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Salmo para um robô peregrino e as filosofias de Becky Chamebrs

Depois da tempestade, o arco-íris; e depois das distopias, uma utopia. Em A Psalm for the Wild-Built (publicado no Brasil pela Morro Branco como Salmo para Um Robô Peregrino), Becky Chambers nos apresenta a um futuro pós-distópico, com uma sociedade que prioriza uma existência humana em harmonia com a natureza.

Décadas antes dessa realidade utópica, a humanidade passava por mais uma revolução industrial. E a força de trabalho era formada por robôs instalados em diferentes setores. Com os avanços tecnológicos, os seres robóticos ganharam consciência e decidiram se separar da humanidade que os escravizava. Assim, os robôs se organizam enquanto classe e fogem para áreas selvagens preservadas para longe dos humanos.

Muitos anos se passaram desde a fuga dos robôs e os humanos finalmente aprenderam a viver em harmonia consigo e com a Terra. No entanto, nenhum robô retornou para a sociedade humana.

Monge e o Robô

Neste contexto, conhecemos Dex, monge do chá de identidade não-binária, que ainda jovem deixa a cidade grande em busca de paz e completude no campo. Por anos, elu atua como ouvinte das cidades que visita, oferecendo conselhos e chás para elucidar a mente de quem precisa de ajuda. No entanto, o desafio interior de Dex não pode ser solucionado por nenhum chá e, infelizmente, nem mesmo pelas adoráveis conexões estabelecidas em seu trabalho servem de acalento. Mesmo quando tudo está bem, algo não está, e são os sentimentos de inquietude e incompletude que levam Dex a fugir de seu dever e adentrar a selva em busca de um antigo membro de sua ordem monástica.

A jornada solitária era uma oportunidade perfeita de autodescoberta e busca profunda pela paz interior. Mas o que acontece quando a viagem deixa de ser solitária?

Salmo para Um Robô Peregrino

Em sua jornada, Dex é acompanhade pelo inimaginável: um robô selvagem que atende pelo nome de Mosscap, e que está em uma jornada filosófica para responder a pergunta “do que os seres humanos precisam?”. Assim, Mosscap se oferece para guiar Dex até seu destino em troca de diálogos sobre a experiência humana. A partir daí, ambos protagonistas aproveitam a situação para conhecer mais de si mesmos, do outro e do mundo que os cerca.

Colocando o Salmo em caixas

A nova obra de Becky Chambers é o primeiro volume de sua nova série, Monge e o Robô, e foi classificada por leitores e no meio editorial de diferentes formas, como solar punk e soft sci-fi, por exemplo.

O solar punk é definido como um movimento artístico e literário que coloca em perspectivas as possibilidades de futuros sustentáveis após a queda do capitalismo. Nesses cenários otimistas, temos histórias e imagens que contemplam e exaltam a harmonia entre natureza e comunidade, matrizes energéticas renováveis, diferentes propostas de contraculturas e pensamentos decoloniais.

Já o soft sci-fi é uma subcategoria da ficção científica que enfatiza e destaca as ciências humanas em suas narrativas. Histórias nesta categoria podem ainda priorizar fatores emocionais dos personagens, desconsiderando ou não o rigor das ciências exatas para descrever os acontecimentos narrados.

Um livro de humanas

É seguro dizer que Salmo para Um Robô Peregrino se encaixa bem em ambos os sub-gêneros, afinal, a obra de Chambers apresenta uma realidade ensolarada e harmônica, sem deixar de lado as contemplações filosóficas acerca da existência humana, mantendo as relações entre os personagens como a força motriz da narrativa. Inclusive, alguns leitores e críticos pontuaram em suas resenhas que o foco nas humanidades pode ser um ponto negativo na narrativa, pois a obra é centralizada nos personagens e não há um enredo claro e bem-definido como fio condutor de Salmo.

No entanto, quem acompanha Becky Chambers há mais tempo, como na série Wayfarers, sabe que essa é uma marca registrada da autora, que brilha em narrativas centradas nas dinâmicas humanas. As histórias de Chambers têm foco nos sentimentos, especialmente nos diálogos internos, angústias e alegrias de seus personagens. E também nas relações criadas entre seus protagonistas com os mais diversos seres, sejam outros humanos, alienígenas ou robôs.

Precisamos de tempo

Apesar da decepção com a ausência de um plot definido ser compreensível, a grandiosidade de Salmo para Um Robô Peregrino surge justamente por se desprender dos formatos tradicionais e mais comerciais das ficções especulativas. O destaque da obra é justamente o que há de mais comum e, ao mesmo tempo, mais individual dentro de todos nós: nossos pensamentos e reflexões sobre as grandes questões existenciais, o espiritual e o material, e também sobre os detalhes do cotidiano.

Para além disso, especiar os diálogos entre Dex e Mosscap nos permite respirar fundo. E, com eles, criamos uma pausa necessária em meio ao caos em que vivemos. Finalmente podemos contemplar uma tranquilidade e simplicidade que nos conforta e acalenta. Como a autora diz em sua dedicatória, Salmo para Um Robô Peregrino é “para quem precisa de um tempo”. E talvez, justamente por isso, é um livro para ler com brilho nos olhos.


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