Categorias: LITERATURA

Talvez Você Deva Conversar com Alguém: os benefícios da terapia

Antes de começar a falar propriamente sobre o livro, preciso confessar: eu não faço terapia. Mas talvez devesse. Não por ter uma questão específica, mas por entender que fazer terapia só trará benefícios para a minha vida, para mim e para aqueles que convivem comigo. Durante a leitura de Talvez Você Deva Conversar com Alguém, essa sensação se tornou cada vez maior e mais urgente: sim, talvez eu deva mesmo conversar com alguém.

Lori Gottlieb, autora do livro, não é apenas escritora mas também terapeuta, e seu trabalho em Talvez Você Deva Conversar com Alguém mostra os dois lados da moeda: o dela, enquanto paciente, e também enquanto terapeuta. Lori decide buscar ajuda profissional após desabafar com uma amiga sobre o quanto estava sendo difícil para ela superar o rompimento com o namorado com quem pensava que se casaria. Embora Lori trabalhe como terapeuta e ajude seus pacientes a compreenderem as angústias, medos, culpa ou qualquer outro sentimento que cause desconforto e sofrimento a eles, ela não é a pessoa mais adequada para tratar a si mesma. O terapeuta, ainda que qualificado para lidar com todas essas emoções, tão intrínsecas ao ser humano, não está imune a sentir tanto quanto cada um de nós.

“Como terapeuta, sei muito sobre dor, sobre as maneira como a dor está ligada à perda. Mas também sei algo menos entendido normalmente: que a mudança e a perda andam juntas. Não podemos ter mudança sem perda, motivo pelo qual é tão frequente as pessoas dizerem que querem mudar, mas mesmo assim continuarem exatamente iguais.”

É dessa maneira que embarcamos nos relatos que Lori Gottlieb nos conta em Talvez Você Deva Conversar com Alguém, publicado pela editora Vestígio e com tradução de Elisa Nazarian. Se por um lado temos a Lori terapeuta lidando com seus próprios pacientes e os sentimentos deles, do outro temos a Lori enquanto paciente tentando lidar com seus próprios sentimentos e a dor de ter terminado um relacionamento que ela acreditava ser pautado em amor e compromisso. Essa troca de narrativa é o que faz do livro tão crível e necessário, mostrando a importância de buscar ajuda profissional e não apenas desabafar nas caixas de mensagem dos stories do Instagram — algo tão comum de se encontrar na internet quando se trata especialmente do Setembro Amarelo. Profissionais qualificados são capazes de ver além da superfície, algo que Lori Gottlieb pontua muito bem durante as mais de quatrocentas páginas de seu livro e suas experiências enquanto terapeuta e paciente.

Da parte de seus pacientes, a autora nos conta as histórias de quatro deles (com nomes trocados para preservar suas identidades reais): John, um executivo de Hollywood com prêmios Emmy nas prateleiras de casa mas que acha que todos ao redor dele são idiotas que não sabem absolutamente nada sobre coisa nenhuma; Rita, uma mulher de quase setenta anos que carrega a culpa por não ter protegido os filhos o suficiente de seu ex-marido abusivo; Charlotte, uma jovem de vinte e pouco anos que tem problemas com a bebida e entra em relacionamentos amorosos fadados ao fracasso, um após o outro; e Julie, uma jovem recém-casada lidando com um câncer terminal. Cada um deles traz relatos e perspectivas sobre diferentes momentos de suas vidas e as atitudes que tomam para não lidar com tópicos dolorosos demais. No decorrer do livro, Lori Gottlieb narra como, aos poucos, consegue abrir brechas nas carapaças que eles ergueram ao redor de suas dores e como, também um passo de cada vez, começaram a entender quais eram as dores reais que enfrentavam e como poderiam lidar melhor com elas.

Com relação às histórias do pacientes, todas me tocaram de alguma maneira. John, embora pareça ter absolutamente tudo na vida — um emprego de que gosta, prêmios, dinheiro, reconhecimento e uma família que o ama — guarda sentimentos intensos desde a infância e é apenas por meio da terapia que consegue processá-los e acessá-los novamente sem sentir tanta dor. A tristeza e a culpa que Rita sente são devastadoras e, por isso, ela entende que não pode se permitir ser feliz — em seu ponto de vista, ter qualquer tipo de alegria na vida é invalidar o sofrimento que seus filhos sentiram. Charlotte, ainda que jovem e cheia de vida, luta para entender seu lugar no mundo e, quando sofre, recorre à bebida. E Julie, lidando com o câncer e a realidade de uma vida interrompida tão cedo, tenta aceitar seu destino enquanto se prepara para morrer, deixando seu marido em tão tenra idade. Em um nível ou outro, o que fica de mais marcante em cada uma dessas histórias é que simplesmente não fazemos ideia do que se passa na vida do outro para além das aparências — aquela história de ser gentil com o outro por não saber pelo o que ele está passando nunca soou tão real. Os relatos deles transbordam vulnerabilidade e requer uma grande dose de coragem se colocar nessa posição — se abrir para alguém, deixá-lo entrar, é algo que eu ainda não me sinto capaz de fazer, mesmo em terapia.

