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O amarelo de dodie

Dorothy Miranda Clark, ou apenas dodie (sim, com “d” minúsculo), é uma youtuber, escritora, compositora e cantora inglesa. Sua trajetória pública começou em 2007, com a publicação de vídeos no YouTube ao lado de sua amiga, Alice Webb. Em 2011, a jovem criou o que hoje é o seu principal canal, o doddleoddle, que atualmente conta com 1,8 milhões de inscritos. Além dele, dodie também possui uma conta oficial VEVO e um canal secundário, o doddlevloggle.

Nesses 12 anos compartilhando suas experiências na internet, dodie conquistou fãs por meio de seus vlogs, covers e músicas autorais. A garota que filmava desabafos em seu quarto e tocava em um ukulele suas canções favoritas passou a publicar suas próprias composições. Logo o talento somado ao sucesso nas mídias sociais firmou um caminho relativamente comum para os jovens cantores da última década. Em 2014, e já fazendo um certo barulho com seu canal, dodie estreou no mundo das turnês musicais ao lado de Bry, seu colega youtuber/cantor, em sua turnê no Reino Unido e também na Austrália e Nova Zelândia em 2015. Nesse mesmo ano e em 2016, ela também acompanhou sua amiga Tessa Violet e os cantores Jon Cozart e Rusty Clanton em outros shows.

Em 2016, dodie lançou o seu primeiro EP, o Intertwined, com singles como “Sick of Losing Soulmates” e “When”. Em 2017, You, seu segundo compilado, foi sucesso instantâneo ao alcançar o sexto lugar na UK Official Charts e o segundo lugar no primeiro mês no Billboard Indie Charts. dodie abriu 2019 com o lançamento do seu mais novo EP, Human, que tem como singles a canção que dá nome ao álbum e “Monster”. Em maio, ela lançou o seu mais novo trabalho, “Guiltless”, uma música que nem dodie consegue explicar o seu significado, mas envolve temas como ressentimento e perdão.

Temas como amor (próprio e por outros) e saúde mental são comuns nas composições e nos vídeos da cantora e youtuber, muito conhecida pelo oversharing nas redes sociais. Sem medo de ser vulnerável, ou melhor, com coragem o bastante para se expor, essas pautas recorrentes nas produções de dodie dizem muito de sua vida e da missão que carrega consigo: a de compartilhar o bom, o ruim, o belo e o feio, e dialogar com o seu público sobre assuntos que assombram sua geração.

dodie e o seu segredo para os loucos

A doença mental não é bonita e não é fácil ou simples. Você não pode colocar um dedo nele. É diferente, pessoal e feio. […] Não é uma garota bonitinha sentada em um canto e chorando. É muito mais complexo e nada agradável.”dodie

Em 2016, dodie lançou um vídeo intitulado depressão, ansiedade e despersonalização, onde ela se abre sobre a sua saúde mental ao ler mensagens que ela mesma havia enviado para seus amigos descrevendo o que ela estava sentindo nos últimos anos: “Eu não me sinto presente desde os meus 17 anos”, comentou. Desde então, dodie tem usado cada vez mais a internet para compartilhar seus sentimentos, seja em formato de vídeo, em uma canção ou em uma legenda em seu Instagram.

Em “When”, single de seu primeiro EP, a artista também fala da trajetória lidando com seus transtornos, principalmente o de despersonalização. Ela canta: “Am I the only one/ Wishing life away?/ Never caught up in the moment/ Busy begging the past to stay/ Memories painted with much brighter ink/ They tell me I loved, teach me how to think” [“Eu sou a única/ desejando uma vida fora?/ Nunca presente no momento/ Ocupada implorando que o passado fique/ Memórias pintadas com uma tinta mais brilhante/ Elas dizem que eu amei, me ensinam a pensar”]. Em sua apresentação na VidCon 2017, dodie comentou: “[When] é sobre não estar no momento presente ou em nenhum momento. Eu luto muito por ser feliz no tempo em que estou. Procuro felicidade ao meu redor, então escrevi uma música sobre isso”.

