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Fate: The Winx Saga, As Meninas Super Poderosas e o efeito Riverdale

Nas últimas décadas, a indústria do audiovisual encontrou uma mina de ouro em reboots, remakes e spin-offs, produções que resgatam um público nostálgico e, muitas vezes, sedentos por rever seus personagens e conceitos favoritos da infância e adolescência. Podemos citar as versões millennial de 90210 e Melrose Place, dos fenômenos dos anos 1990 de mesmo nome, ou até as versões cinematográficas de Homem-Aranha, que tiveram três reboots e nove filmes nos últimos 20 anos.

Na indústria televisa, porém, esse mercado de resgate se tornou a grande descoberta da segunda metade dos anos 2010 e está transformando a forma como os canais de televisão atraem telespectadores jovens na era do streaming: o retorno de produtos infantojuvenis em adaptações maduras.

Em 2017, o canal americano The CW estreou Riverdale, um seriado adolescente que aborda de uma forma sombria e misteriosa os personagens já conhecidos e amados pelo público da alegre Archie Comics. Na América do Norte, a Archie Comics pode ser comparada com a Turma da Mônica brasileira, um grande legado que está presente na vida de milhares de pessoas como partes constantes em suas infâncias e adolescências. A ideia original de transportar esses personagens para o audiovisual era a de transformar a turma do Archie em um filme de comédia romântica à la John Hughes, porém logo a Warner interveio e transformou o enredo em um drama misterioso com personagens mais maduros para a televisão.

Riverdale

Para a emissora, o seriado tinha um papel muito importante: capturar o público jovem que naquele momento estava órfão de outro sucesso adolescente, Pretty Little Liars, fazendo com que ele não migrasse para os serviços de streaming que começavam a mudar a forma como as produções audiovisuais eram assistidas e produzidas. Para a felicidade deles, Riverdale tocou um ponto muito específico em seu público, resgatando um personagem querido e lhe dando uma roupagem atual que capturaria um grupo etário mais extenso do que o normal. O resultado é que Riverdale se tornou um grande sucesso logo em sua primeira temporada.

Com o mistério em torno de um assassinato, figurinos vintage, lanchonetes que recordam os anos 1960, casais duvidosos porém shippáveis e o imaginário de uma liberdade e autonomia adolescente que não existe na vida real, Riverdale atraiu não apenas adolescentes, mas também jovens adultos — a maior parte do seu público é formada por pessoas com idades entre 18 a 34 anos, que retornam todas as semanas para esquecer suas vidas e mergulhar nos episódios dramáticos e excitantes do seriado, acompanhando tramas que não se preocupam em retratar a realidade. Ao perceber que a produção atraía mais jovens universitários e adultos com mais de 18 anos, o enredo de Riverdale muda ao passar das temporadas e logo: com cenas de sexo no chuveiro e bares secretos, a série se transforma em um universo imaginário adulto com adolescentes.

“Sim, os personagens personificam atitudes imaturas e irritantes que nós todos estamos bem familiarizados quando temos essa idade. Mas a coisa é: eu acho que é isso que fortalece o show. Como universitários, nós encontramos muitas coisas estressantes no mundo real […]. Algumas vezes, é legal reviver coisas simples dos dias de ensino médio e escapar para um mundo adolescente — especialmente um mundo em que nós já estamos familiarizados por causa da nossa obsessão infantil por Archie Comics.” (Shivani Gonzalez, Queen’s University Journal)

A super-sexualização e fetichização adolescente: o efeito Riverdale

Riverdale

Ao desenvolver produções focadas em adolescentes é sempre preciso ter muito cuidado e tato para lidar com diversos temas, uma vez que essa época é onde estamos nos formando e desenvolvendo como pessoas, e descobrindo o mundo ao mesmo tempo. Quando somos adolescentes procuramos nos rodear de coisas que também mostrem e falem sobre adolescentes para nos espelharmos e nos identificarmos — são filmes, músicas, seriados, livros e personalidades no YouTube que usamos de modelo para criar a nossa própria percepção de mundo.

Dessa forma, quando temos adolescentes sem camisa ou apenas de lingerie em cenas super estereotipadas e sem motivo nenhum para o desenvolvimento, que não agregam no crescimento dos personagens ou ao avanço da narrativa, o que temos é a criação de um fetiche apenas para os olhares do público que, lembrando, em sua maioria é composto por jovens adultos. Esses adolescentes se tornam objetos de desejo, seja para adolescentes reais, que querem se tornar esse personagem com corpo perfeito e é desejado sexualmente por todos, ou para o adulto.

Seguindo o fenômeno de Riverdale, a Netflix anunciou o live-action de O Clube das Winx, outro grande sucesso infantojuvenil, em uma versão sombria e madura chamada Fate: The Winx Saga, que estreou no início de 2021. Em sua trama original, Bloom se muda para Alfea para ser treinada como fada ao descobrir sua verdadeira origem; é ali que ela precisa lidar com os obstáculos, dramas, traumas e descobertas entre o mundo humano e o mundo mágico — e tudo isso enquanto ainda lida com a adolescência. A versão live-action, por sua vez, que tinha tudo para ser um grande sucesso ao dar um toque mais real e maduro para um enredo que sempre foi muito elogiado e envolvente para o público mais jovem, não chega lá. Ao invés de termos um desenvolvimento maduro de personagens e universo, ganhamos a grande reprodução dos mesmos estereótipos e fetichização adolescente que já vimos em Riverdale.

