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Novo Mundo: as mulheres esquecidas dos livros de História

No início do século XIX as terras brasileiras viram grandes transformações ocorrerem em seus modos de vida. Em 1808, com a vinda da família real portuguesa ao Brasil, a antiga colônia se elevou a status de Reino Unido de Portugal. O Rio de Janeiro, de local de transporte, se viu em polvorosa como a sede de todo o Reino. Dez anos depois, chega a esse novo mundo a futura primeira imperatriz brasileira, a arquiduquesa (princesa) Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena. Filha do imperador do sacro-império austro-húngaro Francisco I, a vida da arquiduquesa até ali tinha sido em Viena, capital da Áustria, um dos maiores e mais importantes centros políticos da época. O casamento entre a arquiduquesa e o príncipe português, Dom Pedro I, uniria comercial e politicamente dois impérios.

A realidade foi um pouco diferente. Ao chegar ao país, Leopoldina encontrou uma corte decadente, moralmente depravada (a Rainha Carlota Joaquina tinha casos conhecidos ao público) e um príncipe que estava longe de ser o de conto de fadas vendido à arquiduquesa. Ela teve de lidar com uma corte que não aceitava seu nível de educação nem seus hábitos europeus — alguns nunca perdidos — e também com a falta de amigos e confidentes, já que era chamada de forma pejorativa de “A Estrangeira”. Além disso, os diversos casos do marido, conhecidos por todos, eram ignorados de propósito pela princesa, o que parecia inflamar ainda mais a corte contra ela, que, no entanto, era tida como santa pelo povo, que a adorava. Mesmo estando em um mundo diferente e novo, muitas vezes até hostil, Leopoldina, educada para servir ao seu povo, transformou a situação na melhor forma que pode. Fez do Brasil seu lar, mesmo quando este parecia não a amar de volta. Amou tanto o país que foi peça chave para a concretização de sua independência do domínio português em 1822.

É esse quadro que nos apresentou Novo Mundo, novela das seis da Rede Globo que ficou no ar de março a setembro deste ano. Com foco nos meses que antecederam a independência e os acontecimentos que culminaram no grito de “Independência ou morte!”, o folhetim nos mostrou a vida íntima de figuras históricas como Dom Pedro I (Caio Castro com uma interpretação surpreendente e talvez a melhor de sua carreira até agora), Dona Leopoldina (Letícia Colin), Domitila de Castro (Agatha Moreira) — a mais famosa amante de Pedro, futura Marquesa de Santos — e José Bonifácio de Andrada (Felipe Camargo), ministro da corte e figura fundamental do processo de independência.

Misturando os acontecimentos que antecedem e precedem o momento histórico (o caso de Dom Pedro com Domitila aconteceu por anos, começando apenas algumas semanas antes do Sete de Setembro, ao contrário do que é mostrado), a novela faz um apanhado geral da Primeira Regência e do momento político que vivia o Brasil à época. Ao assistir à ficção, é possível entender por que a declaração de independência se fez tão necessária. O rompimento entre Brasil e Portugal foi um dos momentos que criaram a nação que conhecemos hoje. As situações mostradas na novela nos ajudam a quase presenciar o quanto o Brasil da época já não era mais uma colônia; era uma terra independente financeira e politicamente, que não conseguiria voltar a ser uma colônia sem que acontecessem guerras e perdas significativas.

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A princesa Leopoldina entendeu isso muito antes de Dom Pedro. Com a educação habsburga que abrangia os mais diversos assuntos, veio também a noção de fazer sempre o que era melhor para o povo. Ela havia abraçado o Brasil e o povo brasileiro como seu próprio antes mesmo de deixar a Europa. O entendimento de que a independência era a única forma de se evitar algo pior chegou primeiro à princesa. Foi ela quem, aos poucos, convenceu Dom Pedro de que esse era o melhor rumo, tanto para o país quanto para a Coroa. Uma guerra em grandes proporções arruinaria o Brasil e poderia transformá-lo em diversas pequenas nações como havia acontecido na América Espanhola. Sem o apoio dos príncipes, a independência se daria sem eles, o que poderia gerar o exílio forçado e até mesmo a morte dos monarcas, fato que Leopoldina conhecia pelo exemplo de sua tia, Maria Antonieta, na França de 1793.

