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Malibu Renasce: o que resta das chamas

Em 2018, uma série de incêndios tomou conta da Califórnia, em especial a região de Malibu. Celebridades como Kim Kardashian, Lady Gaga e Guilhermo del Toro tiveram que evacuar suas mansões, sob o risco da intoxicação com a fumaça e de ter a propriedade consumida pelo fogo. Mas o que a escritora estadunidense Taylor Jenkins Reid nos explica, no início de seu novo livro, Malibu Renasce, é que incêndios na região são comuns, devido aos ventos fortes e à vegetação seca. Ainda assim, ela deixa claro que as chamas que consomem a propriedade da primogênita da família Riva não vem de causas naturais.

Todos os anos, Nina, Jay, Hud e Kit dão uma festa na mansão da mais velha, Nina, em Malibu. Filhos do famoso cantor Mick Riva — que já apareceu em Os Sete Maridos de Evelyn Hugo como um dos maridos da icônica personagem principal — ninguém precisa de um convite para entrar. Basta saber a hora, o dia e o local e aparecer em uma das festas mais bombadas das celebridades de Hollywood da década de 1980 e que, a cada ano, parece ser o palco de mais escândalos e fofocas.

Atenção: este texto contém spoilers!

Se no já citado Evelyn Hugo e em Daisy Jones & The Six o foco eram as celebridades protagonistas e o que as tornavam tão humanas quanto nós, em Malibu Renasce o holofote fica por cima dos irmãos Riva e as consequências de ter um pai que os abandonou pelas regalias da fama.

Um dos maiores méritos, e que destacou Taylor Jenkins Reid, é a capacidade da autora de expressar o que o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin considera como a divindade das celebridades. Para Morin, os atores e atrizes de cinema são as figuras que se aproximam mais perto do divino, como se fossem os novos deuses olimpianos. Isso se dá devido a natureza dúbia entre os personagens que esses artistas interpretaram no cinema e o pouco que sabemos de suas vidas privadas através das revistas e, atualmente, sites e perfis de fofoca nas redes sociais. É nesse intervalo entre o material concreto, a especulação e o imaginário que os famosos constroem involuntariamente uma narrativa mítica a ponto de ser o divino do nosso tempo. E é também nesse intervalo, nessa fresta da imaginação, que Taylor Jenkins Reid cria suas histórias.

No entanto, em Malibu Renasce, ela opta por um caminho um pouco diferente. O livro, que se passa em 24 horas, acompanha a vida dos irmãos Riva desde a manhã até o fim da fatídica festa, alternando os capítulos entre como Mick Riva e June Costas, a mãe dos quatro irmãos, se conheceram, e quando e como o casamento começa a dar errado. Na segunda parte, temos também capítulos voltados para os convidados da festa, personagens que aparecem ocasionalmente para nos dar uma visão completa do todo.

Malibu Renasce

É um projeto ambicioso e que, como se não bastasse toda a expectativa por ser um livro novo da autora, aumenta a aura em torno dela e de todos os aspectos da fama que costuma explorar. “Qual é a frestinha da cortina desse mundo tão misterioso que Taylor vai abrir hoje?”, nos perguntamos. No entanto, como já citado acima, o foco da história não é necessariamente a fama — apesar de ela sempre estar ali, tornando a vida dos personagens mais miserável. Diferente de Evelyn e Daisy, o cerne não está na luta dos protagonistas, na ascensão e queda das estrelas. Nenhum personagem termina mais ou menos famoso, ou tem a sua persona de celebridade mais ou menos afetada até o final, visto que o livro se passa em apenas um dia na vida dos irmãos.

Malibu Renasce é mais ambicioso porque, diferente dos livros anteriores, a preocupação não é em narrar unicamente a vida de uma atriz ou de uma banda. Aqui, temos a história do casal, Mick e June, dos quatro irmãos Riva e de diversos convidados da festa. É ambicioso porque são muitos personagens para um único livro e, no final, a autora não consegue dar profundidade a nenhum deles.

Drama familiar

É muito difícil não comparar Malibu Renasce aos dois predecessores da escritora, até porque os mesmos elementos estão lá. O problema é justamente Taylor Jenkins Reid expor tantos problemas para cada um dos personagens a ponto de não dar conta de os explorar e desenvolver.

