A primeira temporada de The Marvelous Mrs. Maisel chegou discretamente ao Amazon Prime Video, em 2017. Não podemos dizer o mesmo sobre Miriam “Midge” Maisel (Rachel Brosnahan). Desde o primeiro momento, o holofote está sobre ela. Enquanto Midge faz um discurso no próprio casamento, contando sua história, conhecemos uma personagem espontânea, sarcástica e destinada a brilhar.
Avançando no tempo, vemos Midge casada, com dois filhos e morando perto dos pais. Uma clássica esposa e dona de casa judia na Nova York da década de 50, Midge está radiante, perfeitamente feliz e realizada, apesar das cobranças e inseguranças que lhe são impostas. Nesse momento, seus maiores desafios são administrar a casa e a família, estar milimetricamente impecável e manter o marido feliz.
Acontece que Joel Maisel (Michael Zegen), seu marido, está descontente no trabalho e acredita que pode se tornar um comediante. Midge, então, empenha todos os seus esforços para ajudá-lo a conseguir os melhores horários para suas apresentações em um bar de stand-up e aprimorar os seus números. Mas, para a infelicidade de ambos, Joel não é um bom comediante e não consegue sequer criar sequer as próprias piadas, roubando a de artistas famosos para compor o seu show. Em uma noite, percebendo o seu fracasso, Joel revela a Midge que está tendo um caso com sua secretária e sai de casa, deixando-a sozinha com os dois filhos. Midge então vaga por Nova York, bêbada e de camisola, tentando entender o que aconteceu com sua vida. Após receber pouco ou nenhum apoio dos pais, ela vai até o bar em que Joel costumava se apresentar, pega o microfone e faz um dos melhores números de stand-up da história da TV.
Espontânea, honesta e mostrando até demais, Midge mostra também que tem talento natural para a comédia. Essa apresentação surpreende quem está assistindo, inclusive a funcionária do Gaslight, Susie Myerson (Alex Borstein), que, a partir desse momento, tem certeza absoluta de que Midge pode ser uma grande comediante.
“Tits Up”
Esse é o ponto de partida para as próximas cinco temporadas de The Marvelous Mrs. Maisel, nas quais acompanhamos a evolução da protagonista, de espectadora ao estrelato. Quando decide investir na carreira, Miriam também estabelece que não quer ser apenas uma comediante de finais de semana: ela quer ser famosa, respeitada, com uma carreira sólida, algo impensável para uma mulher como ela na época. Susie também ambiciona ser uma agente de sucesso, com um escritório respeitado e poder, igualmente inacreditável para uma mulher na década de 50, sobretudo sem recursos e conexões. Essa dupla improvável, completamente oposta, mas em perfeita sintonia, faz com que qualquer um se apaixone por The Marvelous Mrs. Maisel.
Ao longo da série, elas passam por espeluncas, hotéis baratos, são deixadas para trás, sobrevivem a mafiosos e sofrem com o machismo, especialmente na indústria do entretenimento. Miriam ainda lida com uma família caótica, um ex-marido, interesses amorosos, trabalha em uma loja de departamentos e, às vezes, lembra dos filhos.
Enquanto Midge é subestimada por ser “superficial e fútil”, já que é obcecada por roupas, maquiagem e pela aparência, Susie é vista com maus olhos por se vestir com roupas largas, não se dedicar à aparência e estar sempre interessada em conseguir sucesso. A partir desse contraste, a série se diverte, mas também critica a hipocrisia da sociedade que sempre julga uma mulher, seja ela atendendo aos padrões exigidos ou ignorando-os.
Além disso, existe a resistência que ambas enfrentam por frequentarem espaços masculinos e almejarem algo além daquilo definido para elas: a vida de dona de casa, no caso de Midge, e do trabalho pouco reconhecido e mal remunerado para Susie. Desde a sua premissa, The Marvelous Mrs. Maisel se propõe a brincar com o machismo e com o papel imposto à mulher na sociedade. A série faz isso com destreza e bom humor, aproveitando as apresentações de Midge para deixar bem claro as injustiças e contradições de uma sociedade que exige tanto das mulheres, sem deixar de encarar o assunto com seriedade e drama quando necessário. Sofremos quando Miriam recebe um não e sentimos raiva todas as vezes em que as protagonistas são destratadas, além de refletirmos sobre padrões inalcançáveis.
Esse é um dos grandes trunfos da série. Situada em 1950, The Marvelous Mrs. Maisel mostra a evolução não só de Miriam Maisel, mas a dificuldade de todas as mulheres de conquistarem seus objetivos. Midge e Susie se complementam em um objetivo comum. Enquanto todos acreditam que ser uma comediante é uma brincadeira passageira de uma dona de casa e de uma “esquisita”, as duas mulheres apostam de corpo e alma nesse objetivo, enfrentando todos os obstáculos com as “tetas para cima”.
“Thank you and good night!”
Quando termina, The Marvelous Mrs. Maisel se despede em grande estilo. A temporada final mostra uma Midge com objetivos bem definidos, após dúvidas e equívocos. Na reta final também descobrimos mais sobre a sexualidade e o passado de Susie. Vislumbrando o futuro, sabemos que apesar do sucesso, Miram e Susie brigam e se distanciam. Felizmente, a reconciliação acontece e a dupla termina unida, apesar de distante.
Para finalmente alcançar o sucesso, Midge precisa brigar para assumir o seu lugar. Ela novamente pega o microfone sem pedir licença ou esperar a autorização de ninguém. Susie também conquista seus objetivos com dificuldade, sendo insistente e adotando meios duvidosos. O final da série é condizente com a trajetória das personagens. Susie e Midge receberam pouco apoio e muitas dúvidas ao longo do caminho e tudo que conquistam é na base da insistência.
The Marvelous Mrs. Maisel não é fácil de sintetizar. Antes da estreia, a criadora Amy Sherman-Palladino disse a jornalistas que queria fazer uma série sobre uma mulher que achava que tinha conseguido tudo e que então tudo desmoronava. “E ao desmoronar, ela descobre uma ambição e uma necessidade de falar, e uma voz que ela francamente não sabia que estava lá”. Ao fim da série, percebemos que Amy e Midge conseguiram muito mais. Ambas alcançaram sucesso sem nunca deixar para trás a maneira como começaram, sem nunca deixar de falar sobre o que é ser mulher e querer mais.