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Invasão Secreta: com trama promissora e socialmente relevante, Marvel estaca na crise criativa

Uma das séries mais aguardadas entre as produções pós-Vingadores: Ultimato, Invasão Secreta, do Disney+, adaptou para as telas um dos arcos mais aclamados dos fãs dos quadrinhos, mas, como tem sido recorrente nos últimos tempos, acabou por se encerrar com um saldo negativo entre o público cada vez mais apático da Casa das Ideias e a crítica especializada.

Atenção: este texto contém spoilers!

Anunciada em dezembro de 2020, a série prometia esmiuçar os meandros da espionagem, mesmo que nos moldes do Universo Marvel, onde Nick Fury (Samuel L. Jackson) iria descobrir e tentar combater uma conspiração de um grupo rebelde do Povo Skrull para tomar o controle da Terra. Contudo, com um roteiro de pouca convicção, Invasão Secreta soa como uma produção que sai de um lugar promissor de desenvolvimento e expansão de universo e personagens a uma apresentação de luxo para Olivia Colman e Emilia Clarke.

Resultado direto da trama derivada de Capitã Marvel (2018), na qual Fury promete que irá encontrar um novo planeta para o Povo Skrull em troca de tê-los trabalhando para ele a fim de neutralizar possíveis ameaças alienígenas, a produção se concentra no peso dos anos decorridos desde 1995 e na enorme falha, profissional e pessoal do espião que, apesar de tudo, construiu ligações com este Povo.

Invasão Secreta é efetiva durante os primeiros três episódios ao colocar em Samuel L. Jackson a carga dramática de seu erro, levando-o a refletir sobre escolhas do passado e sobre as próprias origens em um país extremamente racista como os Estados Unidos. Desde que surgiu no Universo Marvel em Homem de Ferro (2008), já como Diretor da S.H.I.E.L.D, Fury está assentado em uma colcha de retalhos de pequenas referências urbanas e histórias quase mitológicas entrelaçadas ao homem por trás da postura endurecida pelos anos. Mas é também consciente da realidade de privilégios brancos à sua volta que ele frisa para o Coronel Rhodes (Don Cheadle) que homens como eles não herdam seus lugares à mesa: eles precisam conquistá-lo. Em uma série que consegue preencher tão bem este pano de fundo, a fala serve para retratar o momento vivido pelo espião após as consequências de Ultimato, bem como justificar sua escolha, que utilizou o Povo Skrull como uma conveniente rede secreta de espiões que mudam de rosto por anos, para fincar seu nome na história da espionagem estadunidense, assim como fazer uma conexão com um dos argumentos centrais da produção: a busca de um povo por um lar.

Invasão Secreta

Ter essa parte do passado escancarada para o público no contexto da série não implica a genialidade do personagem, mas demonstra a consciência da balança de poder ao seu redor e o esforço bem-sucedido para dominá-la, uma faceta interessante que a produção não se intimida em abordar. Quando aparece para recrutar Tony Stark (Robert Downey Jr.) ao final do seu primeiro evento, em 2008, Fury já é o resultado distante e misterioso do que ocorreu ao longo de todos esses anos. Por isso, o que a série faz, ao menos no início, é desvendar quem é este personagem, conferindo a ele camadas de humanidade com medos, falhas e consequências comuns/terrestres proporcionais a uma origem que se prova, em tela, rica de cultura e historicidade.

Assim deveria ser Invasão Secreta: uma produção sólida em um mundo de sombras, que sempre existiu por trás dos grandes acontecimentos do MCU, e que ressoa mais com a cobrança e a responsabilidade pessoal de Fury em relação a esse povo, fazendo uma ligação óbvia, mas necessária, com o que se constrói em Capitã Marvel em relação aos refugiados, questão cada vez mais em pauta no mundo real. Segundo o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), existem, atualmente, quase 110 milhões de pessoas deslocadas à força de suas casas em razão de conflitos, perseguição, violência, violação dos direitos humanos ou eventos que perturbam a ordem pública — mais do que o dobro do que em 2013, quando o número chegava a 51 milhões de pessoas. Destes, cerca de 35 milhões são refugiados oficiais, em sua maioria, da Síria, da Ucrânia e do Afeganistão, que foram recebidos por outros países, como Turquia, Irã, Alemanha e Paquistão; e 4,4 milhões de pessoas são apátridas, ou seja, que tiveram uma nacionalidade negada e, portanto, não dispõem de direitos básicos, como educação, saúde, emprego, e outros. No contexto brasileiro, em 2022, foram feitas mais de 50.000 solicitações para refugiados, sendo a maioria de venezuelanos (67%), cubanos (10,9%) e angolanos (6,8%).

