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Monsterlog: a fantasia e o sobrenatural de B.B. Bizaio

Monsterlog: Primeiro Ato, é o livro de estreia da escritora brasileira B.B. Bizaio, publicado pela Pride Authors. Sua ambiciosa obra lida com um universo fantástico habitado por bruxas, vampiros, dragões, demônios, fadas, e outros tantos seres, circulando em meio ao mundo sem que os humanos saibam a seu respeito. Como uma fantasia urbana carregada com as mais diferentes mitologias e aspectos da cultura pop, a narrativa de Monsterlog se estende por mais de 400 páginas e, de acordo com as informações disponíveis no site da Pride Authors, por nove volumes.

Em Primeiro Ato, acompanhamos toda a criação do mundo de Bizaio, localizando seus personagens em meio a uma sociedade em que diferentes raças vivem escondidas entre os humanos até que uma disputa passa a acontecer. Dessa maneira, o governo começa a perseguir os não-humanos por meio de grupos de elite secretos compostos por membros impiedosos, os Guardiões. Sendo também não-humanos, os Guardiões possuem poderes e habilidades que se equiparam aos membros da Resistência, composta por seres que lutam pelo direito de serem quem são, tornando os embates sempre sangrentos e com muitas baixas de ambos os lados.

A narrativa se inicia com muita ação, o que dá o tom de toda a experiência que teremos a seguir. E assim, a cada capítulo, conhecemos um personagem, sua raça, habilidades, e em que ponto da trama ele está. A escolha da autora de transitar entre pontos de vista diferentes, com saltos temporais na narrativa, é um tanto audaciosa se levarmos em consideração que a amarração dos fatos deve ser muito cuidadosa, mas Bizaio dá conta do recado na maior parte do tempo. Alterar a narrativa entre personagens tão diversos, com experiências e opiniões múltiplas, enriquece seu Monsterlog de maneira interessante, fazendo com que a leitura seja sempre dinâmica, deixando o leitor curioso para o que virá a seguir.

O livro, além de contar com elementos mágicos, sobrenaturais e criaturas diversas, é uma grande representação da comunidade LGBTQIA+. Em suas páginas encontramos todo tipo de interação, romance e amizade, e personagens com os quais qualquer leitor poderá se identificar. Essa miríade de personagens é um dos pontos mais interessantes de Monsterlog, mostrando que B.B. Bizaio consegue construir personalidades múltiplas e fazer com que o leitor se preocupe com quem está nos contando essa grande história mesmo que eles não sejam completamente bons ou totalmente maus. É possível levantar questionamentos a respeito das motivações dos personagens e ainda tentar desvendar os mistérios que transbordam pelas páginas, tornando a leitura interessante e instigante.

Editado por Amy Weingartner, roteirista da Equipe Marvel Entertainment e responsável pela criação de histórias como Batman: O Retorno e Homem-Aranha, este em parceria com Stan Lee, Monsterlog: Primeiro Ato evoca em sua narrativa certos elementos das histórias de super-heróis, seja no que se refere ao humor ácido dos personagens ou ao crescimento da trama no decorrer das páginas. Como um livro de abertura de saga, a autora leva algum tempo construindo seu universo, assentando seus personagens e suas posições na narrativa, o que é algo importante de ser feito ainda que desacelere o ritmo da trama em alguns momentos. É importante colocar o leitor na trama, navegando por pontos de vista e cenários diversos em uma grande história que está apenas no início. As possibilidades são muitas em Monsterlog, e B.B. Bizaio está mostrando só uma pequena parte do que virá a seguir. Seu Segundo Ato, inclusive, chega em 2023 para alegria daqueles que ficaram saudosos de Tristan, Anala, Lince e muitos outros personagens incríveis.

A seguir, você acompanha a entrevista que a autora concedeu ao Valkirias.

Nos agradecimentos de Monsterlog: Primeiro Ato, você conta como passou onze anos desenvolvendo a trama de sua saga e que jogou fora a primeira versão. Como foi a construção desse romance e de onde vieram as maiores inspirações para seu desenvolvimento?

B.B. Bizaio: Durante os primeiros anos (ainda em sua primeira versão), Monsterlog se mantinha como um hobbie no qual me dedicava nas poucas horas vagas enquanto lecionava. Quando me deparei com uma crise profissional do tipo “será que quero mesmo abrir uma escola de inglês e viver isso pelo resto da vida?” foi que decidi mergulhar no romance com toda a seriedade que existia em mim. Não seria mais um hobbie. Tive certeza naquele momento. Quanto às inspirações, elas vêm do que eu respiro desde criança. Numa infância e adolescência que prefiro não recordar, fantasia era o que me mantinha de pé — desde games, animes, séries, livros, filmes, qualquer coisa que pudesse me distrair.

