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Maya Angelou e Jean-Michel Basquiat: A Vida Não Me Assusta

A primeira publicação de “A Vida Não Me Assusta”, poema escrito por Maya Angelou, aconteceu no ano de 1993. Em uma colaboração com o artista Jean-Michel Basquiat, o pequeno livro veio repleto de palavras poderosas aliadas às belas imagens do artista, uma união de duas linguagens distintas que, ainda assim, construíram de maneira harmônica um trabalho singular. No aniversário de 25 anos da obra, o poema e seu tema atuam como lembretes de que podemos — e devemos — encarar a vida e os medos que moram em todas nós.

Em “A Vida Não Me Assusta”, Maya Angelou celebra a coragem que vive dentro de nós independente de nossa idade. Ainda que o poema tenha como foco o público infantil — e, por isso, tenha sido lançado no Brasil por meio do selo para crianças da DarkSide Books, o Caveirinha —, os versos podem fazer parte das vidas de todos, adultos e crianças, nos fazendo lembrar de que o poder e a fé que temos em nós mesmos são capazes de mover montanhas e espantar “os cachorros bravos rosnando” ou “as sombras dançando nos muros”. São essas imagens, vivas no imaginário das crianças, que Basquiat consegue transpor para suas ilustrações, costurando a história que Angelou conta em seu poema com a singeleza necessária a uma obra tão inspiradora.

Lembre-se de quando era criança, deitada em sua cama à noite, esperando o sono chegar: as sombras que se projetam no teto, os estalos que a casa faz, assentando-se em si mesma, o ruído que você não consegue definir muito bem o que é e todos os calafrios que percorrem o seu corpo e te faz esconder debaixo do lençol. As palavras de Maya Angelou são capazes de evocar os medos infantis enquanto nos transporta para uma época de nossas vidas em que o maior de nossos problemas era o monstro debaixo da cama. Mas o eu-lírico de “A Vida Não Me Assusta” não é de se deixar amedrontar por aquilo que não conhece e rebate.

“Bruxa e caldeirão fervente
Leões livres pela frente
Eles não me assustam nada

Dragão soprando cahama
Ao pé da minha cama
Isso não me assustada nada”

Ainda que o medo exista e esteja à espreita, o narrador do poema não esmorece — quase da mesma maneira que Angelou e Basquiat fizeram durante toda a vida. Nascida no estado norte-americano do Missouri, em 1928, Maya Angelou é o pseudônimo de Marguerite Ann Johnson. Após a separação de seus pais, Maya e o irmão passaram a viver com a avó no Arkansas em um ambiente que a fez aprender, ainda menina, o que é a segregação e a discriminação racial, algo intrínseco à vida no sul dos Estados Unidos, um cenário que pouco se alterou após a Guerra Civil norte-americana. Mas ainda que sua infância tenha sido difícil, Maya sempre pôde contar com o amor e apoio incondicional de sua avó que a criou em uma família trabalhadora e orgulhosa, e que sempre recheou a vida da neta com literatura. Maya Angelou cresceu lendo Shakespeare, as Irmãs Brontë e Mark Twain, sementes de histórias que floresceriam com ela anos mais tarde.

Vítima de um estupro aos sete anos de idade, Maya parou de falar pelos próximos cinco anos por conta do trauma vivido. “Parei de falar, mas continuei a escutar. […] Quando decidi voltar a me expressar, eu tinha muito a dizer”. E foi dessa forma que lutou para sustentar, sozinha, o filho que teve aos dezesseis anos de idade, trabalhando incansavelmente em diversos cargos até começar a atuar nos direitos civis dos negros ao coordenar a Conferência da Liderança Cristã do Sul, SCLC, organização não governamental fundada em 1957 por Martin Luther King Jr.. A coordenação na SCLC levou Maya para diversos lugares ao redor do mundo, espalhando o ativismo e os direitos civis dos negros para a Europa, Ásia e África. Em Gana, Maya Angelou se tornou a primeira mulher a editar um jornal semanal em língua inglesa e logo tornou-se professora em uma das universidades do país.