A ansiedade social enfrentada por dodie também é pauta em outra de suas canções. Em “6/10”, single do EP You, ela diz: “Can you see the panic inside?/ I’m making you uneasy, aren’t I?/ What goes on behind the words?/ Is there pity for the plain girl?/ I’ll close my mouth, I won’t say a word/ A nod of pity for the plain girl” [“Você consegue ver o pânico aqui dentro?/ Estou deixando você desconfortável, não estou?/ O que se passa por trás das palavras?/ É pena da garota comum?/ Fecho a boca, não digo uma palavra/ Um aceno de pena pela garota comum”]. Em vídeo, a cantora explica que essa música “é sobre não sentir o suficiente. 6 de 10 é agridoce, é mediano, bom, mas não é nada especial. É também sobre ansiedade social e se sentir como um fardo”.

“Secret for the Mad”, mais uma das composições originais da cantora, é um abraço em forma de música, escrita por dodie para uma amiga. A canção diz respeito às pequenas coisas que podem ajudar nos dias difíceis, e nos lembra que vale a pena esperar o amanhã: “Little things, all the stereotypes/ They’re gonna help you get through this one night/ And there will be a day/ When you can say you’re okay and mean it/ I promise you it’ll all make sense again” [“Pequenas coisas, todos os estereótipos/ Eles vão ajudar você a passar por essa noite/ E haverá um dia/ Em que você vai dizer que está bem e estará dizendo a verdade/ Prometo que tudo fará sentido novamente”].

Em seu último EP, dodie se abre sobre a pressão de ser perfeita na internet e sempre entregar aos seus seguidores algo melhor do que o que foi entregue anteriormente. Na canção “Burned Out” existem dois lados da cantora: a personalidade da internet e a pessoa por trás das câmeras, representando o lado otimista e grato por todos os seus fãs, e o pessimista, que acha que não consegue viver nesse pedestal. Ao cantar “Oh, how fitting for one so fake/ Make me a fairy, whatever it takes/ And just like her tale, my dream was a scam/ You waited, smiling, for this?” [“Oh, que adequado para alguém tão falso/ Faça de mim uma fada, o que for preciso/ E, assim como a história dela, meu sonho era uma farsa/ Você esperou, sorrindo, por isso?”], a artista debate sobre a sua própria imagem on-line, enfrentando ela mesma a síndrome da impostora.

As lições de vida segundo dodie

A saúde mental não é a única pauta de dodie, que também escreve sobre seus relacionamentos e a influência de outras pessoas em sua vida. Foi assim que ela iniciou sua carreira, ao lançar o single Sick of Losing Soulmates, onde canta sobre tentar continuar amiga de alguém após o fim do relacionamento. Nesse viés, em maio de 2016, dodie publicou um vídeo falando sobre a sua sexualidade e a trajetória que a levou a se descobrir e se identificar como bissexual. Em junho do mesmo ano, ela lançou uma música com a mesma temática, intitulada “Eu sou bixessual – uma música para sair do armário”. Meses depois, naquele mesmo ano, foi ao ar o vídeo da música She, cuja versão de estúdio saiu apenas em 2019, no EP mais recente de dodie. Segundo ela, a canção é sobre a sua primeira paixão por uma menina, logo após a descoberta de sua sexualidade. Na canção, somos apresentadas a esse novo sentimento descoberto por dodie, o que é um tanto emocionante. Porém, ao longo da canção percebermos que o sentimento não é correspondido.

Tentando alcançar um sentimento mais cru e orgânico, a faixa Human traz a fascinação e o desejo de conexão profunda com outra pessoa envolvida em uma camada de beleza. No refrão, é possível perceber com clareza: “Paint me in trust/ I’ll be your best friend/ Call me the one/ This night just can’t end” [“Me pinte em confiança/ Eu vou ser sua melhor amiga/ Me chama de a única/ Essa noite não pode acabar”]. Em seu Instagram, na publicação de lançamento do clipe do single, dodie explica que gostaria de construir algo especial com a canção, quebrando um lado humano emocional de sua casca e mostrando as partes não tão bonitas que ficam muitas vezes escondidas.

