca de apoio para o confronto contra Gorr. Zeus (Russell Crowe), o Deus dos Deuses e Deus do Raio e Relâmpago, é o maior ídolo de Thor e ele tem a certeza de que terá o próprio ao seu lado para acabar com a ameaça de extinção de todos os deuses do universo. A realidade, no entanto, é que Zeus não está muito longe de Rapu; protegido por diversos admiradores e devotos, ele não sente medo da ameaça iminente pois sabe que milhares morreriam em seu nome e que existem outros milhares que surgirão em seus lugares.

O processo de descrença de Thor acontece nesse momento, ao perceber que seus heróis não são heróis e que ser um deus não lhe faz um herói. Isso vem acompanhado de descobrir que o motivo pelo qual Jane havia tomado o papel de Mighty Thor é que ela está morrendo de uma câncer agressivo. O paralelo entre esses dois personagens é questionado enquanto o processo de luto e descrença de Gorr lhe transforma em um vilão e o mesmo processo faz de Thor um grande herói.

Taika Waititi volta para uma segunda direção seguindo o mesmo teor humorístico de Thor: Ragnarok, porém podemos ousar dizer que este empurra ainda mais os limites do humor confortável. Enquanto esta estratégia não agradou algumas críticas e fãs, é possível ligar o crescente humor com os estágios de luto do personagem principal, onde o humor é usado como escape de um processo doloroso de negação, perdas e derrotas.

A evolução visual e narrativa dos filmes de Thor acompanham o desenvolvimento do personagem: os dois primeiros filmes são divulgados como escuros e sombrios, focando no deus que Thor deverá ser após seu pai e muito sobre a sua imaturidade de tomar este lugar, seguindo para os dois últimos filmes da franquia sendo muito coloridos, repletos de rock ‘n’ roll e mais bem-humorados enquanto Thor evolui para um personagem sem rumo e obrigado a fazer difíceis decisões com resultados ainda mais amargurados.

É até triste perceber como o humor cresce na mesma medida em que a dor de Thor se torna mais dolorosa e visível, a ponto de que este humor não funciona mais para o telespectador e, ao invés de risadas, temos o desconforto pela piada que é levada longe demais. Este recurso foi o mesmo utilizado em Thor: Ragnarok, porém a explicação para esta puxada maior no desconforto humorístico pode ser o tempo em que Love & Thunder se passa — após toda a batalha com Thanos, o “blip”, evento em que metade da população do universo retorna cinco anos mais tarde, e a morte “oficial” de Loki pelas mãos de Thanos.

Na batalha final, Thor está entre vencer Gorr e ficar ao lado de Jane enquanto ela se sacrifica para ajudá-lo. Ao mesmo tempo, vendo o sacrifício que Thor faz para estar com o seu grande amor, Gorr desiste do seu desejo maior e escolhe reviver sua filha, aquela que ele perdeu em nome do seu deus Rapu. No fim, Gorr e Thor entendem o propósito maior de tudo: o amor. Sabendo que não sobreviveria, Gorr entrega a sua filha para alguém que ele sabe que a criará bem, e é assim que Thor consegue se reconstruir aos poucos, tomando controle de sua própria vida e sobrevivência: com Love (India Rose Hemsworth).

Thor: Love & Thunder continua com o processo de disrupção da caminhada sombria e máscula das primeiras fases do Universo Cinemático da Marvel e se liberta da noção tóxica do que é um super-herói, e essas amarras estão muito conectadas com o que se espera, tradicionalmente, da imagem do Deus do Trovão. Longe de ser um filme convencional, ele é mais esperado como o desfecho de uma era, abrindo espaço para um novo mundo de possibilidades com os personagens renovados e diversificados da Marvel.

1 comentário

  1. Eu achei exatamente isso, uma transição para o personagem. Ele saindo de uma depressão profunda e ressignificando mta coisa na vida. Se engana quem pensa que deprimido chora o twmpo todo. A gente brinca, ironiza, tem um humor auto depreciativo brabo. Achei o Thor assim. Até a perda final, ele consegue aceitar de uma forma mais madura. Eu amei o filme. As pessoss não entenderam direito e ficam com a ladainha de que a Marvel perdeu a mão, qdo está fazendo o oposto, apostando no desenvolvimento dos personagens e menos na ação sem fim.

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