E é essa mesma vulnerabilidade que Lori Gottlieb precisa mostrar para seu terapeuta, Wendell. Ela acredita que só necessita de algumas sessões para ajudá-la a superar o rompimento com seu namorado, mas os encontros com o Wendell se mostram ainda mais importantes para ela do que poderia imaginar a princípio. O que a levou até ele foi um coração partido, mas Lori descobre que ainda tinha muitas outras questões para serem trabalhadas — sentimentos e experiências que mantinha guardadas, esquecidas. É uma constatação surpreendente para Lori, mas esse novo conhecimento a respeito de si mesma a transforma — não apenas no âmbito pessoal, mas também no profissional. Lori entende que da mesma maneira que ela lutava nas consultas com Wendell para conectar seu passado e seu presente, seus pacientes passavam pelas mesmas coisas, compreendendo com alguma relutância como seus comportamentos problemáticos antigos refletiam nas pessoas que são hoje. Ser honesto sobre essas coisas, de acordo com Lori, é um dos caminhos para aceitar as questões que pontuam nossas vidas e trabalhá-las de maneira a nos sentirmos mais confortáveis em nossa própria pele.

“Por mais que hoje, como sociedade, sejamos abertos em relação a assuntos antes privados, o estigma que envolve nossas dificuldades emocionais permanece espantoso. Falamos com praticamente qualquer pessoa sobre nossa saúde física, até sobre nossas vidas sexuais, mas fale sobre ansiedade ou depressão, ou sobre uma sensação persistente de pesar, e a expressão no rosto de quem olha para você provavelmente dirá: Tire-me desta conversa, já.”

Talvez Você Deva Conversar com Alguém é um relato delicado e verdadeiro que atua também de maneira a desmistificar a terapia. Lori Gottlieb, com sua escrita fluída, espirituosa e muito bom humor, não deixa de narrar os bastidores do seu trabalho, como funciona uma terapia e seus benefícios não somente para quem passa por ela mas para quem convive com o paciente em questão. Um dos aspectos mais interessantes do livro, pelo menos para mim que nunca fiz terapia, foi exatamente dar uma “olhada” no que acontece às portas fechadas de um consultório, o behind the scenes. Por meio do olhar de Lori, tanto com seus próprios pacientes ou durante as consultas com Wendell, pude ter uma ideia melhor do funcionamento da terapia e como é importante encontrar um profissional tão capacitado quanto empático — características presentes tanto em Lori quanto em Wendell.

Outro ponto muito importante da narrativa em Talvez Você Deva Conversar com Alguém: o highlight que a autora dá a respeito da terapia em si para os não iniciados, como eu. Considero fazer terapia há alguns anos, mas nunca fui adiante por ‘n’ motivos (ou desculpas): a falta de tempo, o consultório fica em um lugar muito distante, não sei que vertente escolher, não tenho indicações de profissionais, etc, etc, ad infinitum. Dessa maneira, a narrativa de Lori é precisa em dar uma ideia do que é a terapia em si e como funciona o tratamento para cada pessoa. Claro que no livro temos apenas um recorte e a maneira como a própria Lori Gottlieb lida com seus pacientes, mas achei, de todo modo, uma visão muito esclarecedora do funcionamento dessa dinâmica. A cultura pop lida com psiquiatras e psicólogos de maneiras pouco lisonjeira, às vezes, então é interessante ter uma visão mais crível desse universo, só para variar.

“Não há hierarquia de dor. O sofrimento não deve ser classificado, porque a dor não é uma competição.”

Destaquei tantas passagens de Talvez Você Deva Conversar com Alguém que se eu tivesse feito a leitura em um livro físico, e não em e-book, ele estaria repleto de post-its. Lori Gottlieb consegue ser incrivelmente inspiradora nos momentos mais diversos e não foram poucas as vezes em que chorei durante a leitura ou me vi, de alguma maneira, nas pessoas cujas vidas aparecem durante a narrativa. Em determinado momento do livro, Gottlieb diz que o que estamos lendo não é terapia, mas uma história sobre ela: “como nos curamos e aonde ela nos leva.” A autora nunca coloca lentes cor-de-rosa para descrever os processos pelos quais ela e seus pacientes passam — a terapia não é fácil, vai doer em diversos momentos e na maior parte do tempo você não saberá o que fazer com todos os sentimentos que vão aparecer, mas no final será libertador.

Além dos momentos de conversas com os pacientes e outros terapeutas, o livro também funciona como uma espécie de memórias da autora, que entrou no mundo da terapia após os 30 anos de idade — Gottlieb percorreu um caminho singular até se tornar terapeuta, iniciando a carreira trabalhando em seriados como Friends e E.R., cursando medicina após se desencantar com o showbusinessTalvez Você Deva Conversar com Alguém não costuma ser o tipo de livro que eu escolho para ler. Geralmente opto por ficção, e essa é a minha maneira favorita de escapar do mundo e dos meus problemas. Mas as palavras de Lori Gottlieb, suas experiências e vivências, deixaram uma marca em mim que não vou esquecer tão cedo. Embora lide com assuntos pesados como morte, depressão e ideação suicida, Talvez Você Deva Conversar com Alguém consegue abordar todos esses assuntos com simplicidade e naturalidade enquanto desvenda a terapia.

“Sei que a terapia não fará com que todos os meus problemas desapareçam, não impedirá o desenvolvimento de outros, nem garantirá que eu sempre agirei partindo de um lugar de iluminação. Os terapeutas não realizam transplantes de personalidade, apenas ajudam a aparar as arestas. (…) Em outras palavras, a terapia tem a ver com entender o indivíduo que você é. Mas parte de entender a si mesmo é desconhecer a si mesmo, abrir mão das histórias limitantes que você vem se contando sobre quem você é, de modo a não ficar aprisionado por elas, podendo viver sua vida.”


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana C. Vieira.

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