O fato de essa ser uma realidade cada vez mais preocupante e de diversas nações receberem pessoas de diferentes culturas e nacionalidades em nome de acordos políticos não muda o pensamento nacionalista, que começa a predominar em alguns desses lugares, insuflado por discursos políticos coniventes. Na Europa, a questão migratória foi determinante para a saída do Reino Unido da União Europeia por conta da promessa de controle das fronteiras, uma vez que, naquele continente, o aumento do fluxo de refugiados, em razão dos conflitos no Oriente Médio e no norte da África, é encarado como uma “crise migratória”, fazendo crescer discursos de fundo xenofóbico, que relacionam diretamente a violência, a criminalidade e eventuais ataques terroristas aos imigrantes.

As relações tensas em torno das políticas migratórias — que o presidente da França, Emmanuel Macron, já chegou a descrever como “descivilização” do país, em referência a teoria do sociológico alemão, Norbert Elias, que argumenta que os franceses de berço estariam próximos de serem substituídos por imigrantes, em especial de origem muçulmana —, deveriam ser o pano de fundo mais consistente para Invasão Secreta, a qual, deliberadamente, escolhe transformar a principal narrativa do Povo Skrull em mera nota de rodapé no contexto de um dos melhores vilões surgidos na Marvel dos últimos tempos, Gravik (Kingsley Ben-Adir).

Invasão Secreta

Após aparecer pela primeira vez em Capitã Marvel, ainda como criança, Gravik fez parte da rede de espiões de Fury ao longo dos anos até desertar e se tornar líder de um grupo de Skulls rebeldes, que estão determinados a tomar a Terra em razão da inércia de Fury em encontrar um local para que seu Povo possa se assentar de maneira plena, ou seja, onde possam expressar sua aparência, cultura e costumes; e de Talos (Ben Mendelsohn), o antigo General dos Skrull, em pressionar e exigir mais daquele que se tornou seu amigo.

Gravik é o resultado direto das escolhas do protagonista e possui uma motivação concreta bem fundamentada para a conspiração que engendrou ao longo dos anos, se utilizando de seus poderes Skrull para tomar assentos em lugares de poder e liderança ao redor do mundo ocidental. Nesse sentido, o conflito do povo refugiado, na ficção, se torna crível justamente pelo fato de que os humanos jamais aceitariam conviver pacificamente com o Povo Skrull, com o diferente, o estrangeiro, o migrante, como já não querem fazer na vida real em relação a irmãos de outras pátrias, o que resta claro com o discurso de tom ameaçador do Presidente dos Estados Unidos em Invasão Secreta.

Durante o último episódio, após se recuperar de um ataque de Gravik, Ritson (Dermot Mulroney) emula o Presidente George W. Bush pós-11 de Setembro e, genericamente, declara todas as espécies alienígenas como inimigas, legitimando uma guerra cega contra  um inimigo comum motivada por um discurso de ódio abstrato, mas efetivo para mobilizar as massas ao terminar: “Sabemos quem vocês são. Sabemos como encontrá-los. E vamos matar cada um de vocês”, discursa.

Após os ataques às Torres Gêmeas, em resposta ao acontecimento em pleno solo americano, o Presidente Bush chegou a frisar que os terroristas praticavam uma forma radical da religião islâmica, rejeitada por estudiosos e líderes muçulmanos, mas o discurso sob o mote da defesa da liberdade ressoou mais forte com o povo americano, assustado com a possibilidade de, pela primeira vez, suas guerras se desenvolverem em seu território, como bem frisou seu líder:

