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Em Thirty-Nine, Joohee é a moça do canto

Thirty-Nine (Netflix), pelo pôster e trailer de divulgação, prometeu trazer a história das três melhores amigas, Mijoo (Son Ye-jin), Chanyoung (Jeon Mi Do) e Joohee (Kim Ji-Hyeon), o que não foi mostrado ao longo dos 12 episódios porque não assistimos a uma história sobre três amigas. Thirty-Nine é a vida de Mijoo, que tem duas melhores amigas: e o entendimento deste ponto foi crucial para mim.

Atenção: este texto contém spoilers!

Antes que alguém me pergunte, amei este drama. Ele me levou a refletir sobre muitos aspectos, principalmente porque estou na casa dos 30 e, a cada ano, mais perto dos 40; e o fato de a trama mostrar que o trio não tinha uma vida resolvida, descomplicada ou tomava as melhores decisões possíveis, fez tudo ficar mais crível. Que atire a primeira pedra quem completou o bingo das estabilidades em algum ponto da vida.

Por vezes confuso demais, por vezes simplório demais, às vezes apenas lacunas de incerteza e inexatidão. A amizade não é encarar o mar da bagunça interna de cada um e navegar junto pela superfície da junção de mares? Não é mergulhar nestes oceanos de múltiplos sentimentos porque desistir do outro nunca foi opção? Era o que essas mulheres estavam vivendo; até a segunda página.

Das três amigas, Mijoo, a dermatologista, e Chanyoung, a atriz que também dá aulas de atuação, tinham não apenas maior tempo de tela e, consequentemente, o foco na narrativa, como também possuíam um maior aprofundamento: eram bem-sucedidas nos negócios, estavam vivendo um relacionamento amoroso, suas famílias e amigos as amavam e as priorizavam. Joohee, que trabalhava como vendedora num shopping e não tinha um amor para chamar de seu, parecia estar ali apenas ocupando um espaço, mas não existindo. Passei a primeira metade do drama incomodada com a forma que a trama retratava aquela que, para mim, era a melhor personagem porque era a que melhor se assemelhava à realidade.

Joohee é naturalmente agradável, facilmente relacionável, mas por vezes soava desinteressante ou superficial porque, como dito anteriormente, a ela fora negado o protagonismo: na tela, na amizade. Por isso, chorei junto quando, em uma cena em que estava sozinha com Mijoo, ela admitiu que temia uma mudança na amizade depois que Chanyoug morresse porque sabia (e sentia) que era o lado menos valorizado no trio. A cena me fez pensar nas negligências que vivi dentro dos círculos de amizade ao longo da vida, nos momentos em que eu estive presente, mas não estive junto; e a dor de Joohee doeu em mim. Doeu perceber que a dor dela era imperceptível à amiga, doeu notar o peso que ela carregava consigo até conseguir verbalizar o que sentia e, mais uma vez, me vi ali, porque falar o que sinto, na maioria das vezes, é denso demais, complicado demais, mas proporciona leveza à medida que as palavras vão, finalmente, ganhando som e morada fora das caixinhas mentais.

Apesar de me causar sentimentos conflitantes, gostei de ver o drama abordar esse aspecto da amizade das três porque confirmou que havia, realmente, uma desatenção quanto a Joohee, e Thirty-Nine preparou o terreno para trabalhar o assunto. Foi bom perceber as rachaduras na fachada “perfeita” da relação do trio e, melhor ainda, explorar essa vivência que, na vida real, infelizmente, dificilmente é passível de diálogo e as pessoas acabam por, naturalmente, se afastarem umas das outras…  mas a que custo?

Joohee teve sua trajetória reduzida a preencher a quota da protagonista dorameira, solteira, que mora com a mãe e quase adquire úlceras diárias no trabalho. A maioria das mulheres que conheço, no entanto, se encaixam nessa descrição. Então por que Joohee tem de ser o alívio cômico para quem as amigas tentam, desesperadas, arranjar um namorado, numa tentativa de reduzi-la a este aspecto? Não poderiam fazer essa representação da solteira que quer um amor, mas que também tem profundidade em todos os outros aspectos? Seu tempo de tela não é pensado para que, quando isso acontecesse, soasse como algo natural ou se distanciasse de estereótipos — uma pena.

Uma pena porque Joohee tinha muito para mostrar e mais ainda a oferecer. Uma mulher de 39 anos que mudou de carreira e decidiu investir em si mesma ao se profissionalizar como manicure e abrir seu próprio salão; uma mulher que não via problemas em demonstrar o lado fangirl, que amava assistir a seus doramas antes de dormir, que dava show no karaokê, mesmo sendo péssima, porque percebia  a segurança e o conforto que residiam nos relacionamentos que construiu; uma mulher com quem o roteiro pareou alguém romanticamente, mas não vimos acontecer porque, mais uma vez, a ela restou ser uma história tão curtinha que quase não foi considerada história.

E apesar de ter amado presenciar as três figuras femininas navegando pela bagunça da vida e dos relacionamentos, sendo atingidas pelas ondas do amor, mas sempre ancoradas umas nas outras porque, no fim do dia, elas sempre foram farol e porto seguro umas das outras, porque o amor delas funcionava como “terra firme”, fiquei triste. Mesmo tendo gostado muito do fato delas serem completamente diferentes, mas funcionarem harmonicamente enquanto grupo, evidenciando que não importava se eram suas versões adolescentes ou aos 39 anos, porque ainda eram as mesmas, continuei triste. Porque, para Joohee, eu abri um lugar na estante para guardar os sorrisos que abria ao vê-la existindo. Porque, para a Joohee, eu dei título, capa, capítulos, mas Thirty-Nine preferiu reduzi-la à moça do canto e fazê-la uma nota de rodapé.

Vanessa Reis nasceu no finalzinho dos anos 80, numa noite de micareta no interior da Bahia. É cadeirante, servidora pública e escritora, com contos e livros publicados de forma independente na Amazon. Atualmente, publica textos no Perdidas!, comenta sobre conteúdo asiático no DR.E.A.M, e pode ser encontrada falando em caps lock no Twitter. Dizem que ela tem talento para a felicidade; ela prefere acreditar.


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