Apesar da protagonista fictícia da novela ser a inglesa Anna Millman (Isabelle Drummond), foi Leopoldina quem roubou a cena, como não poderia deixar de ser. Pouco estudada nas escolas, a vida sofrida e conturbada da primeira imperatriz brasileira está sendo aos poucos desvencilhada dos mistérios que a cercaram. O folhetim deu ao público acesso a uma parte da história brasileira quase nunca apresentada a ele: as história das mulheres que fizeram o país. A Marquesa de Santos, Domitila de Castro, entrou na novela como a principal vilã da trama, em contraponto inicial à mocinha da independência, Leopoldina. Uma pena, já que a relação entre as duas foi mais do que isso. É certo que Dona Leopoldina chamava Domitila de “bruxa” em cartas íntimas (a ela própria se referia como “a outra”), mas, apesar disso, Leopoldina, como a boa educação mandava, ignorou o caso do marido durante toda a vida até seu falecimento. Chegou até mesmo a receber a Duquesa de Goiás, filha de Domitila e Pedro, na Quinta junto de suas filhas, entre elas a futura rainha de Portugal, Maria II.

Domitila de Castro Canto e Melo vinha de uma das mais importantes famílias de São Paulo. Era tetraneta de Simão Toledo Piza por parte de mãe, patriarca de uma das famosas “famílias quatrocentonas” fundadoras da cidade. Aos 15 anos casou-se com Felício Pinto Coelho de Mendonça, com quem teve três filhos, um deles falecido na infância. O marido abusava de Domitila fisicamente e arquitetou uma tentativa de assassinato à futura Marquesa em praça pública. Em 1819, ela foi esfaqueada duas vezes, mas sobreviveu. A tentativa de homicídio teve como motivo o fato de Domitila ter negado vender uma fazenda que o casal tinha em Minas Gerais, herdada de sua sogra, com a qual Felício contava para quitar dívidas. Ele foi preso e levado para o Rio de Janeiro e, anos mais tarde, Domitila conseguiu a separação de corpos.

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Dias antes da Proclamação da Independência, ao visitar a província de São Paulo para apaziguar os ânimos de revolta, Dom Pedro conheceu a família Canto e Melo. Influentes na cidade, logo Pedro se encantou por Domitila, a quem chamavam intimamente de Titília. Ele a levou para a Corte, instalando a amante em um casarão próximo à Quinta da Boa Vista, o palácio real. A influência de Domitila cresceu de tal forma que em poucos anos foi feita dama de companhia da imperatriz Leopoldina. O caso com o imperador era sabido em toda a Corte e Domitila usava seu poder junto a Dom Pedro para conceder favores aos seus aliados. Os saraus dados por ela eram lugares para se fazer política e organizar troca de favores. A família Canto e Melo se mudou para o Rio de Janeiro e Dom Pedro considerava o pai de Domitila como seu sogro. Todos receberam títulos de nobreza, sendo dado à amante o de Marquesa de Santos (uma afronta de Dom Pedro aos irmãos Andrada, influentes na cidade de Santos). A primeira filha de Domitila e Pedro — que sobreviveu, pois em sua primeira gravidez de um filho do Imperador acabou por sofrer um aborto — Isabel Maria de Alcântara Brasileira recebeu o título de Duquesa de Goiás logo após o nascimento e foi reconhecida como filha legítima pelo Imperador. Frequentava a Quinta junto às meio irmãs, o que trazia muito desgosto à imperatriz Leopoldina, o qual ela apenas demonstrava em cartas íntimas.