“Hoje somos um país que despertou para o perigo e que foi conclamado a defender a liberdade. Nosso pesar se tornou ira e nossa ira se tornou determinação. Quer tragamos nossos inimigos à Justiça, quer levemos justiça aos nossos inimigos, saibam que a justiça será feita. […] A liberdade e o medo estão em guerra. O avanço da liberdade humana […] agora depende de nós. Nossa nação — esta geração — vai eliminar a sombria ameaça de violência que pende sobre nosso povo e nosso futuro. Atrairemos o mundo a apoiar nossa causa por meio de nossa coragem. Não esmoreceremos, não hesitaremos e não fracassaremos. Não esquecerei a ferida causada a este país ou aqueles que a infligiram. Não recuarei, não repousarei, não vacilarei na manutenção dessa batalha pela liberdade e segurança do povo dos Estados Unidos. […] Liberdade e medo, justiça e crueldade, sempre estiveram em guerra e sabemos que Deus não é neutro entre eles. […]”, cita Bush em discurso ao Congresso Americano em 2001.

Na época, sabidamente, a comunidade árabe passou a ser genericamente encarada com desconfiança naquele país e, em algum nível, por conta da massiva propaganda americana descrita como “guerra ao terror”, também em outros lugares do mundo. Apesar de, até hoje, mais de vinte anos depois, o discurso ser, em tese, contra o terrorismo, o povo muçulmano, especificamente, foi estigmatizado sob a desconfiança xenofóbica, como se toda pessoa da religião islâmica fosse tão radical quanto aqueles que cometeram o ataque às Torres Gêmeas no início do século, o que legitimou a prática de crimes de ódio.

Invasão Secreta

Em outro paralelo incrivelmente recente e atual, é possível destacar que, até meados dos anos 60, parte dos Estados Unidos viviam em estado pleno de segregação racial por conta das Leis Jim Crow, que estabeleciam “normas sociais de convivência” de origem racista, com base na suposta superioridade branca, sob as quais negros e brancos não podiam conviver em locais públicos, como ônibus, bebedouros, restaurantes, parques, banheiros, escolas e outros. Em 1924, praticamente há apenas 100 anos, o estado da Virgínia editou uma lei anti-miscigenação que proibia pessoas brancas de se casarem com  pessoas negras e explicitava o chamado critério da “gota única” (“one drop rule”), segundo o qual, se uma pessoa branca possuísse um antepassado negro, deveria ser considerada negra por origem e, por isso, seria discriminada da mesma forma.

Quase como um paralelo ao islamismo, caracterizado por roupas tradicionais, cortes de cabelo e barba específicos e, no caso das mulheres, o uso do hijab; bem como um aceno à aparência e ao crescimento de costumes associados unicamente ao povo negro, que vivia em bairros separados dos brancos e se estabeleceu culturalmente através de raízes próprias, o Povo Skrull também possui uma aparência e costumes determinantes para ser imediatamente identificado como o inimigo. Dessa forma, Invasão Secreta demonstra, em seu arco inicial, consciência de uma realidade histórica ressonante na sociedade atual, que poderia embasar uma narrativa relevante no MCU, sem estar conectada aos seus principais heróis e a necessidades de se fazerem presentes para resolverem todos os problemas do mundo, especialmente quando esses problemas são maiores e mais complexos do que dez ou quinze pessoas fazem parecer ao resolver tudo com uma luta final. No entanto, é a isso que a produção é drasticamente reduzida.

Ao longo dos episódios, Gravik, apesar de continuar com os mesmos motivos para conferir senso de concretude e perigo real às suas ações, mas perde a eloquência e a convicção em contrapartida ao fato de seus poderes estarem em ascensão. A partir da morte de Talos, o general que conduziu o Povo Skrull à Terra ao lado de Fury inicialmente, a série perde a mão em nome de um roteiro apressado e mal construído para ser encaixado em seis episódio com menos de quarenta minutos, em média, cada.