Mesmo nas canções românticas, ainda há espaço para dodie se expressar sobre a sua saúde mental e como ela afeta seus relacionamentos. É na música “Intertwined” que dodie canta: “Oh, I’m afraid of the things in my brain/ But we can stay here/ And laugh away the fear” [“Oh, eu tenho medo das coisas em meu cérebro/ Mas nós podemos ficar aqui/ E rir até o medo ir”]. Na mesma canção, dodie expõe o desejo e a esperança de que a pessoa que a acompanhou em momentos vulneráveis seja “a” pessoa, e que esse alguém não se importe com o seu lado “feio” e não a machuque.

“If I’m Being Honest”, por sua vez, “é sobre ter uma paquera e então se transformar em uma bagunça e se perguntar se essa pessoa vai gostar dessa bagunça”. Nessa composição, dodie também reflete sobre como os sentimento dos outros afeta a imagem que ela tem de si mesma: “I was told this is where I would start loving myself/ Flirting’s delicious, proved to be beneficial for mental health/ All of my best bits pulled forward, collected, displayed/ Sadly, I just think that I was disgusting today” [“Me disseram que era aqui que eu começaria a me amar/ É delicioso flertar, é provado que é bom para a saúde mental/ Todas as minhas melhores partes puxadas, coletadas e exibidas/ Infelizmente, eu apenas acho que eu estava repugnante hoje”].

Sem culpa

O mais recente single de dodie, Guiltless, foi escrito após uma sessão de terapia. A composição é uma das mais vulneráveis da carreira da cantora e aborda temas como trauma, ressentimento, perdão e família, que de acordo com os próprios relatos de dodie, costumam ser muito desconfortáveis para ela. Ao mesmo tempo, ela reconhece a necessidade de se expressar, dialogar, e até mesmo de conscientizar o seu público sobre ações positivas em relação a saúde mental. Porém, alguns equívocos foram feitos no meio do caminho: muitas vezes, no calor do momento, a artista fazia uso do seu Snapchat para desabafar, de forma espontânea, mas também irresponsável.

Em um vídeo em conjunto com sua amiga e colega de apartamento, Hazel Hayes, dodie comenta que muitos fãs a agradeceram por sua honestidade e transparência, mas que sua amiga Zannah a fez refletir um pouco mais sobre o assunto ao enviar uma mensagem sobre os perigos de compartilhar certas imagens ou abordar algumas situações sem no mínimo algum tipo de aviso de gatilho para o público.

Após esse episódio, dodie passou a falar com maior frequência na internet sobre a importância de procurar ajuda profissional, como psicólogos e psiquiatras. Em setembro de 2017, por exemplo, a cantora e youtuber publicou em seu canal no YouTube um vlog na companhia de uma terapeuta profissional para discutir um de seus diagnósticos (desrealização e despersonalização) com maior responsabilidade e propriedade.

É possível perceber acompanhando a carreira de dodie que a arte nos ajuda a nos expressar e até a nos conhecer melhor; que a conversa com pessoas próximas nos apresenta outras perspectiva e alivia a dor; e que o compartilhamento de experiências pode auxiliar muito na conscientização acerca de temas delicados. Mas talvez o mais importante no desenvolvimento da cantora e youtuber, tanto em suas canções quanto em seus vídeos, seja a percepção de que ela não está sozinha, que pedir e aceitar ajuda é necessário, que os altos e baixos fazem parte da vida, e que há esperança para um amanhã melhor. Algo que todas nós podemos levar para nossas vidas.

Texto escrito por Isadora Ferreira e Tati Alves


** A imagem em destaque é de autoria da editora Ana Vieira