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Um Lugar Silencioso Parte II

Com uma história com elementos conduzidos de forma a surpreender o público, John  Krasinski criou um hit de bilheteria ao escrever e dirigir Um Lugar Silencioso Parte I em 2018, garantindo, assim, uma sequência, apesar de não inteiramente necessária, para expandir o universo em que ficar em silêncio é sinônimo de sobrevivência e continuar a jornada da família Abbott.

Atenção: este texto contém spoilers!

Com lançamento previsto para março de 2020, a sequência acabou sendo adiada devido a pandemia do coronavírus e só chegou aos cinemas no segundo semestre de 2021. Particularmente, estava muito ansiosa para a continuação, uma vez que a Parte I se tornou um dos meus filmes favoritos pelo uso genial da dicotomia barulho versus silêncio e como brinca com nossos medos por meio da audição. Com o adiamento, acabei esquecendo do filme e só me lembrei quando o vi disponível para aluguel no YouTube, e que bom que assisti à continuação no conforto do sofá e não em uma sala de cinema: o roteiro me deixou aflita — mais ainda do que no primeiro filme —, com os nervos a flor da pele, de literalmente pular de pé e soltar diversas exclamações de medo e surpresa.

Um Lugar Silencioso Parte II

O filme começa um ano antes de onde encontramos a família Abbott no primeiro longa. Em um flashback que nos mostra um mundo antes do silêncio reinar com a chegada de monstros alienígenas, somos conduzidos por um dia normal e feliz na vida de Lee (John  Krasinski) e seus vizinhos. Já neste ponto a edição de áudio salta aos ouvidos: o barulho e, claro, o silêncio não são apenas elementos que movem a trama, sedo praticamente personagens juntos com os vilões e nossos protagonistas. Quanto barulho fazemos? Não apenas ruídos altos, mas mínimos sons, como o que estou emitindo neste momento, ao digitar este texto em meu computador com suas teclas ruidosas devido ao tempo de uso. Mesmo neste segundo filme, a ideia de que algo banal como espirrar possa ser mortal é fascinante de uma forma horripilante.

Quando presenciamos a sucessão de eventos que ocorreram antes e durante a chegada de um silêncio auto imposto como forma de sobrevivência passamos a entender ainda melhor como Regan (Millicent Simmonds) e sua família sobreviveram graças a língua de sinais e como esse meio de comunicação continua sendo essencial para que a ameaça maior seja combatida.

Um Lugar Silencioso Parte II

Com a morte de Lee e o nascimento do bebê que Evelyn (Emily Blunt) esperava, é hora dos Abbott buscarem um novo lugar e uma forma de se reconstruírem após a enorme perda e sofrimento pelo qual passaram. Tudo isso sem poder de fato expressar sua dor por meio de lágrimas, choro e gritos de angústia. Fortes, eles seguem em frente. E se o primeiro filme, conforme Krasinski menciona, tem como fio condutor o sentimento de amor e proteção entre família e, acima de tudo, pais tentando assegurar a sobrevivência de seus filhos, a segunda parte tem como enfoque o amadurecimento das crianças, com Regan e Marcus (Noah Jupe) se tornando independentes e passando a construir sua própria jornada, afinal, como diz o ditado “filhos se cria para o mundo”, mesmo que seja um mundo extremamente mais mortal do que o que conhecemos, estando Evelyn certíssima em seu desespero em pedir a Emmett (Cillian Murphy), um antigo conhecido que eles acabam por reencontrar, que vá atrás de Regan, quanto esta parte, sozinha, para encontrar outros sobreviventes e espalhar a notícia de que os monstros possuem um ponto fraco.