Monsterlog tem dramas familiares, romance, batalhas e muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. No site da Pride Authors está prevista uma saga com nove volumes. O que podemos esperar dos próximos capítulos dessa fantasia? Como é planejar acontecimentos, personagens e narrativas para uma trama tão grande e ambiciosa como a de Monsterlog?

B.B. Bizaio: Quando dei o subtítulo de “Primeiro Ato”, é porque esse livro é realmente a introdução para tudo. Uma leve pincelada do que está por vir. Mal comecei. Me aguardem.

E, sim, de fato, planejamento é tudo. Tenho exatamente cada detalhe do que transcorrerá na trama até as últimas linhas do último livro de maneira um tanto quanto frenética em minha mente. Não me lembro se jantei brócolis ou couve-flor, mas sei as falas exatas do momento em que Lince sobe à superfície; ou quando determinado personagem trai à todos no futuro, por exemplo. Soltar faíscas que farão sentido ao leitor apenas no final da saga é como uma brincadeira, e mal posso esperar para ver a reação das pessoas ao se depararem com isso após terem a saga completa em mãos.

Para dar continuidade ao trabalho de edição em Nova York, precisei montar uma linha do tempo com acontecimentos de maior importância — assim a equipe também estaria a par do projeto junto comigo.

Como você criou seus personagens? Acho que Tristan acaba se tornando facilmente um favorito, mas também adoro Anala e Lince. As personalidades de seus personagens refletem algo da autora, ou eles nasceram completamente de sua imaginação? Eles são tão reais e palpáveis em seus erros e acertos que é como se existissem. Como é o processo de criação de cada ser que habita sua saga? O quanto há de você em cada um deles?

B.B. Bizaio: (Amei a pergunta). Os únicos personagens transcritos ipsis-litteris são os animais — nos quais coloquei a personalidade dos meus bichos neles. C.B. (o cão do inferno de Lince) tem a personalidade da minha Golden Retriever, a Sky. Logo conhecerão os outros.

Já o processo de criação de todos os outros personagens decorreu após muito (mas muito mesmo) estudo. A primeira versão de cada um deles era rasa e cliché, então precisei me aprofundar em técnicas para não só conhecê-los melhor, mas também escrevê-los melhor. Primeiramente, temos que ter em mente que uma pessoa não se define por grandes feitos (e, para mim, os personagens são mesmo pessoas de verdade).

Um herói não é altruísta porque salvou a donzela em determinada situação. Ele já era altruísta e salvá-la é apenas uma consequência disso. Então, o que fez com que ele tivesse essa qualidade? Posso dizer com certeza absoluta que não foi apenas uma única coisa na vida dele — do tipo: alguém não salvou a mãe dele e agora ele salva todo mundo.

Não, não. Usar justificativas vãs assim torna o material vazio, sabe? O que nos torna quem somos é o dia a dia. A chatice, a monotonia. Se alguém te cortar no trânsito, você vai revirar os olhos, batucar no volante, esbravejar? Ou não vai nem se importar? Um pequeno detalhe desses já me traz um vislumbre de quem você é. Nessa cena, eu começo a criar uma imagem da sua postura, de seu comportamento padrão (e de stand-by), e assim, aos poucos, vou acrescentando mais e mais camadas — até chegarmos à cena crítica e o personagem conseguir agir de maneira X ou Y quase que automaticamente, pois ele já estava praticamente montado. Então sim, os personagens saíram da minha cabeça.

Sobre aspectos meus, existe um: eu sei o que é mergulhar em raiva nua e crua. Sei também o que é tomar as rédeas e transformar a base do meu subconsciente em uma lagoa calma e serena. Achei que seria um desperdício não trazer esse processo para as páginas, então Tristan vai mergulhar e sair dessa junto comigo.

Monsterlog é uma grande representação de personagens LGBTQIA+; ter esse tipo de representação, tão às claras e sem estereótipos nocivos, é importante pois vemos as coisas como são. Você tomou algum cuidado em especial para escrever suas personagens nesse sentido ou foi algo natural, como deve ser?

B.B. Bizaio: Sinceramente, acredito que autores se vestem propositalmente de tais estereótipos porque também estão vestindo um manto de uma zona de conforto em termos de distribuição e marketing por parte das editoras; contando com a aceitação do público comum (muitas vezes fugindo do alvo). Para mim, nada disso importa. Só quero fazer um trabalho bem feito com personagens que fariam sentido também no mundo real.

