Categorias: LITERATURA

Palavras que Aprendi com a Chuva: uma trama sobre resiliência e recomeços

No Japão de 1948, uma menina de oito anos é deixada no portão de uma enorme propriedade em Quioto. Antes de entrar no carro e partir, sua mãe deixa uma última lição: “É bom para uma mulher aprender o silêncio. Se uma mulher souber apenas uma coisa, ela deve saber como ficar em silêncio.” Por muito anos, após o abandono de sua mãe, essa foi a lição que Nori carregou consigo, seguindo palavra por palavra, independente da situação. Nori não questionou quando sua avó a confinou ao sótão da mansão em que viviam e muito menos quando foi obrigada a tomar banho com produtos químicos cuja promessa é clarear sua pele. Nori simplesmente permaneceu obedientemente em silêncio.

Filha ilegítima de uma nobre japonesa e um soldado estadunidense negro, Nori sempre se considerou uma pária entre os seus. Ainda que seus avós a tenham mantido na grande mansão em que viviam, não o fizeram por consideração à menina — o intuito dos Kamiza, nobre família japonesa, era apenas o de esconder Nori dos olhos dos demais, receosos do que poderiam pensar de uma garotinha de pele escura, desesperados para manter as aparências em um Japão que passava por inúmeras mudanças após a Segunda Guerra Mundial. Os velhos costumes não pareciam importar tanto para os mais jovens, mas os avós de Nori prezavam por sua linhagem nobre e antiga, considerando a neta bastarda uma mácula em sua história. Sendo assim, a menina nada questionava e se mantinha em silêncio diante dos abusos e negligências sofridas, até a chegada de Akira, seu meio-irmão mais velho, na mansão em Quioto.

Essa é a premissa de Palavras que Aprendi com a Chuva, romance de estreia de Asha Lemmie publicado no Brasil pela Darkside Books com tradução de Nina Rizzi. Abordando temas que vão desde a busca pela própria identidade, a pertencimento e racismo, a narrativa de Asha Lemmie retrata com muita sensibilidade e delicadeza as dificuldades enfrentadas por Nori durante toda a vida, mostrando como a pequena e amedrontada menina se transformou em uma mulher dona de seu próprio destino. Na infância, Nori aceita sua vida solitária, restrita ao seu quarto enquanto tenta sufocar sua curiosidade a respeito do que há no mundo para além dos muros da mansão dos avós. A chegada de Akira desperta em Nori ainda mais curiosidade e, aos poucos, os dois começam a desenvolver uma amizade pautada na cumplicidade e no amor fraternal.

Mais velho do que Nori, Akira não demonstra ter muita paciência para a menina, mas ele se deixa envolver pela delicadeza e vulnerabilidade dela enquanto a ajuda a descobrir quem verdadeiramente é e a lidar com os traumas deixados pelo abandono da mãe e os abusos dos avós. Os irmãos formam um laço inesperado e indestrutível que os guiará por toda a vida, mas que seus avós não estão dispostos a deixar perseverar. Mas, agora que Nori teve um vislumbre do que é ser amada e pertencer, ela fará o possível para permanecer na luz que irradia de Akira. Com uma narrativa que se move através dos anos e por diferentes continentes, Palavras que Aprendi com a Chuva é um livro delicado que retrata as dores de se sentir, e ser, pária em um mundo que não foi feito para ser gentil com o diferente, mas mostra, também, como é possível encontrar no outro a paz necessária para florescer.

“Ah, minha querida menina. Você não pode fugir do amor para sempre. Porque você é o amor encarnado, e ele nunca vai parar de tentar te encontrar.”

Ainda que o livro tenha inúmeros pontos positivos e a narrativa de Asha Lemmie seja encantadora, te prendendo página após página, há de se perguntar quanto sofrimento é necessário em apenas um livro — ou, ainda, se esse seria apenas um caso da glorificação do sofrimento de uma mulher. Palavras que Aprendi com a Chuva é belamente escrito, mas a maior parte do livro é Nori sofrendo as mais terríveis provações — e isso pode ser gatilho para alguns leitores, visto que o livro trata de racismo, abusos físicos e psicológicos, entre outros. É uma sensação difícil de explicar e enquanto lia Palavras que Aprendi com a Chuva foi inevitável lembrar de Uma Vida Pequena, de Hanya Yanagihara, um livro doloroso do início ao fim. Mas enquanto em Uma Vida Pequena havia uma catarse final, Palavras que Aprendi com a Chuva nos entrega Nori no controle de sua narrativa, sim, mas fazendo uma escolha que não conversa com todo o crescimento da personagem que acompanhamos da infância até a vida adulta. A escrita de Asha Lemmie é cativante e hipnotizante, e há belas descrições que te fazem imaginar com riqueza de detalhes a ambientação do livro, mas a conclusão da jornada de Nori vai na contramão de tudo o que a protagonista se mostrava ser até então.

Palavras que Aprendi com a Chuva é um triste conto sobre uma menina que não se encaixa, mas deseja com todas as suas forças pertencer. É uma trama sobre laços fraternos e como o amor, o carinho e o cuidado são fontes importantes de poder e resiliência. Ainda que o final da narrativa deixe um gostinho amargo na boca, Asha Lemmie completa um círculo com a vida de Nori Kamiza. A menina que foi abandonada pela mãe, aos oito anos de idade, no portão dos avós abusivos, construiu uma vida para si mesma e é capaz de comandar o próprio destino. Ela não mais tenta clarear sua pele por medo e obediência, mas se aceita como é. Amarrada pelas circunstâncias de seu nascimento, mesmo mantendo o silêncio, Nori nunca se curvou.

“Talvez o Japão fosse mais do que a Quioto de sua avó. Talvez fosse como uma tapeçaria de muitas cores, e ela pudesse encontrar um lugar para si, afinal.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.


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