Em um cenário mal determinado como este, o vilão, antes insuflado em nome da justiça social para com os seus, ainda que de forma deturpada, repentinamente não se importa mais com o Povo Skrull, com o qual construiu sua própria comunidade de refugiados, mas com a chamada Colheita, que ocorreu após a Batalha da Terra, quando Fury recolheu e preservou amostras de sangue dos Vingadores e demais heróis que lutaram contra Thanos (Josh Brolin). Embora não fique claro o motivo do Diretor da S.H.I.E.L.D ter decidido guardar o material genético de seus aliados, a série responde como Gravik teve reconhecimento disso: enquanto ainda trabalhava sob disfarce para Fury, o vilão foi responsável por coordenar os coletores nessa missão. Apesar disso, seu interesse repentino por essa vantagem não condiz com o que foi apresentado sobre o personagem, uma vez que ele estava interessado em infiltrar aliados em governos ao redor do mundo para direcionar decisões que beneficiassem seu povo de maneira gradativa, em uma verdadeira conspiração.

Invasão Secreta

Na miscelânea de decisões tomadas convenientemente apenas para levar um personagem do ponto A ao ponto B, sem qualquer desenvolvimento, tudo o que foi construído de promissor inicialmente é deixado de lado para abrir caminho para um “grande” episódio final e a ascensão de Emilia Clarke na pele da filha da Talos, Gi’ah. Ao mesmo tempo, se estabelece, neste final, o tom de guerra civil entre humanos e Skrulls, que nada tem a ver com super-força e poderes dos vingadores, mas com caos social — dois caminhos que não conseguiram se equilibrar no roteiro frágil da produção.

Dar vida a Gi’ah, ainda, pode ser uma definição muito forte para descrever o que a atriz faz em Invasão Secreta. Apática desde o início e com pouca motivação ou força de atuação para antagonizar Talos, acreditar em Gravik e, posteriormente, o trair ao enxergar a corrupção em suas atitudes para além do discurso, a personagem serve apenas para protagonizar o grande plano de Kevin Feige: uma luta final entre Super-Skrulls, que ganharam seus poderes a partir do DNA dos demais heróis. Trata-se de outra decisão questionável do roteiro, pois em momento algum Gi’ah oferece uma oposição crível ao vilão. Ao contrário, aparenta estar sempre assustada pela escolha que fez ao se juntar aos rebeldes, além de não convencer em seu luto pela morte do pai, de quem discordava ideologicamente. Por este motivo, pela forma como Gravik encara Fury e Talos, se a intenção era uma grande luta final, faria mais sentido e conferiria muito mais importância à história, se ocorresse entre o personagem de Mendelsohn e aquele que foi quase um discípulo, que verdadeiramente se sente ameaçado por sua imagem e força junto ao Povo Skrull: o verdadeiro General contra o Usurpador, o bem contra o mal, a liberdade contra o medo.

Falta à série, portanto, parte do que foi sua própria premissa ao ser apresentada ao público ainda em 2020. Invasão Secreta presume o mistério, o clima de paranoia, quando ainda permanece a dúvida sobre a identidade e intenções dos personagens, a possibilidade de conluios e equilíbrio de interesses escusos com maquinações complexas de diferentes lados, ou seja, um verdadeiro estado de Guerra Fria, que foi muito bem explorado nos dois primeiros episódios, claramente inspirados em filmes do gênero, para, em seguida, ser esquecido, como se essa nunca tivesse sido a intenção da produção. Em retrospecto, é como se a série tivesse sido construída por duas pessoas com ideias completamente opostas, apesar de ambas possuírem um argumento comum que funcionasse, em tese. Se pecou no ritmo, os bons diálogos do roteiro foram capazes de segurar; se pecou no desenvolvimento dos personagens, os próprios atores e atrizes conferiram valor aos mesmos, o que prova, apesar do que se viu em tela, que, em algum momento e em certo nível, a produção possuiu uma alma.

Invasão Secreta

Samuel L. Jackson, finalmente, ganhou espaço para adentrar de vez o conto de arrependimentos de Nick Fury e traçou, com visível prazer pela oportunidade, um belo retrato de um herói em decadência, profissional e pessoalmente, contemplando o passado e as próprias crenças. Kingsley Ben-Adir aproveitou o bom argumento central de seu herói para brilhar e, talvez, conquistar espaço no futuro da Marvel. Olivia Colman engrandece a série a cada aparição como Sonya Falsworth, com uma espirituosidade sanguinária e irônica, embora subaproveitada e com cenas reduzidas, enquanto Charlayne Woodard na pele Priscilla/Varra, a Skrull com quem Fury é casado, apresenta um magnetismo de protagonista como a pessoa que conhece as melhores e as mais obscuras nuances do espião, ao mesmo tempo em que luta, oprimida e silenciosamente, pela liberdade de expressar a própria identidade em um local de rejeição.

