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Sharpay Evans nunca foi uma vilã

Em setembro de 2019, 11 anos após o lançamento do terceiro filme de High School Musical (e último com o elenco original), o Twitter estava em polvorosa trazendo Sharpay Evans de volta aos holofotes. Na ocasião, Ashley Tisdale, atriz que deu vida à icônica patricinha da franquia, fez um tweet polêmico que acendeu ainda mais a discussão sobre a verdadeira índole de sua personagem.

Na publicação, Ashley cita o seguinte tweet: “Papo sério já que ‘Sharpay’ está nos trends: Sharpay não era minha personagem favorita quando eu crescia. Mas desde que eu virei um estudante de teatro no ensino médio e agora trabalho meio período como técnico de um teatro… Sim, Sharpay não tinha nada além de amor e paixão pelo musical, e eu a respeito por isso”, e comenta ainda que “Sharpay estava perseguindo seu sonho, Troy e Gabriella estavam perseguindo um ao outro”.

Sharpay sempre gostou de ser o centro das atenções. Ela e Ryan (Lucas Grabeel), seu irmão gêmeo, eram de uma família rica e faziam parte da elite da cidade onde moravam. Apaixonada por artes cênicas, ela sonhava em ser uma atriz glamourosa, e se esforçara desde pequena para alcançar esse objetivo. Como co-diretora do Clube de Arte Dramática do East High School, ela escrevia, dirigia e estrelava a maioria das peças da escola, e se orgulhava de todo o seu empenho (que de fato, era louvável).

Por sempre ter tudo o que desejou, Sharpay ficava facilmente irritadiça ao ser contrariada ou se deparar com algo que não era de seu agrado. Por conta disso, muitas vezes era rude com os colegas sem um motivo plausível, o que fazia muitas pessoas (personagens e espectadores) a odiarem. Na época do lançamento dos filmes da franquia High School Musical, todos os olhos estavam voltados para o casal Troy (Zac Efron) e Gabriella (Vanessa Hudgens) e, consequentemente, Sharpay se tornou uma vilã por ser contra esse relacionamento e se zangar quando o casal conseguiu os papéis principais no musical da escola.

Quando Gabriella Montez, uma garota bonita, inteligente, simpática e sem tanto poder aquisitivo quanto ela, entrou na escola, Sharpay teve seu palco e holofote roubados quase que instantaneamente. Além disso, Troy Bolton, seu interesse romântico, foi fisgado pela aluna nova. Troy, que estava passando por uma turbulência de sentimentos no ensino médio, não sabia se deveria permanecer no time de basquete ou migrar para o teatro, e tentou equilibrar as duas coisas. Gabriella, sentindo que precisava se aproximar do amado, também decidiu ingressar no Clube de Arte Dramática.

Acontece que, mesmo inexperientes, ambos conseguem os papéis principais da peça em andamento, roubando a interpretação que certamente seria de Sharpay. A perfeita fórmula de um filme de romance, certo? Bem, não exatamente. Se sairmos da ótica do romance adolescente e avaliarmos todo o conjunto da obra, veremos que as coisas não são tão lindas quanto parecem. Seria hipocrisia continuar julgando Sharpay por seus sentimentos e atitudes  frente a toda a trama de Troy e Gabriella. Sim, os dois deram um incrível golpe de sorte ao conseguirem os papéis principais, mas quando foi que decidimos apagar da mente o fato de eles sempre estarem atrasados para os ensaios e não respeitarem os figurinos que lhe eram impostos? Troy e Gabriella irritariam qualquer pessoa com suas atitudes irresponsáveis, principalmente se fossem claramente despreparados e ainda assim conseguissem papéis para o qual essa pessoa se dedicara a vida inteira.

Isso não quer dizer que a injustiça sofrida por Sharpay justifique suas atitudes grosseiras e rudes. Aqui chegamos ao ponto chave dessa argumentação: ela nunca foi a vilã, mas também nunca foi a mocinha, era apenas um ser humano comum. Nenhuma pessoa é totalmente boa ou totalmente má, e essa é a essência que finalmente captamos na — agora queridíssima — presidente do Clube do Drama. Sim, Sharpay Evans cresceu tendo tudo o que quis e um pouco mais, sempre foi uma menina muito mimada e seu ar de superioridade fazia dela uma pessoa esnobe.

Contudo, é preciso lembrar que ela era uma adolescente apaixonada, que viu seu interesse romântico correr para os braços da garota nova e teatralmente inexperiente que conquistou seu papel, e precisou assistir às irresponsabilidades do novo casal todos os dias. Você precisaria ser muito espiritualmente evoluído para não ter uma reação como a dela se passasse por essa situação. Vale destacar, também, que esse texto não tem a intenção de pintar Troy e Gabriella como os vilões da franquia, muito pelo contrário. Eles também eram só dois adolescentes que tiveram muita sorte por conseguirem alcançar seus objetivos momentâneos com tanta facilidade e viver uma história de amor linda (ao menos para eles). High School Musical é uma franquia de filmes que não tem heróis ou vilões, apenas personagens com personalidades e objetivos diferentes.

Provavelmente Sharpay foi tachada como vilã durante tanto tempo por conta do estereótipo da patricinha. Sim, ela era arrogante e orgulhosa, mas isso não fazia dela a pior pessoa do mundo. Naquela época, nosso julgamento era baseado em uma fórmula simples: beleza + dinheiro + ambição = personagem odiado. Contudo, essa fórmula não faz sentido, principalmente considerando a evolução da personagem.

Felizmente, Sharpay teve sua redenção em 2011, quando foi protagonista do longa A Fabulosa Aventura de Sharpay. Depois de três longos anos, ela finalmente se tornou a protagonista de sua própria história e pôde mostrar aos espectadores que não era o monstro que eles achavam. E o melhor de tudo foi que, para se tornar a mocinha, ela não precisou perder sua essência, e ainda ganhou de brinde a afeição do público que tanto a criticava. Provavelmente a maioria de nós, que assistiu High School Musical na época do lançamento, era imaturo demais para compreendermos o ponto de vista da antagonista de Gabriella. Ambição, dedicação e frustração nunca foram defeitos, são apenas características próprias que, se tratando não apenas de Sharpay Evans, mas de todos nós, não nos tornam vilões de nenhuma história.

Bianca Smiderle Lemos é jornalista em formação, apaixonada por cultura pop e viciada em dar pitaco em tudo desde criança. Aquela totalmente de humanas que pode dar uma palestra sobre qualquer assunto, mas se assusta com um cálculo simples de matemática básica.