De um lado, acompanhamos o relacionamento de June e Mick. Como ela depositou todas as esperanças que tinha em ter uma vida diferente da dos pais, nas ambições que ele tinha na carreira como cantor e como a ambição pela fama e como o desejo de ter todas as mulheres do mundo a afundou. De outro, em 1983, temos a vida dos quatro irmãos.

Nina se tornou uma modelo de surf famosa. No entanto, a recém-separação com o astro do tênis Brandon Randall, que a abandonou por outra tenista famosa, ainda lhe é muito dolorida. Somado a isso, ela odeia o fato de ter se tornado um símbolo sexual, quando tudo o que gostaria de fazer é surfar. Como forma de se apegar ao único aspecto da sua vida que a torna uma pessoal normal, ela tenta manter o restaurante que ficou de herança da família por parte de mãe, quase sempre à beira da falência. Apesar de um tanto desanimada para a festa, Nina sente que não pode deixá-la de lado pelos irmãos, por quem sempre colocou as necessidades à frente das suas.

Já Jay Riva, o segundo mais velho, literalmente surfa na onda de estar se tornando um surfista reconhecido. Porém, recentemente descobriu uma doença no coração que o impede de fazer a única coisa que sabe e o que mais ama. Junto a isso, ele tenta lidar com sua recém-descoberta paixão por Lara, uma garçonete de um restaurante da região que pretende convidar para a festa.

Hudson, o terceiro e o único filho não biológico de June, sempre foi o mais próximo de Jay, a quem o acompanha nos campeonatos de surf como fotógrafo. O problema é que ele foi se apaixonar justamente por Ashley, ex-namorada do irmão, a quem ela abandonou para ficar com o mais novo.

Assim como para a Hud torna-se cada vez mais difícil esconder o segredo do irmão e melhor amigo, a mais nova, Kit, tem cada vez maiores questões com a própria sexualidade. Aos 20 anos, sem nunca ter beijado alguém, ela promete a si mesma mudar isso na festa à noite. A caçula sempre se sentiu à sombra dos irmãos de alguma forma. Principalmente de Nina, a quem considera muito mais bonita do que ela, e de Jay, a quem é igualmente boa ou até mesmo supera no surf, embora tenha sido ele a se tornar famoso e ser levado a sério como surfista.

“Jay e Hud conviveram a vida inteira juntos. Dividiram os mesmos quartos, fizeram desejos para as mesmas estrelas cadentes, respiraram o mesmo ar, foram educados pela mesma mãe e pelos mesmos professores. Foram abandonados pelo mesmo pai.

Viajaram para as mesmas praias, entraram nos mesmos mares, surfaram as mesmas ondas, subiram nas mesmas pranchas. Fizeram amor com a mesma mulher.

Mas não eram a mesma pessoa. Não eram atormentados pelos mesmos demônios, nem lutavam pelas mesmas coisas.”

É interessante que dos quatro irmãos, a autora tenha escolhido dar o papel de protagonista à Nina, principalmente pelo paralelo com a história da mãe. Ambas depositaram todas as suas expectativas em um homem. Enquanto June esperava que Mick fosse tirá-la da obrigação de cuidar do restaurante dos pais, uma vida que nunca quis, Nina encontrou em Brandon a possibilidade de ter um ambiente em que fosse amada ainda que não estivesse tão apaixonada, sem ter que lidar com o peso de cuidar dos irmãos. Responsabilidade esta que lhe cai ainda quando adolescente, no momento em que a mãe falece e o pai famoso não aparece para assumir o papel de responsável legal pelos quatro. Ou que muito provavelmente já estava lá muito antes da morte, devido aos problemas que June passou a ter com a bebida alcóolica depois de ser abandonada pela segunda vez por Mick.

Mas a escolha de focar em Nina e na história dos pais dos Riva, com os dramas pessoais dos quatro irmãos e os personagens da festa em segundo plano, tem seu preço. No final, principalmente Jay parece muito conformado em ter que largar o surf, algo que o atormentava há menos de 24 horas, ter sido abandonado pela mulher que amava de uma forma que na sua concepção machista é absurda e ter descoberto que sua ex estava grávida do irmão. O mesmo acontece com Kit, que tem sua recém-descoberta sexualidade mal explorada, algo que não acontece nos livros anteriores de Taylor.