Logo em sua primeira temporada, Fate ajuda a construir um estereótipo que também já foi abordado em Riverdale e não é nenhuma novidade: a ideia de que sexualidade está diretamente ligada com o mal e o vil. Bloom (Abigail Cowen), como mocinha da história, olha estranho e se distancia quando o tema abordado é sexo e drogas, enquanto Beatrix (Sadie Soverall) e Riven (Freddie Thorp), que são os vilões da temporada, dificilmente são vistos em cenas que não são seguidas ou prévias de sexo, quase sempre envolvendo álcool ou drogas. Em Riverdale, podemos usar de exemplo Betty Cooper (Lili Reinhart), que é a garota disciplinada da casa ao lado com o seu cabelo em rabo de cavalo e roupas em tons pastéis e cor-de-rosa, mas que possui um outro lado, o sexual, chamado de Dark Betty. Quando essa personalidade aflora, sua sexualidade é mostrada em cena, mas sempre encarada como algo a ser escondido e assassinado, não como algo bom.

Não sem demora, os estúdios perceberam o grande efeito Riverdale e passaram a produzir, em massa, seriados similares em que versões sombrias de produções que apelam para a nostalgia do público tomam forma. Apenas da franquia Riverdale, tivemos o lançamento de Kate Keene (2020) pelo canal The CW e as quatro partes de The Chilling Adventures of Sabrina (2018-2020) pela Netflix. Em 2019, tivemos o lançamento de Nancy Drew também pelo canal The CW, e em 2021 estamos sendo introduzidos para uma nova adaptação: Powerpuff, das Meninas Super Poderosas, que até o momento tem tudo para seguir esse efeito.

Não é que sexo e sexualidade não possam ser temas abordado em seriados adolescentes, muito pelo contrário: esses assuntos precisam ser tratados porque são parte da realidade e das vidas de milhares de jovens ao redor do mundo. O que vemos, porém, é essa sexualidade ser usada como produto de venda para capturar adultos sem nenhuma adição para a história em si, e, quando temos personagens confiantes com sua sexualidade, ela é usada para ser interpretada como algo ruim.

Powerpuff, a adaptação de As Meninas Super Poderosas

O anúncio do live-action de As Meninas Super Poderosas chegou com muitas opiniões e rodeada de receios e expectativas. A tendência de transformar programas que embalaram nossa infância e são repletos de memórias e lembranças boas em versões sombrias com mistério e assassinato pode acabar tendo o efeito contrário do que queremos — ao invés da nostalgia e resgate, mergulhamos em um mundo, no mínimo, controverso. Algumas coisas são melhores no passado e não há problema nenhum nisso.

Levando em consideração que essa nova adaptação vem pelo mesmo canal de Riverdale, o medo de tornar mais um querido desenho em uma vitrina do estereótipo de que o sexo vende, é real. No entanto, esta versão tem uma diferença dos outros seriados dessa vertente: segundo a sinopse divulgada, a trama focará nas trigêmeas super-heroínas em seus vinte e poucos anos, encarando as consequências de terem passado sua infância lutando contra o crime. Ao garantir que seus personagens serão adultos, podemos transformar a narrativa em algo mais complexo se for escrito de forma correta.

Com esta versão, podemos ter a oportunidade de acompanhar uma trama que fale sobre traumas e violência ao redor das consequências das condições que as personagens cresceram e como isso é encarado por elas na fase adulta. No entanto, ainda há dúvidas de como a fase criança das personagens principais será retratada e a forma como isso será passado para suas fases adultas. O histórico das séries conduzidas pela The CW não é muito apaziguador nesse contexto.

A nostalgia e o saudosismo não são sentimentos incomuns para quem está passando pela transição da juventude para a fase adulta. Encontrar obstáculos e ter que encarar diariamente uma realidade difícil nos leva a crer que antigamente as coisas eram mais simples, mais fáceis. A busca pela alienação ao assistir produções como as citadas nos texto nos ajuda a lidar com momentos complicados. No entanto, é preciso ter cuidado com relação à maneira com que essas produções são feitas e como isso marcará uma geração de crianças e adolescentes. Some-se a isso o fato de que os adolescentes dessas produções são, normalmente, interpretados por adultos, e temos um grande pacote de problemas de autoimagem e aceitação com os quais lidar.

2 comentários

  1. Chegando um pouco tarde aqui, mas enfim, nunca pude concordar tanto com algo como concordei com esse texto.

    Pode até ser um pouco antiquado da minha parte, mas eu não curto e nem gosto de produções que sempre abordam personagens adolescentes como tarados por sexo. Sim, adolescência é um período “a flor da pele” e essas coisas. Mas também, parece que essas séries – que alguns dizem ser realistas, não faço ideia de aonde – esquecem que adolescentes também precisam viver a vida delas. Alguns são ricos, outros pobres. Esquecem que adolescentes também passam por responsabilidades: escola, papel de filho, responsabilidades dentro de casa e etc..

    Como uma pessoa que mora em subúrbio, e tendo total lugar de fala para falar sobre, é incrível e completamente chato de como essas séries adolescente fogem completamente da realidade. Nunca consegui me identificar com nenhuma delas, nem mesmo só para diversão porque tem coisas que se abordam de forma tão errada e mal feita, que nem relevar se torna possível.

    Eu luto para encontrar séries adolescentes que realmente aborde algo real. Como os adolescentes em geral (REALMENTE) lidam com suas sexualidades, preconceitos e julgamentos. De como há vários adolescentes que sofrem abusos psicológicos e físicos de país abusivos e tóxicos.

    Eu fico com apreensão toda vez que anunciam um novo reboot de alguma série/filme/animação, porque sei que sempre há o risco de extrapolarem nas decisões que tomam para os personagens.

    Enfim, texto totalmente necessário.

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