Enquanto isso, Evelyn é a própria imagem de uma fortaleza, destruída por dentro, mas com os muros ainda intactos. Sofrendo a perda do marido, além da vivência do pós-parto, ainda assim ela precisa colocar suas dores e sentimentos de lado para assegurar que ela e seus filhos sobrevivam. Mesmo com poucas falas, a atuação de Emily Blunt é impecável, transparecendo no olhar e nas feições da personagem tudo o que está trancado dentro dela e não tem espaço — e tempo — para ser sentido e digerido. Nós sofremos ao observar Evelyn no automático, em busca de remédios e soluções que ajudem aqueles que ela ama a continuarem vivos, assim como a vemos, embasbacados, matar um monstro usando apenas inteligência e água; e apesar de desejar que a personagem tivesse uma trama mais consistente, embora todo o longa seja muito bem feito, do que apenas ser a mulher forte, que continua em frente, não importa os percalços, é compreensível que a mensagem principal do filme é sobre os filhos, em especial Regan.

Um Lugar Silencioso Parte II constrói sua trama ao redor de Regan como sua salvadora; e como é incrível assistir Millicent Simmonds dar vida à personagem, revestindo-a de sensibilidade, bravura e determinação. Munida apenas de uma arma e seu implante coclear, ela parte em busca de mais sobreviventes de maneira a encontrar uma estação de rádio para que a frequência sonora que enfraquece os predadores seja amplificada, dando assim uma chance para os humanos derrotá-los e retomar seu mundo.

Um Lugar Silencioso Parte II

Boa parte da construção de Regan passa pelo luto. Primeiro, por carregar a culpa por ter influenciado de uma pequena forma a morte de seu irmão caçula, o que dita suas ações no primeiro filme, e por ter, novamente, feito parte da morte de alguém que ama, desta vez seu pai. Neste segundo ato, a missão de honrar o desejo de Lee, de descobrir uma forma de vencer aqueles que destruíram a vida de todos e trazer um existência de paz e segurança para si e sua família, é o que a move. Diretamente, a impressão que fica é que Regan tem apenas influências de Lee em seu jeito de ser. Entretanto, a força, inteligência e persistência são claramente características que as mulheres da família Abbott compartilham e é maravilhoso ver duas personagens femininas centrais sendo donas de suas histórias.

Viver um luto constante, lutar diariamente contra algo maior do que você, ver uma situação globalmente perigosa destruir coisas tão próximas… Acredito que se eu tivesse assistido a Um Lugar Silencioso Parte II antes da pandemia da Covid-19 o impacto do filme teria sido totalmente diferente de como foi assisti-lo mais de dois anos depois do início da emergência de saúde mundial. As situações ficcionais mostradas no filme pouco se comparam à realidade que vivemos, é claro, mas, afinal, não é esse o objetivo da ficção, a projeção? Algo muito mais sobre como nos sentimos com aquilo que vemos do que com o que está sendo, de fato, retratado?

Um Lugar Silencioso Parte II

Durante todo o filme não conseguia parar de pensar como aquelas pessoas se sentiam em uma situação cruel, horrível e incontrolável e como eu, e a maioria das pessoas que conheço, se sentiam — e sentem — com a situação atual. O medo, o pavor, a aflição, o desespero — e apesar de, acreditar, sim, que neste segundo ato, a produção elevou o nível de tensão, proporcionada especialmente pela trama dividida em três vertentes que, em determinado momento, convergem em seu desespero — ganharam uma camada a mais ao terem aquele cenário apocalíptico observado com os olhos que leram e assistiram — mesmo que do conforto de casa — cenas que resultaram em milhões de mortos.

Mas, para além disso, não é ironicamente incrível que a solução para a vida aterrorizante que os personagens levam seja, exatamente, aquilo que os colocou nesta situação? O barulho. Pode até ser clichê (provavelmente é), mas me deixa fascinada com a genialidade simples de tornar o maior problema de todos também a solução — e aqui ficam meus parabéns aos roteiristas —, além de quase que poético, com uma carga de lição de moral enterrada em algum lugar. Talvez seja eu que, como brasileira, goste de pensar que, apesar de o silêncio parecer o caminho para continuar vivo, talvez seja barulho — alto, estridente, ensurdecedor — que deveríamos estar fazendo.