União entre irmãos

Ainda que tenha diversos buracos no desenvolvimento de cada um, é evidente a união e o amor entre os irmãos Riva. A fé que eles têm em Nina e como esperam que ela consiga viver a vida que sempre sonhou, sem ter que colocar os seus sonhos abaixo dos deles, do ex-marido e de ninguém, é muito bonita de se ver.

Essa união também fica evidente quando Mick Riva finalmente resolve aparecer para reivindicar seu papel de pai, tarde demais agora que seus filhos são adultos formados. No meio da confusão, os irmãos ainda acolhem Cassie, uma jovem que acabou de perder os pais adotivos e que acredita que possa ser um dos inúmeros filhos que Mick provavelmente deixou no mundo.

Mesmo que também seja feito de forma muito corrida, é interessante que a autora exponha a infância problemática do cantor, ao mesmo tempo que não redima de seus erros. Ter sido criado por pais falhos não justifica as inúmeras traições a June, nem ter abandonado os filhos e nunca ter retornado, nem mesmo quando perderam a mãe. Não é porque entendemos o passado de Mick Riva que gostamos ou o perdoamos por tudo que fez. Sobre a construção do personagem, Taylor disse em entrevista à revista Elle americana:

“I loved writing Mick Riva in Evelyn Hugo,” Reid admits. “And yet I fucking hate him. I love to write him, but I really don’t like him, and I think he’s a jerk. My editor [Jennifer Hershey] had to teach me how to go into myself and find an empathy for him and an understanding of why he does what he does, so that even if I don’t like him, the reader can understand him. There’s a big, big part of me that is both attracted to and repelled by charming, good looking, bad men who we will always forgive.”

“Eu amei escrever Mick Riva em Evelyn Hugo,” Reid admite. “E ainda assim eu o odiei pra caralho. Eu amei escrevê-lo, mas eu realmente não gosto dele, e o considero um babaca. Minha editora [Jennifer Hershey] teve que me ensinar como entrar dentro de mim e encontrar empatia por ele e entender porque ele faz o que faz, para que ainda que eu não goste dele, o leitor consiga entendê-lo. Tem uma grande, grande parte de mim que é ao mesmo tempo atraída e repelida pelos homens charmosos, bonitos e malvados a quem nós sempre perdoaremos.”

Também é interessante que seja Mick Riva a colocar fogo em tudo, devido a uma simples bituca de cigarro jogada na vegetação seca em uma manhã de ventania em Malibu. Mas, assim como os irmãos Riva cresceram sem o pai, não é o fogo que ele causa que vai prejudicá-los: nenhum deles depende mais da enorme mansão em chamas e tudo que ela significa. Especialmente Nina que, mesmo que de forma muito apressada para quem carregou durante a vida inteira toda uma responsabilidade que não deveria, consegue deixar a casa que nunca quis para trás e seguir os próprios sonhos.

“June havia dado aos filhos uma caixa quase transbordando com suas experiências, seus tesouros e suas decepções. Suas culpas e suas alegrias, seus triunfos e suas perdas, seus valores e suas noções preconcebidas, seus deveres e suas tristezas.

E Nina vinha carregando aquela caixa a vida toda, sentindo todo aquele peso nos ombros.

Mas não tinha a obrigação de carregar a caixa inteira, Nina se deu conta. Tudo o que ela realmente precisava fazer era examinar os conteúdos da caixa, decidir o que queria para si e deixar o resto de lado. Entre as coisas que herdou das pessoas que vieram antes dela, bastava escolher o que queria levar adiante. E o que deixaria para trás, como parte do passado.”

Existe beleza em Malibu Renasce. Na forma como os irmãos se unem diante de todas as perdas, no amor de June por eles e na maneira que, mesmo que estejam completamente perdidos dentro de si, conseguem se encontrar no mar. Mas fica a sensação de que falta algo e que os problemas são resolvidos rápido demais diante da ambição da autora de dar conta de tantos personagens.

Fica a expectativa de que, um dia, Taylor Jenkins Reid venha a contar mais histórias dos irmãos Riva. Principalmente da jovem Kit que, diante da recém-descoberta de si mesma, parece ter uma longa jornada adiante.


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