Dividindo opiniões com, praticamente, todas as suas últimas produções, muito se falou que a Marvel perdeu a fórmula do sucesso que levou o estúdio ao evento cinematográfico de uma era: Vingadores: Ultimato. Contudo, é mais crível chegar à conclusão de que a fórmula vem sendo, meramente, mal executada pelo estúdio, o qual aparenta insegurança para deixar os envolvidos explorarem plenamente novos caminhos. O temor de permitir que novas visões, como a de Chloé Zhao e a de Sam Raimi, dominem suas próprias produções (como James Gunn fez com a saga dos Guardiões da Galáxia até o Volume 3) e as descaracterizem, resulta em séries e filmes de qualidade duvidosa, centrados em roteiros com panos de fundo questionáveis, onde resta clara a interferência da “mão do estúdio” — sem mencionar a falta de primor técnico.

Após conquistar um público cativo durante mais de dez anos, a Marvel peca em critérios que, por ser a Marvel e por ter se proposto a explorar um multiverso de possibilidades, não são meros detalhes, o que é agravado pelo ritmo de produção e de entrega quase que industrial, algo que tem praticamente drenado as camadas dos personagens, transformando-os em sombras superficiais e desinteressantes do que deveriam ser e retirando deles o impacto que deveriam ter.

A morte e o sacrifício do Homem de Ferro ainda ressoa entre os fãs, pois sua importância foi construída ao longo de anos, onde o público aprendeu, mesmo entre altos e baixos, a adorá-lo e compreendê-lo ou, simplesmente, a encarar no personagem a figura de um líder essencial; assim como a despedida de Natasha Romanoff (Scarlett Johansson), a qual, mesmo que tenha sofrido com roteiros superficiais e direções masculinas, cresceu como um dos pilares dos Vingadores e uma das personagens mais queridas dos fãs. Dessa forma, ambos tiveram exploradas diversas facetas e nuances com as quais o público pôde se identificar.

No mesmo sentido, diferente de produções como She-Hulk e Cavaleiro da Lua, que já se tornam esquecíveis dentro da infinidade de conteúdos mais relevantes de outras plataformas, Invasão Secreta reúne interesse porque Nick Fury possui bagagem dentro do Universo, uma vez que, a curiosidade sobre a figura misteriosa do espião mais poderoso da Terra foi incutida na mente do público com calma. Porém, no contexto apressado da produção, só se sustenta pela força de atuações como a de L. Jackson e de Ben Mendelsohn, uma das melhores e mais equilibradas interações construídas nos últimos anos pelo estúdio: se o espião é a astúcia e a força por trás da série, Talos é a essência, a maturidade, a razão quando não se há mais razão.

Todavia, na tentativa de conferir ao roteiro um falso senso de perigo, a parceria é encerrada de forma precoce, podando a possibilidade de ganhar um tom parecido com Falcão e o Soldado Invernal no futuro. Algo parecido aconteceu com Angela Bassett em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, a qual, posteriormente, se tornou a primeira atriz indicada ao Oscar por um filme do estúdio. Na intenção de, por algum motivo, privilegiar o protagonismo fraco de Emilia Clarke e Letitia Right, é como se a Marvel tivesse perdido o “feeling”, que a fazia enxergar o potencial real dos atores e personagens à sua disposição.

Assim, mais do que alinhar uma visão criativa coerente, confiante e bem-alinhavada, Invasão Secreta, como uma produção de apenas seis episódios, sem tempo de se desenvolver e colocar garras verdadeiramente ameaçadoras no mundo fabricado de Kevin Feige, escancara a oportunidade que a Marvel perdeu de produzir uma de suas histórias mais socialmente relevantes, a exemplo do que foi o primeiro Pantera Negra, demonstrando a urgência de o estúdio encarar que não está enganando ao público, mas a si mesmo, com escolhas criativas questionáveis e estreias de expressão limitada e pouca qualidade, prejudicando o estabelecimento do próprio universo.