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Nintendo e Eu: coming-of-age nas Filipinas dos anos 90

As histórias sobre amadurecimento (ou coming-of age), devido à sua simplicidade, dependem da autenticidade da visão dos realizadores para funcionar e provocar respostas emocionais em quem assiste. Isso porque as narrativas desse tipo se valem de eventos cotidianos para demonstrar o crescimento dos personagens — sejam eles crianças, pré-adolescentes ou adolescentes. Logo, é preciso encontrar uma maneira de fazer com que o espectador perceba que mesmo a banalidade pode ser transformadora para os indivíduos retratados porque eles estão em uma fase da vida na qual ainda buscam o seu lugar no mundo.

Além disso, quando o coming-of-age se vale de um passado não tão distante, independente da motivação, é preciso que ele seja bem marcado para que os propósitos sejam atingidos. Assim, a linguagem, os objetos e a cultura têm um papel importante nessa reconstituição e ajudam, entre outras coisas, a provocar nostalgia nos espectadores que viveram a época, algo que é eficiente no sentido de criar uma conexão por meio de memórias afetivas. Considerando essas questões, Nintendo e Eu, de Raya Martin, cumpre o que se espera de uma história sobre crianças de 13 anos que sentem pressa de crescer, mas ainda têm apego pelos seus traços e gostos de infância.

Nintendo e eu

Atenção: este texto contém spoilers

Ambientado nas Filipinas do começo dos anos 1990, o longa segue os passos de Paolo (Noel Comia Jr.) e o seu grupo de amigos durante as férias de verão. Eles se envolvem em atividades comuns da faixa etária e lidam com questões familiares relacionadas a temas muito mais complexos do que a sua idade lhes permite compreender. Assim, a busca do quarteto — que ainda conta com Mimaw (Kim Choile Oquendo), Gilligan (Jigger Sementilla) e Kachi (John Vincent Servilla) — é atravessada por questões de classe e de gênero tanto quanto por temas como amor, ciúme e rivalidade.

Mantendo o foco em uma visão colorida, Nintendo e Eu consegue ser sutil ao oscilar entre esses assuntos e adota uma linguagem pop para contar a sua história. Essa escolha se faz presente especialmente através da importância que o videogame tem na rotina do grupo de amigos e torna a produção mais leve, o que também pode percebido pelos caminhos do roteiro de Valerie Castillo Martinez. Nele, aspectos como a ausência paterna generalizada e a forma que isso impacta no crescimento das crianças e rotina das mães são deixados nas entrelinhas. Essa decisão é um acerto porque os próprios personagens não parecem entender esses pontos como as motivações para a superproteção da mãe de Paolo ou para a vida despida de privilégios de Kachi, mas eles existem e afetam a sua existência, bem como o seu crescimento.

Nintendo e eu

Considerando esses fatores, é possível afirmar que boa parte da pressa dos meninos para se “tornar homens” está ligada à vontade de escapar da sua vida familiar para poder fazer o que desejam. Para eles, essa mudança acontecerá após a sua cirurgia de circuncisão, como se modificar uma parte do corpo fosse acelerar coisas que dependem de vivência. Devido a essa visão inocente, durante a viagem até o feiticeiro que realiza o procedimento, a única pessoa do grupo que percebe tudo como um equívoco é Mimaw. Porém, ela está cansada de tentar alertar os amigos sobre o quanto os seus esforços são vazios.

A partir desse ponto, Nintendo e Eu assume que a história está sendo contada pela perspectiva da única menina do quarteto, ainda que ela pareça uma personagem secundária até meados do segundo ato. Essa “alternância de foco” também justifica porque às vezes os garotos são mostrados como massas de hormônio sem muito cérebro, mas conservam alguma doçura.

Nintendo e eu

A visão da personagem feminina se impõe de forma ainda mais forte no desfecho do longa, que tem um tom um pouco mais pesado que o seu restante. Nele, notamos que Mimaw sempre foi uma observadora silenciosa. Por ter passado tanto tempo em segundo plano enquanto os seus amigos navegavam pelos seus dilemas, o olhar dela para a vida ultrapassa bastante o dos garotos em termos de maturidade.  Mimaw consegue entender que o crescimento vai além de questões físicas e por isso não tem a mesma pressa que os seus amigos para deixar de ser uma criança. Ser uma mulher adulta é mais assustador do que não ser atraente para garotos ou feminina o bastante para fazer parte do grupinho popular. E ao construir Mimaw como uma tomboy, Raya Martin parece querer comunicar que para garotas crescer também está ligado à tentativa de transcender papéis de gênero, o que é muito mais complexo do que trocar videogames por namoradas.

Logo, Nintendo e Eu parte de uma premissa simples e consegue adaptar os “clichês” do coming-of-age para a realidade filipina, o que resulta em uma produção viva, engraçada e com a dose certa de carga emocional. Além de conseguir resgatar o período no qual é ambientado de modo orgânico, o longa é capaz de despertar nostalgia através de sentimentos muito específicos e muito reconhecíveis porque em algum ponto da vida, todo mundo teve pressa de crescer, mas se assustou quando isso se tornou uma realidade tangível, procurando refúgio nos hábitos infantis e entendendo que cada etapa da vida cumpre uma função que precisa ser respeitada para o desenvolvimento pleno.