Monsterlog foi publicado no Brasil e no exterior — quais são as diferenças e similaridades entre os públicos? Há algo que deve ser pensado em questão de trama, focando em mercados tão diferentes?

B.B. Bizaio: Tivemos que realizar algumas alterações pensando nos diferentes públicos, realmente. Ao final, optamos por trazer as mudanças para a versão brasileira também. Em resumo, o brasileiro tem uma aceitação muito maior por temas sensíveis. Um exemplo disso foi a alteração dos termos religiosos por terminologias novas, criadas por mim. Chamamos “céu” de “Campo Superior”, trocamos “arcanjos” por “Arks”, entre outros. Considero isso positivo, pois tive que montar a dinâmica de classes de ambos os Campos (Superior e Inferior) do zero, e foi tudo muito divertido de se fazer.

Sobre escritoras: quem são as suas favoritas e as suas inspirações? E como foi sua experiência ao escrever uma fantasia tão grandiosa quanto a presente em Monsterlog?

B.B. Bizaio: Ok, polêmica. Não me inspirei em absolutamente nenhum(a) escritor(a) de romances/livros, bem como minhas obras favoritas também não estão nessa mídia.

Inspirações recentes com diálogos naturais que contêm nuances importantíssimas sobre o caráter dos personagens envolvidos, além de somar para a narrativa de forma sutil e fluida: Persona 5 Royal (jogo). Nenhum diálogo deveria ser em vão, “no matter how simple it may look” [“não importa quão simples pareça”]. Para planejamento a longo prazo, equilíbrio entre leveza e peso, coreografia e batalhas com mais de dez personagens simultaneamente (ocorrerá a partir de Monsterlog, Segundo Ato), entre outros: One Piece (anime). Oda-sama (Eiichiro Oda, criador de One Piece) é um gênio.

Técnicas de scene-setting e cenografia escrita (induzir o leitor a criar a cena visualmente em sua mente com facilidade) vieram de obras com grande foco em fotografia e o estudo de seus roteiros, como God of War ou The Last of Us, por exemplo. O timing cômico foi inspirador por Borderlands (jogo). O timing dramático veio inspirador por Hiromu Arakawa, que escreveu Fullmetal Alchemist: Brotherhood, e Hayao Miyazaki, do Studio Ghibli.

Entre outros, mas a imensa maioria das cenas foi pensada e estudada previamente com foco na facilidade de adaptação do trabalho para outras mídias, principalmente as visuais. É por isso que não teria como me inspirar em narrativas feitas para serem lidas. Monsterlog foi escrito para ser “visto” por entre as páginas (eu ia escrever “vivido”, mas quase morri de tanto clichê, haha)

Seu processo criativo mudou muito durante a escrita? Como foi a experiência de ser editada por Amy Weingartner, roteirista da Equipe Marvel Entertainment?

B.B. Bizaio: Mudou. No começo, era algo como “um mix de momentos de inspiração” com foco em construir o universo e tudo mais. Por mais que eu soubesse onde queria chegar, ainda precisava criar o terreno por onde a história passaria. Conforme o cenário foi se concretizando em minha mente, consegui adentrar mais nos detalhes e vagar com mais leveza conforme escrevia, com carga horária de trabalho diária e responsabilidade de finalizar o dia com um trabalho bem feito.

Trabalhar com a Amy foi incrível! Ela recebeu o manuscrito fechado, praticamente finalizado após longas consultorias com a editora, leitores críticos, revisores e toda uma equipe de edição já ter avaliado o material. Então, guardo os elogios dela em um espaço bem quentinho no meu coração. Coisas como “fierce voice, immeasurable imagination, assertiveness and knowledge”; o que traduziria para algo como “uma voz afiada, imaginação imensurável, assertividade e conhecimento.” As reuniões com ela e o trabalho em cima do Monsterlog foram para lapidar um material que, de acordo com a equipe de Nova York, já estava incrível (e mais outros elogios que me sinto encabulada de ficar listando).

No entanto, toda a consultoria que tive com ela foi essencial para elevar o material, com dicas assertivas sobre como acrescentar detalhes para que o leitor pudesse se situar, etc. Para tornar o exemplo palpável: no material original, lugares estavam descritos no início de cada capítulo (abaixo da raça de cada personagem). “Podemos incluir um ou dois parágrafos de visão espacial logo no início de cada capítulo para remover essa guideline, o que acha?”, ela sugeriu. De fato, dessa forma ficou bem mais fluido. E por aí vai.

Basicamente a equipe inteira tem trabalhado em harmonia, e estamos muitíssimo animados com o que está por vir.

O exemplar foi enviado como cortesia pela editora Pride Authors.


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