Após a morte de Leopoldina e expulsão de Domitila da Corte pela nova esposa de Dom Pedro, Amélia, a Duquesa foi criada como se fosse filha da nova imperatriz. Com cinco anos foi para a Europa junto da família real e morou em Paris com Amélia e a meia irmã Maria Amélia enquanto Dom Pedro e Maria da Glória resolviam o golpe que Miguel havia dado na sobrinha e esposa em Portugal. Estudou em um internato em Paris e numa escola para moças em Munique. Se casou com Ernesto de Treuberg, conde e barão, nobre alemão da Baviera. Além da nobreza da primogênita, sua terceira filha com Dom Pedro, Maria Isabel (segunda a sobreviver até a idade adulta) casou-se com o Conde de Iguaçu recebendo o título de Condessa de Iguaçu. Ao voltar para São Paulo, Domitila se casou com Rafael Tobias de Aguiar, rico fazendeiro. Viveu com ele por vinte quatro anos, até a morte do marido. Domitila faleceu idosa e uma das mulheres mais ricas e influentes de São Paulo. Ainda hoje mora no folclore popular: seu túmulo é considerado como o de uma santa, onde deixam flores e até mesmo uma placa de “graça alcançada”.

Pareceu não haver espaço para duas grandes mulheres na trama, mesmo que a História nos conte outra versão dos fatos. É visível que tanto Leopoldina quanto Domitila fizeram o que estava ao alcance para sobreviver em um mundo dominado por homens, um mundo onde mulheres brancas eram mercadoria com um valor um pouco mais alto que negros escravos, sendo passadas dos pais aos maridos. Isso é marcado explicitamente na trama quando Germana (Vivianne Pasmanter), mulher do dono de uma taberna, quer se candidatar a deputada. Na época, mulheres eram proibidas de votar, assim como a maior parte da população. Porém, ao contrário dos homens, mesmo as mulheres ricas não tinham direito à participação política.

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A trama não fugiu de assuntos pesados como a escravidão e a figura do negro como mercadoria; Idalina (Dhu Moraes), cozinheira de um vendedor de escravos, representa a mulher negra escrava com maestria e a vida como mercadoria e as consequências disso são mostradas nos cortes dos laços das famílias negras. O filho de Idalina, Mathias (Renan Monteiro), é tido como um caso especial; Sebastião Quirino (Roberto Cordovani), o dono e pai de Mathias, era considerado “bom” por ter permitido que Mathias fosse criado por e como filho de Idalina. A violação do corpo da mulher negra é tratada no relacionamento de Libério (Felipe Silcler), negro livre, e Cecília (Isabella Dragão), filha de Sebastião. Após casarem escondidos, a possibilidade de Libério ser irmão de Cecília é levantada, já que a mãe do moço foi vendida por Sebastião. Idalina tranquiliza os dois dizendo que era sabido por todos quando uma escrava era violada.

A filha de criação de Idalina, Diara (Sheron Menezes), teve uma história baseada na de Chica da Silva, a escrava que virou senhora. Chica viveu no Brasil quase meio século antes do período em que se passa a novela, no entanto. No auge da “caçada” ao ouro no território de Minas, Francisca da Silva era filha de um capitão de ordenanças português e uma escrava, Maria da Costa. Após ter sido escrava de um médico em Arraial do Tejuco (atual Diamantina), foi adquirida e alforriada, em 1754, por João Fernandes de Oliveira, explorador de diamantes. Com ele viveu uma união estável por quinze anos, durante os quais o casal teve treze filhos, onde a maior desses filhos teve seu status elevado na sociedade da época. Os filhos homens foram para Portugal com o pai onde, além do acesso a educação superior, ocuparam cargos importantes no governo. As mulheres conseguiram bons casamentos ou seguiram vida religiosa. Um mito foi criado ao redor da ex-escrava, já que conseguiu, além de ser liberta, viver bem durante boa parte de sua vida.

