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Ted Lasso, segunda temporada: a saúde mental e a resistência à terapia

Na primeira temporada de Ted Lasso, disponível na Apple TV+, acompanhamos a jornada de Ted (Jason Sudeikis), um técnico de futebol americano que aceita treinar um time de futebol na Inglaterra, mesmo sem nenhuma experiência com o esporte. Em primeiro momento, ele pode parecer um idiota, alguém sem nenhuma noção da realidade e irritantemente bem-humorado, mas, no decorrer dos episódios, se torna impossível não gostar e se apaixonar pelo otimismo implacável do protagonista. Acreditando sempre no melhor das pessoas, Ted conquista os funcionários e jogadores do AFC Richmond, do mesmo modo que nos conquista.

Atenção: este texto contém spoilers!

Embora Ted Lasso seja uma comédia, questões relacionadas à saúde mental haviam aparecido na primeira temporada. No primeiro episódio da série, em uma coletiva de imprensa, sobrecarregado pelo fuso horário e pelas diversas perguntas sobre sua competência (ou a falta dela) para assumir o time de futebol, Ted tem uma crise de ansiedade. É uma sequência curta, na qual um toque agudo se arrasta na cena, enquanto as mãos do personagem começam a se contorcer sob a mesa. No final dessa temporada, em uma cena que não havia nenhuma negatividade envolvida, o personagem tem um ataque de pânico desencadeado por uma versão karaokê de “Let It Go”. Para ele, a música atuou como um lembrete de que ele estava postergando a assinatura dos papéis de seu divórcio, fato esse que era inevitável.

A segunda temporada, nesse cenário, investiga a figura do técnico, seus conflitos e traumas, mas sem perder o entusiasmo constante do personagem em relação ao mundo. Em outras palavras, Ted vai perceber que não pode fugir de si mesmo. Nesse contexto, a temporada começa com a trágica morte do mascote do time, fato que leva a contratação da terapeuta esportiva Dra. Sharon (Sarah Niles). Ted, a princípio, tem suas reservas em relação a “Doc”. Ele é cético em relação à terapia e demonstra ter ciúme da relação que a terapeuta cria com os jogadores, visto que ele gostava de ser procurado pelos integrantes do time para aconselhá-los. Assim, Lasso é firme na sua recusa em participar de uma sessão de terapia. Mas, quando sua ansiedade piora, ele finalmente pede ajuda.

A terapia consiste em olhar para si mesmo e processar emoções desconfortáveis em um espaço seguro. Infelizmente, muito do comportamento de Ted vai contra essa ideia, uma vez que o personagem tende a passar por cima de experiências ruins e enxergar a positividade em tudo. Nesse sentido, embora Ted tenha decidido fazer terapia, ele não consegue, inicialmente, conversar com Sharon. Na primeira sessão, ele sai praticamente de forma imediata. Já no segundo encontro, o personagem critica o caráter e o trabalho da doutora, citando que os terapeutas só se importam com seus pacientes porque são pagos para fazê-lo. Esse comportamento, um tanto inesperado do personagem, reflete a desconfiança e resistência dele, assim como de muitas pessoas, em receber ajuda psicoterápica e, desta forma, descortinar certos conflitos e questões.

Nos últimos anos muitas produções têm abordado personagens que precisam cuidar da saúde mental, promovendo, assim, uma ruptura de estigmas associados a problemas de origem psicológica, como em Crazy Ex-Girlfriend e One Day at Time. Ted Lasso abre os olhos de sua audiência para como a terapia auxilia qualquer pessoa que deseja ter uma melhor relação consigo mesmo e com outras pessoas ao seu redor. E esse processo auxilia na busca pela melhor maneira de enfrentar dificuldades e até mesmo na compreensão e acolhimento daquilo que não pode ser alterado, dado que não depende apenas da pessoa.

Com o caminhar da temporada, ao estabelecer uma relação de confiança com Sharon, Ted confessa que seu pai se suicidou quando ele tinha 16 anos, sendo esse o gatilho para os ataques de pânico do personagem. Foi Ted que encontrou o corpo de seu pai depois que ele tirou a própria vida, ligou para a polícia e avisou a mãe sobre o que tinha acontecido. Desde então, ele não entende a razão que fizeram seu pai “desistir” de si mesmo e da família, além de achar que poderia ter sido mais amoroso com ele. Assim, depois do suicídio do pai, Ted passou a sempre se preocupar com os outros e colocar-se a disposição de todos, independentemente de quem seja, mesmo que estivesse vivendo um momento difícil.

Outros personagens da série também possuem questões familiares e emocionais mal resolvidas. Rebecca (Hannah Waddingham), a dona do time, precisa lidar com seus sentimentos em relação ao pai após a morte dele. Quando jovem, ela pegou seu pai traindo sua mãe, o que a fez odiá-lo. Jamie (Phil Dunster), uma das estrelas do time, tem uma relação tensa com seu pai abusivo. Ambos conseguem administrar seus conflitos, diferentemente de Nate (Nick Mohammed), também treinador do Richmond, que projeta os problemas com seu pai e outros traumas em seus relacionamentos com os integrantes do time.

De volta a Ted, ele consegue, com o passar das conversas com a Dra. Sharon, fazer as pazes com o passado. Mas, infelizmente, seus ataques de pânico são expostos na imprensa. Ele, então, se abre e conversa sobre saúde mental com os jogadores, desculpando-se por não ter falado com eles anteriormente. Em uma coletiva de imprensa, após conseguir subir de divisão com sua equipe, ele ressalta a importância de um diálogo sobre saúde mental no esporte.

“Quero dividir com vocês a verdade sobre minhas dificuldades com ansiedade. E a minha preocupação geral com o modo como discutimos e lidamos com saúde mental nos esportes.”

Em um cenário repleto de pressão, exaustivas horas de treino, disciplina rígida e cobranças altíssimas, cada vez mais atletas têm declarado ter questões de saúde mental, tal qual a tenista Naomi Osaka e a ginasta Simone Biles. Com a discussão de saúde mental ecoando em seus episódios, a produção promove importantes reflexões sobre como eventos singulares nos marcam de uma forma que muitas vezes não temos a dimensão. Assim, histórias como a de Ted Lasso são necessárias pois mostram que lideranças, como técnicos e jogadores de futebol, também são vulneráveis, e é necessário que se fale sobre isso.