Ao retornar para os Estados Unidos, na década de 1960, Maya precisou servir de ponte entre Malcolm X e Martin Luther King: amiga de ambos, a escritora encontrou um país dividido entre o Nacionalismo Negro de Malcolm X e a integração sem violência de Luther King. Autora de livros emblemáticos como I Know Why The Caged Bird Sings e Letter To My Daughter, apenas para citar alguns, Maya Angelou foi a primeira a receber o título Reynolds Professor of American Studies, título que honrou por mais de trinta anos. Até seu falecimento, em 2014, Maya nunca deixou de lutar bravamente, sem se assustar: ela escreveu, deu palestras, protestou e atuou de maneira apaixonada na defesa dos direitos civis.

Se a arma de Maya Angelou contra os medos que espreitam do escuro era a palavra, a de Jean-Michel Basquiat era a arte. Filho de pai haitiano e mãe porto-riquenha, Basquiat cresceu no Brooklyn, Nova York, na década de 1960. Começou a desenhar ainda aos quatro anos de idade e logo adquiriu o hábito de preencher cadernos após cadernos com suas ilustrações, poemas, contos e o que mais viesse à sua cabeça. Ainda adolescente, Basquiat deixou a casa dos pais e foi viver na Baixa Manhattan, um lugar que inspiraria sua arte na mesma medida que o fariam as tradições africanas, francesas e latino-caribenhas, algo que o artista usou para retomar as origens de seus pais e ancestrais.

É trabalhando dessa maneira que Jean-Michel Basquiat cria desenhos e pinturas poderosas, produções repletas de significados poéticos que expressam todos os seus sentimentos — suas criações conseguem flutuar do humor à raiva enquanto reúnem elementos inusitados como dentes, coroas e flechas, a materiais diferentes e inesperados. Basquiat foi capaz de conectar ritmos, texturas, técnicas e tradições em um trabalho brilhante e atemporal, o que fez dele um dos primeiros artistas negros a quebrar as barreiras raciais presente no universo das artes plásticas. A primeira exposição individual feita por Basquiat tomou forma no ano de 1982, o que o catapultou com mais força ainda para a fama — a mesma fama que o faria se sentir pressionado a ponto de sofrer uma overdose acidental por conta do uso de drogas. Jean-Michel Basquiat faleceu precocemente, aos 27 anos, mas deixou um legado incrível para a história da arte: ele é considerado um dos maiores artistas do século XX e o simbolismo impresso em seu trabalho permanece ressoando até os dias de hoje. Basquiat representou o mundo da forma como ele o entendia, estranho, louco e, até mesmo, um pouco assustador.

A união de Angelou e Basquiat criou em A Vida Não Me Assusta um livro precioso para crianças — e adultos — de todas as idades. A singeleza do poema de Maya Angelou contrasta com a força e as cores vibrantes das ilustrações de Jean-Michel Basquiat e entregam ao leitor o melhor de dois mundos: em meio a adversidade, ao sofrimento, a dor e o caos, poetisa e pintor nos mostram que a coragem para espantar nossos medos reside em cada um de nós. Para espantar as sombras que dançam no escuro, os cães bravos ou os dragões que cospem fogo, só tem uma maneira:

“Eu grito SAI!
E correndo ele vai
E faço zoeira
Da sua carreira
Eu não vou chorar
Ele terá de voar
E eu me divirto
Com o seu faniquito
Nada na vida me assusta”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.


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1 comentário

  1. A vida não nos assunta mais, pois são tantas mudanças que ocorrem em nossas vidas,tantas transformações, tudo mudou, parecem que as coisas saíram do lugar, a linguagem dos jovens e dos adultos são diferentes e ao mesmo tempo sintonizada uma com as outras. muito bom este livro super indico a outros leitores.

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