Infelizmente, a trama da Diara parece não fazer jus ao mito da figura histórica, visto que a maior parte dos arcos de narrativa da personagem pareceram não finalizados. Foi quase inexistente o desenvolvimento da paixão que ela disse ter pelo homem que a libertou e depois se torna seu esposo, o austríaco Wolfgang (Jonas Bloch); o arco em que a personagem decide começar a libertar escravos junto ao marido também fica em aberto; e, talvez o arco mais apressado dentro de sua trama, seja o caso sentimental que ela acaba tendo com Ferdinando (Ricardo Pereira), biólogo português amigo de seu marido. Assim que o vê pela primeira vez, Diara já se interessa pelo moço, o que faz com que, mais tarde, Wolf desconfie que o filho que a esposa carrega não seja de fato seu. Uma trama claramente inspirada no famoso romance de Machado de Assis, Dom Casmurro; a última trama envolvendo a personagem teve como antagonista a cunhada Greta (Julia Lemmertz), uma “viúva negra” que fez de tudo para separar Diara de Wolfgang. Em meio a tudo isso, a trama de Diara que mais se destacou foi a negação das roupas e culturas da corte em detrimento das suas próprias, africanas: apesar de historicamente destoante, é uma narrativa relevante atualmente, ainda mais se levarmos em consideração a cena em que Diara veste roupas de sua cultura e anda pelo Rio de Janeiro — é inspirador. É uma pena que a emissora continue tratando suas personagens negras tão mal, com narrativas mal acabadas e apressadas.

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Em contra partida à narrativa de Diara, um dos pontos altos da trama foi Elvira Matamouros, grande atriz de teatro (Ingrid Guimarães): a personagem, sendo parte de um dos núcleos cômicos, teve uma vida sofrida e cheia de aventuras dentro da novela. Apesar de se aproximar do estilo de narrativa do protagonista Joaquim (Chay Suede) em suas aventuras “forrest gumpescas” — onde foi inserida em vários núcleos diferentes da narração, às vezes até sendo a conexão entre eles — seu carisma e personalidade elevaram a personagem a querida do público e ponto alto da novela. Ao final, pagou por seus erros e provou ser, além de verdadeiramente grande atriz, uma personagem bem escrita e completa, que não só entreteve muito, mas que também ficará na memória dos espectadores. Duas atrizes figuram na Corte Brasileira durante os períodos de Reino Unido e Primeiro Reinado. Em 1813 chegou ao Rio de Janeiro a companhia de teatro da atriz portuguesa Mariana Torres cuja companhia veio especialmente para se apresentar no recém-inaugurado Real Theatro de São João (mais tarde Theatro São Pedro de Alcântara e atualmente Teatro João Caetano). Com o período de instabilidade política que precedeu e sucedeu a independência do território brasileiro de Portugal, o teatro presenciou uma queda em frequentadores.

É nesse período que o empresário Francisco José de Almeida trouxe ao Brasil a companhia portuguesa de teatro de Ludovina Soares da Costa e de seu marido João Evangelista da Costa. Uma parte dos atores pisou em solo brasileiro em julho de 1829, enquanto outros chegaram mais tarde. Com o falecimento de Almeida, foi o novo imperador Dom Pedro I quem bancou o resto das despesas da companhia, nomeando nova administração para o teatro. Ludovina, sendo primeira dama da companhia e, em consequência, atuando nos principais papéis femininos das montagens teatrais, ficou famosa no reino a ponto de receber o adjetivo “grande” junto ao nome. É tida como um dos muitos casos extraconjugais de Dom Pedro I e citada no romance semi-fictício Pedro e Domitila: Amor em Tempo de Paixão, de José Pinheiro Neto, onde o encontro entre os dois é apresentado de forma ficcional.

A interessante e misteriosa Miss Liu (Luana Tanaka), por sua vez, começou trabalhando para Thomas (Gabriel Braga Nunes) na casa que ele dividia com a protagonista, Anna. Contratada para cuidar da bebê de Anna, foi revelada na metade da trama como uma pirata, esposa do pirata e inimigo de Thomas, Fred Sem Alma (Leopoldo Pacheco). Uma personagem ambígua, alternou sua lealdade entre os vilões e mocinhos do folhetim revelando a lealdade maior dos piratas: a si mesmos. Protagonizou momentos surpreendentes e inovadores na novela, como a revelação de que estava ajudando Thomas enquanto todos acreditavam que ela estava ao lado de Anna e a luta  contra a índia Jacira (Giullia Buscacio). Sem origem definida além de “asiática” — em momentos dizia vir de Goa (na Índia), em outros de Macao (território independente na China) — parece representar a famosa pirata chinesa Madame Ching.

