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Novo padrão, opressão antiga: o que o novo corpo de Kim Kardashian nos mostra

Nos últimos meses, a internet reparou a mudança do corpo de Kim e Kloe Kardashian. As irmãs, que ficaram conhecidas por sustentar a imagem do corpo desejado nos anos 2010, caracterizado pelos quadris largos, glúteos avantajados, cintura fina e seios fartos, realizaram a reversão de suas cirurgias de preenchimento, a Brazilian Butt Lift, aparecendo nas mídias com um físico muito menor.

A decisão evidencia uma mudança no padrão corporal que vem acontecendo nos últimos anos, retomando ideais de magreza já experienciados anteriormente na história. Mas será que esse movimento acontece do nada? Seria uma simples mudança de estação, uma troca de roupas?    

Essa virada nos diz sobre a forma com que o controle sobre mulheres é operado pelo patriarcado. A beleza sempre foi um mecanismo de controle exercido sobre as mulheres tanto no espaço doméstico, privado, quanto em espaços públicos, já que a entrada feminina no mercado de trabalho foi inevitável. Assim, deveres e inseguranças acompanhariam as mulheres por todo lado, privando-as de frequentar certos espaços, alimentando a necessidade de investimento na sua imagem para tentar alcançar esses ideais. 

Quanto mais perto do padrão as mulheres chegam, mais distante o padrão tende a ficar. É preciso que continuemos perseguindo-o, nos sentindo impotentes, consumindo e nutrindo o sistema que nos explora e oprime. Ele aponta o problema e finge entregar a solução. Um ótimo exemplo é a mudança das sobrancelhas ao longo do tempo: nos anos 90 as sobrancelhas finíssimas eram a moda, as mulheres tiravam seus fios com cera, pinça e lâminas; a tendência seguinte foram as sobrancelhas cheias, logo chegaram as maquiagens definitivas e a micropigmentação com as sobrancelhas bem marcadas e delimitadas, o que já não é mais “cool” — é a vez das sobrancelhas naturais, despenteadas. 

O padrão sempre muda, de forma que quem siga a tendência anterior tenha dificuldade de migrar para a próxima, tendo que percorrer um caminho muito maior. Mulheres que afinavam as sobrancelhas tiveram dificuldade para reconstrui-las, assim como quem realizou procedimentos definitivos de preenchimento dos fios agora tenta retirá-los para atingir o padrão mais “natural”.

padrão

O retorno da estética dos anos 2000 traz algo similar: voltamos ao cós baixo, às minissaias e ao espaço entre as coxas (thigh gap) após alguns anos glorificando curvas e grandes dimensões. Percebemos isso não só com as Kardashians, mas com artistas como Doja Cat e Anitta que, talvez não por coincidência, diminuíram consideravelmente o tamanho de seus corpos à medida que foram ganhando o mercado (em especial o estadunidense). 

São necessários representantes parciais desses ideais para que realmente pareça possível alcançá-los, mobilizando uma massa. Então, o capitalismo sequestra a pauta do empoderamento, esvaziando o termo carregado pelo feminismo. Em nome desse suposto empoderamento, faz a captação de figuras femininas que exercem algum tipo de influência para outras mulheres, utilizando-as como vetores para o discurso desejado. Para que essas mulheres continuem em um lugar de ascensão, como influenciadoras, elas precisam seguir o mais próximo possível da cartilha do ser mulher, o “o que eu sou” vira “o que esperam de mim”.

Até por isso, várias vezes mulheres que estão em evidência nas mídias são chamadas de sem personalidade, vendidas, rendidas a fábrica de Barbies. Ascender profissionalmente — e, inevitavelmente, socialmente —, em um ambiente onde quem dá as regras é o opressor, custa muito caro. Muito mais que ter mulheres em posições de poder e influência, precisamos atentar a que discurso elas estão perpetuando, a quem estão servindo.

A culpa que nos cerca por conta do distanciamento constante dos padrões e a tentativa contínua de nos aproximarmos deles nos distância dos nossos próprios desejos, nos responsabilizando por B.O.s que não são nossos e que aparentam ser imprescindíveis pra que possamos existir, o que limita nossa potência. Quando nos mobilizamos de forma coletiva dando força a um discurso alternativo conseguimos romper com esse ciclo de atualizações de opressões (daí a importância de movimentos como o feminismo).

A questão que fica é: se não há incomodo do opressor diante de mudanças e intervenções do oprimido então não está acontecendo mudanças que empoderam ou emancipam. Se um certo tipo de feminilidade está sendo publicizada como símbolo de empoderamento e ideal, principalmente por grandes marcas e corporações, é aí que precisamos ficar atentas.

O corpo padrão de Kim e Khloe

Para fortalecer mulheres, precisamos treinar nosso olhar para observar como as opressões acontecem, como mulheres se subjugam a elas, seguindo ou defendendo, por não conseguir sustentar a si mesmas para além do ditado pelo outro, ou adoecendo, por não se encontrar naquele discurso. Dessa forma a gente encontra os buracos para romper com o que nos limita e buscar mais, ainda.

Deixo de recomendação a leitura do livro História da Beleza no Brasil de Denise Bernuzzi de Sant’ana.


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