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O conceito de família em Trinta, mas Dezessete

Trinta, mas Dezessete (Still 17 ou Thirty But Seventeen) é uma série sul-coreana de 2018 da emissora SBS. Mais do que uma comédia romântica com boas doses de drama, no entanto, o seriado, com 32 episódios e um grande elenco, é um livro de lições sobre a vida e as relações humanas, o que a tornou uma série atemporal, necessária e afetiva para tantos fãs da onda hallyu, e destaque em um indústria que produz novas histórias massivamente a cada mês.

Conheça a família de Trinta, mas Dezessete

O dorama começa com a história de dois jovens, Gong Woo-jin (Yang Se-jong de Doona!) e Woo Seo-ri (Shin Hye-sun de Mr. Queen Te Vejo na Minha Próxima Vida). Neste contexto, os dois personagens são apresentados ainda na adolescência, quando seus caminhos se encontram na época de ensino médio porque Woo-jin desenvolve uma paixonite por Seo-ri após vê-la de longe em sua vizinhança.

Enquanto tenta agir em cima de seus sentimentos e tomar iniciativa para falar com ela, um trágico engavetamento de veículos deixa diversas vítimas e feridos. Dentre elas estão Woo Seo-ri que entra em coma antes de conseguir fazer seu intercâmbio como violinista na Alemanha. Por ter visto todo o acidente, Woo-jin desenvolve um trauma grave e acaba se isolando do mundo para se proteger. Nesse processo, abandona a vida que conhecia para se tornar nômade, depois de passar alguns anos com sua família na Alemanha enquanto se tratava com psiquiatras e psicólogos.

Trinta, mas Dezessete

No entanto, 13 anos depois, Seo-ri desperta do coma acreditando que somente alguns dias se passaram desde que o acidente aconteceu. Contudo, o que ela não sabe é que além de ter 30 anos de idade, tudo em sua vida mudou, incluindo o paradeiro da sua família e a sua capacidade de seguir como jovens violinista em ascensão. Ao voltar à realidade, Seo-ri inicia uma jornada para recuperar sua vida, mas o destino acaba levando-a de encontro com Woo-jin na antiga casa que pertencia à sua família. Nessa residência, a protagonista descobre que tudo mudou, e que agora os novos proprietários são os familiares de Woo-jin, incluindo seu sobrinho Yoo Chan (Ahn Hyo-seop de Pretendente Surpresa).

A partir desse reencontro, e dos relacionamentos que surgem entre os personagens, a história começa a se desenrolar.

Como a série trata sobre família? 

1. O lado de Seo-ri

A contrapartida de toda essa situação, e o verdadeiro contrapeso de toda a carga emocional da protagonista são os relacionamentos e a maneira com que o conceito de família é trabalhado. A princípio, Trinta, mas Dezessete apresenta vários conceitos para o termo.

Por um lado, existe a relação de Seo-ri com os pais, durante a primeira parte de sua vida. Foram eles que a apresentaram ao violino e a acompanharam no sonho de ser uma violinista de sucesso. Porém, o falecimento de ambos faz com que a protagonista passe a viver sob a guarda de seu tio paterno e sua esposa no começo da adolescência. Assim, a configuração familiar e a percepção desse papel social na sua vida é transformado no contexto de uma grande perda.

Trinta, mas Dezessete

Mesmo diante das adversidade da vida como criança órfã, Seo-ri mais uma vez encarna o exemplo da resiliência, como é comum para as personagens femininas em todos os universos narrativos do mundo. Apesar disso, o acidente que inicia a história a retira de outro contexto familiar por conta de um coma de 13 anos de duração. Nesse período, existe um conflito da ideia de família. Ao mesmo tempo que os tios de Seo-ri desaparecem enquanto ela está inconsciente, a protagonista acredita que ainda está parada no tempo, até porque, quando acorda, sente que o acidente aconteceu no dia anterior.

2. O lado de Woo-jin

Paralelamente, também é introduzida a família do protagonista Gong Woo-jin. Diferente dos dramas que acontecem com Seo-ri, este possui uma família grande e bem-estruturada em um sistema tradicional. Woo-jin possui pais, avós e irmãos prósperos que são reconhecidos nacionalmente pelas carreiras na área da Medicina. No entanto, o trauma do acidente e o sentimento de culpa de ter causado toda a situação desestrutura Woo-jin completamente. Por conta de um medo patológico de se envolver com pessoas e causar eventos trágicos como o que presenciou de Seo-ri, ele se afasta de todos e passa a viver como nômade.

