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Banda Eva Ao Vivo 1997 nos ensinou a sorrir

Já faz vinte anos. Fernando Henrique Cardoso era o presidente. A economia estava apenas ok após alguns anos de Plano Real. Fazia cinco anos que o país não via um impeachment. Conhecíamos canções de única poesia como “Proibida pra Mim”, “Quero te Encontrar” e “Heloísa, Mexe a Cadeira”. O seriado Friends estava em sua quarta temporada. Mas nada parecia suficiente.

Entre festas de gala em que as famosas usavam vestidos de veludo molhado e programas dominicais de TV aberta em que mulheres seminuas caçavam sabonetes em banheiras às três da tarde, foi lançado um ouro da música brasileira que, finalmente, ensinou o brasileiro a sorrir: Banda Eva ao Vivo 1997. Junto com o álbum nos foi apresentada mais profundamente Ivete Sangalo. A gente não fazia ideia de que aquela moça alegre e de belas pernas viria a ser um ícone cultural capaz de concorrer toda santa vez ao Melhores do Ano do Faustão sem nem ter emplacado uma única canção nos últimos 365 dias. Na nossa reles inocência, jamais imaginamos que aquele seria o CD (gosto do termo CD) mais feliz que a cultura brasileira experimentaria nos próximos vinte anos (quiçá em toda história).

Este não foi o primeiro álbum da história do Eva. Antes do Ao Vivo, a banda já tinha lançado outros quatro discos de estúdio com bom posicionamento de vendas principalmente na Bahia. Mas foi somente com o CD de 1997 que Ivete e companhia conheceram os recordes de vendas, batendo o número de dois milhões de cópias comercializadas.

Por que Banda Eva 1997 é o álbum mais feliz da música brasileira?

Os números são claros: o disco tem quatorze faixas, onze delas são explicitamente felizes e duas das que não são claramente felizes parecem felizes porque têm um ritmo alegre — tal qual o fenômeno observado na melancólica/festiva “Gostava Tanto de Você”, do Tim Maia.

O axé puro e simples, com elementos do samba, do reggae, instrumentos de candomblé e alguns sons de guitarra coroando a mistura, já coloca Banda Eva Ao Vivo 1997 no páreo do prêmio Bora Ser Feliz Música Brasileira™. Essa música tipicamente baiana foi por anos a maior responsável por agitar o carnaval de trios elétricos brasileiros e nos fez ter momentos de total descontrole indo de um lado pro outro em cordas do caranguejo sem nenhuma razão de ser, além de inúmeros “jogue a mãozinha pra cima, bate na palma da mão” em situações de êxtase coletivo. Foram essas canções, que ganharam prestígio principalmente nos anos 1980, que fizeram mulheres e homens do Brasil customizarem abadás e depois exporem-se ao constrangimento de perambular por academias de ginástica trajando tais tecidos só pra não perder a roupa mesmo.

Hoje, não se faz axé (e muito menos alegria) como antes. Ultrapassado pelo arrocha, sertanejo e funk nos carnavais brasileiros, o ritmo está em crise e não emplaca um hit sequer há anos. As esperanças de um álbum tão feliz como o lançado pelo Eva no saudoso 1997 se veem a cada dia mais distantes, fazendo com que nos apeguemos cada vez mais ao CD, que sobreviveu aos anos ou mesmo ao streaming das faixas que falam de amor e festa no Spotify.

Um álbum que já começa transmitindo uma mensagem de vulnerabilidade não tem como ser ruim. A primeira faixa cantada por Ivete já fala pra gente simplesmente “Mandar Ver”, mas como? A solução é “amar e permitir” porque “meu bem, o que passou, passou”. Que ensinamento! Será que se a gente tivesse ouvido o Eva duas vezes por semana nos últimos vinte anos estaríamos precisando de tanto textão de autoajuda na internet?

A faixa seguinte, “Levada Louca”, é uma aula de história, geografia e sociologia. Banda Eva profere termos pouco comuns para o leigo morador do sudeste brasileiro centralizado em uma cultura brancocêntrica. O que diabos é festa no Candeal, batuque no canjerê? Por que a Ivete vai levar o timbal pra tocar samba pra mim? Por que o xequerê está chacoalhando? Tratam-se de novos conhecimentos e quem não é feliz conhecendo nomes de instrumentos musicais, agrupamentos de pessoas e municípios baianos, não é mesmo?!

Já permeados por conhecimentos que ajudarão ainda mais na experiência transcendental que é apreciar tal álbum, chegamos a um dos momentos centrais de Banda Eva 1997: “Beleza Rara”. Analisando friamente, poderíamos até nos preocupar com a saúde psicológica do narrador da canção. De certa forma, o autor coloca toda a felicidade de sua vida nas mãos de seu objeto de desejo que é “quem manda e desmanda nesse coração que só bate em razão de te amar”, deixando claro que só é feliz e canta porque ama, amor, você. Isso é normal? Tenho minhas ressalvas, mas proponho deixar passar porque a letra é composta no contexto de anos 1990, uma época muito estranha em que ninguém parecia se importar em analisar nada e porque “mil voltas e voltas que dei/ querendo de uma vez encontrar/ alguém igual a você, beleza rara”.

Quem está em clima de romance ou não pode evitar ser constantemente sentimental demais se sente representado também pelas faixas 4, 5, 6, 8, 9 e 12 do álbum (ou seja, quase a metade das músicas). “Alô Paixão”, “Vem Meu Amor”, “Leva Eu”, “Arerê”, “Me Abraça” e “Miragem” falam de amores felizes e romances que nada mais querem além de bailar com seu objeto de desejo. Ivete Sangalo e cia não se fazem de rogados, se entregam pros amores, pedem abraços e beijos, convidam a pessoa amada pra dançar no Pelô e querem curtir o carnaval, mas levando o mozão a tira colo.

“Ô leva eu, leva também o meu amor, e vamos juntos na avenida. É carnaval em Salvador”

Depois de lições de amor, alegria, vulnerabilidade e maneiras de lidar com términos, a experiência chega a seu ponto de êxtase na faixa 13: “Eva”, a ainda queridinha dos blocos carnavalescos de todo país. Para o choque de muitos, a música nem é originalmente do grupo baiano e foi gravada pela primeira vez em forma de rock pelo Rádio Taxi na década de 1980. Sorte a nossa que banda e canção homônimas tiveram um casamento tão bonito. Nada mais gostoso que evocar a tal da pequena Eva sob o ritmo do axé interpretado por Ivete e ritmado com a cara do Brasil. Não há voz que não se eleve a esse refrão.

Todo o álbum é uma lição de amor, de boas energias, de companheirismo e do mais puro e inocente carnaval. Não existe coração que não se aqueça com essas canções de fé nos sentimentos — e por que não dizer? —, na humanidade. O disco fala sobre o sorriso que a gente precisa ter no rosto pra enfrentar essa barra que é viver. É por isso que Banda Eva Ao Vivo 1997 é o álbum mais feliz já lançado no Brasil.


** A arte do topo do texto é de autoria da nossa colaboradora Carol Nazatto. Para conhecer melhor seu trabalho, clique aqui!