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Ching Shih (também nas grafias: Zheng Shi, Jheng Shi e Cheng I Sao), conhecida como Madame Ching ou “a viúva Zheng Yi” — Shih pode ser traduzido como “viúva” —, foi uma pirata que reinou sobre os mares chineses até 1810. Nascida Shi Xianggu em 1775, foi, no início de sua vida, uma prostituta cantonesa, sendo então sequestrada por piratas; como prostituta ficou conhecida por fazer uso de venda e troca de segredos de seus clientes influentes. Em 1801, casou-se com Cheng I, um dos mais famosos piratas chineses, descendente de extensa linhagem de piratas. O casamento foi mais uma transação de negócios entre os dois. Cheng I conseguiu unir piratas chineses e cantoneses em uma coalizão conhecida como Frota da Bandeira Vermelha, usando os segredos e a influência de Ching Shih. Com a morte do marido em 1807 no Vietnã, Madame Ching ficou em seu lugar na liderança da coalizão tendo o apoio tanto do sobrinho quanto do primo de seu falecido marido. Ela construiu alianças com líderes rivais e se fez indispensável nas políticas piratas. Como braço direito escolheu seu “filho” de criação Cheung Po Tsai fazendo dele seu amante e logo tendo um filho dele (o jovem também havia sido amante de seu marido. Impedido de se unir legalmente a ele, Cheng I o adotou como filho com sua recém-esposa Ching Shih).

A pirata criou códigos de conduta para sua Frota: a maior parte dos artigos envolvia a divisão dos saques, a obediência na hierarquia das ordens de Ching Shih e o não saque aos vilarejos que pagavam tributos aos piratas. Mulheres viviam à bordo com os piratas e suas famílias; e muitas vezes eram as que comandavam as embarcações. As violações do código tinham punições físicas variadas, podendo ir até a morte. Após uma perda significativa de pessoal na Batalha da Boca do Tigre contra a Marinha Portuguesa em Macau, Ching Shih e Po Tsai concordaram em abandonar a pirataria, sendo perdoados em seguida pelo governo chinês. Assim, junto a Po Tsai, Ching Shih foi uma das únicas piratas a que foi permitido se aposentar. Ao contrário do marido — que se uniu ao governo na caça aos piratas — Ching Shih virou dona de cassinos e bordéis. Morreu idosa, em 1844, aos 69 anos.

Já a personagem da protagonista, Anna Millman (Drummond), parece ser levemente inspirada na inglesa Maria Graham (mais tarde Maria, Lady Callcot). Uma das únicas inglesas a frequentar a Corte Brasileira, foi preceptora (espécie de tutora) de Maria da Glória, a primeira filha dos imperadores e futura rainha de Portugal. Também foi uma das únicas pessoas que Leopoldina considerava como amiga. Devido a intrigas entre os cortesões, logo foi posta para fora da Corte por Dom Pedro. Os diários de Graham apresentam a vida na Corte Brasileira, sendo um dos poucos relatos sobre o território à época. Aos vinte e três anos, a jovem Maria acompanhou o pai em uma viagem para a Índia. Conheceu o primeiro marido, Thomas Graham, no navio a caminho do local, se casando lá. Ao voltar para a Inglaterra, publicou seus primeiros livros: Journal of a Residence in India e Letters on India. Durante o tempo em que morou na Inglaterra, traduziu algumas obras. Foi à Itália em 1819, quando escreveu o livro Three Months Passed in the Mountains East of Rome, during the Year 1819.

