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Mariposa Vermelha: vingança e magia por Fernanda Castro

Mariposa Vermelha é o primeiro romance de Fernanda Castro publicado pela Editora Suma, mas esse não é o trabalho de estreia da escritora, já publicada pelas editoras Dame Blanche e Gutenberg com os respectivos Lágrimas de Carne e O Fantasma de Cora, além do conto “Não vai ser a primeira, nem a última” na primeira edição da Revista Suprassuma. Fernanda é um dos exponenciais da literatura especulativa brasileira e entrega em seu Mariposa Vermelha uma trama apaixonante recheada de tensão, magia e vingança.

E é em um mundo que repudia a magia e qualquer traço de encantamento que encontramos Amarílis, uma jovem solitária e melancólica que vive na cidade de Fragrária, sob o domínio da República. Ela sabe melhor do que ninguém o preço que se paga por usar magia, então decide reprimir seus dons e mascara sua herança em uma vida pacata e sem cor enquanto tenta não repetir os mesmos erros de sua mãe, levada a um trágico destino por ter acreditado nas promessas da pessoa errada. Assim, Amarílis passa seus dias como tecelã em uma fábrica da cidade, sempre de cabeça baixa e com seus poderes domados, sufocados no fundo de sua essência.

“Mais um dia de completo vazio, tão igual a todos os outros que seu destino era virar bruma e desaparecer da memória. Talvez um dia, sem querer, eu fizesse o mesmo.”

Mas tudo se transforma na vida de Amarílis quando ela reconhece na figura de um homem que visita a fábrica em que trabalha o general responsável pela tragédia que destruiu sua família e mudou sua trajetória para sempre. Embebida de um ódio avassalador, Amarílis toma uma decisão impulsiva e decidida a se vingar daquele que causou a ruína de sua mãe, a jovem desperta seu poder adormecido e faz o impensável: convoca um demônio para que ele dê fim ao general.

Ainda que a invocação tenha dado certo, Tolú, o Antigo que atende ao chamado de Amarílis, não pode tirar uma vida com base na oferenda de baixo valor feita pela jovem. Sem entender muito bem as regras que regem a magia, Amarílis terá de enfrentar seus medos e confiar que Tolú a ajudará a obter sua vingança, guiando-a pelos meandros da magia e do submundo de Fragária para se aproximar do general e executar seu plano com suas próprias mãos. Amarílis começa a achar que sua decisão impensada foi um erro, mas aos poucos passa a se libertar das amarras autoimpostas para sobreviver em um mundo que não é gentil com ela, acessando sua magia, e seus desejos, sem pudores.

Nessa reconstrução de si mesma, o contato com Tolú é importante para Amarílis, que aprende não apenas sobre seus poderes, até então amarrados com firmeza sob a face de uma jovem aparentemente indefesa, mas também sobre a mulher que pode ser se deixada livre. Tolú, enquanto um demônio, um Antigo que viveu e viu muito de diversas eras, é ao mesmo tempo cético e maravilhado com o mundo, uma criatura que consegue ser sensual e perigosa e que gosta de contemplar as estrelas da pequena varanda do apartamento espremido de Amarílis. Ele não é nada do que a jovem esperava, mas ela é exatamente o que Tolú sabia que poderia ser.

A construção de toda a narrativa de Mariposa Vermelha é impecável, e Fernanda Castro nos faz virar página após página em pura empolgação e deleite para saber o que vem na sequência para nossa protagonista e seu demônio invocado, um fiel escudeiro nada convencional, mas muito carismático. É muito divertido acompanhar cada interação entre Amarílis e Tolú, ela sempre tão rabugenta (e com toda a razão de ser), enquanto ele é cheio de tiradas engraçadas e inconvenientes, despertando em Amarílis todo tipo de exasperação e revirar de olhos, mas não somente. O relacionamento entre os dois é descrito com muita delicadeza e passamos por todas as etapas, da desconfiança até a parceria, da tensão sexual ao amor. Fernanda escreve tudo isso com maestria, deixando com que o leitor se empolgue a cada interação, ansiando pelo o que vem a seguir. As descrições da escritora são muito verossímeis, tanto nos momentos mais sobrenaturais da narrativa, quanto as mais pueris, nos fazendo mergulhar nas dores depois de um dia cansativo de trabalho assim como na empolgação de estar onde não se deveria. Gosto especialmente que os nomes dos personagens carregam significados dentro da narrativa, quase como um toque especial.

“E eu queria ser, por mim e pela primeira vez na vida, o monstro que eu era quando estava com ele.”

Além disso, há a própria transformação de Amarílis no decorrer da narrativa. Aqui, a protagonista aprende a viver com aquilo que tem de mais especial e a não ter medo de sua verdade, indo contra as rígidas leis de Fragária e o senso comum do mundo em que vive. Amarílis tem uma parte sombria que deixou sufocada por muito tempo, mas não mais. Acredito que esse seja um dos pontos mais interessantes de Mariposa Vermelha e da escrita de Fernanda: ela não faz com que a personagem se redima ou sinta culpa por seus planos e ações. Aqui, Amarílis se aceita por completo, assim como Tolú.

Mariposa Vermelha é a história de uma jovem que precisa acertar as contas com sua origem e sua magia, sempre escondida para assegurar a sua sobrevivência, que descobre que é capaz de ser muito mais do que os poderosos ao seu redor queriam fazê-la crer. Salpicada de momentos agridoce, sangue e magia, Mariposa Vermelha é uma leitura na medida para quem ama tramas de fantasia bem construídas, com personagens carismáticos e uma narrativa instigante. É maravilhoso acompanhar a transformação de Amarílis que de uma jovem ferida que preferia se esconder a viver, se metamorfoseia em uma mulher dona de si mesma, de seus dons e de seu futuro, e que não tem vergonha de ser quem é.

“Não há bem que se sustente no mal.”

O exemplar foi cedido de forma antecipada por meio de parceria com a Companhia das Letras.

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