É sua irmã quem o obra a retorna para Seul, para a casa de sua família, e assumir os cuidados de seu sobrinho, Yoo Chan, enquanto ela e o marido estão em uma missão de saúde na África. As coincidências (não tão coincidentes) do destino fazem com que os caminhos dos protagonistas se cruzem porque a casa a qual ele retorna é a antiga residência de Seo-ri.

O motivo pelo qual essa propriedade foi vendida para a família de Woo-jin, contudo, é revelado somente nos últimos episódios do dorama.

Trinta, mas Dezessete

3. Uma nova família

Quando Seo-ri acorda, ela acaba parando na antiga casa da sua família porque em sua cabeça tudo continua igual a 13 anos atrás. Ao encontrar a residência ocupada por desconhecidos, uma nova rede de relacionamentos surge.

A convivência diária no ambiente doméstico, ainda que desconfortável no começo pela condição de desconhecidos que vivem, faz com que os protagonistas criem laços. Desde a governanta da casa (Ye Ji-won) até os melhores amigos de Yoo Chan, Han Deok-soo (Yi-Hyun Jo) e Dong Hae-bum (Lee Do-hyun), levam a protagonista a desenvolver novos sentimentos e afetos depois de toda a tragédia que lhe ocorreu. Nesse meio tempo, o romance entre ela e Woo-jin floresce, mas muitas vezes o foco da história não é esse. Aliás, a relação de ambos começa a partir da amizade e do amor platônico que surge entre Seo-ri e Yoo Chan, que no começo segue enxergando-a como uma menina de 17 anos por conta de seus comportamentos.

A partir da insistência e do cuidado de Yoo Chan com a personagem, o protagonista quebra o gelo ao redor do seu coração e começa a superar seus traumas gradativamente enquanto se relaciona com a nova figura da sua vida. A cada novo espaço que Seo-ri ocupa na vida dos personagens da trama, mais o conceito de família se renova.

Sobre relações humanas e família

Trinta, mas Dezessete

O grande diferencial de Trinta, mas Dezessete em um oceano de produções que misturam enredos trágicos com comédia e superação é a perspectiva dos personagens em relação à família que formam dentro de casa. Enquanto Yoo Chan assume o papel de super-herói e tenta salvar todos ao mesmo tempo, seu tio redescobre a importância das relações na sua vida.

Em todo esse processo, Seo-ri passa por uma grande jornada de reencontro consigo mesma e redescoberta da sua identidade depois de tantos acontecimentos trágicos. Até mesmo os personagens secundários, como a governanta Jennifer, lida com dores do passado ao longo da história.

O mais interessante é que o roteiro relaciona a superação dessas questões com a relação familiar que surge a partir da configuração de moradia na série. Por estarem todos na mesma casa, a convivência cria novos relacionamentos, que por consequência geram sentimentos e situações de amadurecimento. Do que antes era o lado de Seo-ri e o lado de Woo-jin surge um terceiro produto que é a famosa chosen family [família escolhida], uma família não necessariamente biológica que está conectada por laços muito mais fortes. Assim, Trinta, mas Dezessete se coroa como uma série que trata das várias nuances da existência humana, colocando tantas perspectivas distintas de vida em foco a partir dos relacionamentos com outras pessoas.

Diante de personagens e enredos tão distintos, os laços que os unem reforçam justamente a importância da comunidade e da coletividade na vida de cada um. Mais do que uma série sobre romance, superação, arte ou esporte, Trinta, Mas Dezessete é uma produção sobre como as conexões que criamos no caminho podem nos ajudar a superar todas as adversidades. Talvez um coma de 13 anos e uma vida arruinada por um acidente de trânsito seja um exemplo muito intenso para explicar esse ponto, mas a série consegue fazer dar certo.

Trinta, mas Dezessete não somente desconstrói a frase “nenhum homem é uma ilha” com diferentes configurações de comunidade e família. Mais do que isso, mostra a importância de construir uma aldeia e crescer a partir dela e com ela ao longo da vida.