Em 1821, acompanhou o marido em uma viagem ao Chile. Porém, antes de chegarem ao local, o mesmo faleceu. Apesar de ser uma viúva sozinha, não quis acatar a sugestão de voltar à Inglaterra, morando em uma casa isolada da colônia inglesa. Em 1823, na viagem de volta à Inglaterra, o navio em que Graham estava fez uma parada no Brasil, e assim ela conheceu os recém-proclamados imperadores. Voltou a Londres apenas para entregar os manuscritos de seus dois próximos livros para publicação: Journal of a Residence in Chile during the Year 1822, A Voyage from Chile to Brazil in 1823 e Journal of Voyage to Brazil, and Residence There, During Part of the Years 1821, 1822, 1823; ilustrados por ela mesma. Voltando ao Brasil, em 1824, esteve em Pernambuco, na Bahia e só então foi à Corte no Rio de Janeiro. Virou preceptora da princesa Maria da Glória por alguns meses, mas logo os cortesões a expulsaram do reino, em outubro do mesmo ano. Sua partida foi prolongada, voltando para Inglaterra apenas em 1825. Ao longo de sua vida, Maria Graham publicou quinze livros, oito com o nome de Maria Graham e sete como Maria Callcot ou Lady Callcot (o título recebeu por seu segundo casamento com o pintor Augustus Wall Callcot, que depois de casados recebeu o título de cavaleiro, em 1837).

Já Anna Millman foi uma das personagens femininas mais desinteressantes da trama. Com a proposta de ser uma mocinha à frente de seu tempo e diferente do que as novelas de época vinham apresentando, no início lutou contra piratas, mas logo teve sua personalidade tolhida a favor das intrigas dos arcos do vilão Thomas. Virou submissa, acreditando nas mentiras do antagonista e por vezes cedeu às vontades de Thomas sem uma luta digna, permanecendo metade de sua trama a espera de ser salva pelo mocinho Joaquim. Anna ficou a novela inteira escrevendo livros mas, diferente de Maria Graham, apenas um de seus trabalhos foi publicado: o diário contando sobre a viagem e as primeiras impressões sobre o Brasil. A censura de Dom Pedro aos relatos da escravidão foi interessante, mas superficial. Seu segundo livro, um romance baseado em sua história com Joaquim, foi queimado em um ato de vingança por Thomas. A protagonista e suas dificuldades quase deixam de ser importantes ao lado de grandes figuras históricas como Leopoldina e Domitila. Até mesmo personagens fictícias como Elvira e Germana tiveram arcos com mais apelo do que o da mocinha.

Sua trama final foi interessante e tentou redimir a personagem ao envolver uma corrida do ouro com piratas, o bando do vilão Thomas, e Anna e Joaquim procurando o galeão do pai da mocinha recheado com ouro asteca. Envolveu-se, também, na busca pelo próprio pai, supostamente morto, e o encontro com a tribo das Icamiabas, índias guerreiras remetentes à lenda grega das amazonas. Porém, apresentado quase ao fim da novela, acabou curto demais e, consequentemente, narrado de forma corrida.

Apesar da narrativa histórica, Novo Mundo tratou a maioria de suas personagens femininas de forma respeitosa e completa. Melhor do que muitas outras novelas no ar atualmente, até mesmo as mais modernas, foi capaz de trazer ao formato um novo jeito de trabalhar com narrações envolvendo mulheres, dando complexidade a tramas anteriormente legadas aos homens. O foco em personagens femininas históricas foi deixado de lado por tempo o suficiente e Novo Mundo trouxe um novo jeito de olhar para a História como um todo. Um mundo não apenas branco e masculino, mas diversificado, como sempre foi.

2 comentários

  1. Que aulão de história! No dia que vi a propaganda da estréia da novela fiquei interessada, mas não pude assistir devido ao trabalho, parece que foi ótima.

  2. Menina, uma aula eu tive. Adorei todas as menções históricas e de livros, adorarei pesquisar mais sobre tudo isso. Estou lendo 1808 e tô bem imersa nesse mundo, o livro não é perfeito mas também trás muitas informações sobre pessoas que não são citadas em livros de escola. Obrigada por esse post, li tudinho <3
    Neoguedes

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