Categorias: LITERATURA

#DarkLove: para ler mais mulheres

Quantos livros escritos por mulheres você já leu? Alguns anos atrás, se me fizessem essa pergunta, talvez eu parasse para pensar e ficasse sem saber muito bem o que responder. A literatura sempre fez parte da minha vida, cresci lendo e assim permaneci, mas o contato cada vez maior com o feminismo — e ter fundado o Valkirias junto com minhas amigas — me fez pensar cada vez mais a respeito do conteúdo que consumo, seja nos livros ou em qualquer outra mídia. É claro e cristalino que o mercado editorial dá muito mais espaço e suporte para autores do que autoras, e isso se reflete nos títulos que são traduzidos e publicados no Brasil, expostos nos estandes das grandes livrarias e feiras literárias.

4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil — realizada em 2015 pelo Instituto Pró-Livro (IPL), com o apoio da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) — dá conta de que 59% das pessoas que leem com frequência no Brasil são mulheres, mas quando o índice a ser avaliado é da produção literária, esse percentual cai espantosamente. É só parar para pensar, por exemplo, na configuração da Academia Brasileira de Letras, que dentre um total de quarenta membros, possui apenas cinco mulheres em suas cadeiras: Ana Maria MachadoCleonice BerardinelliRosiska Darcy de OliveiraLygia Fagundes Telles e Nélida Piñon. Em 2014, com o intuito de propor mudanças a respeito de quem lemos, a escritora Joanna Walsh deu início a hashtag #ReadWomen, que ecoou, no Brasil, no projeto Leia Mulheres, iniciativa de Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques.

O texto de hoje surgiu a partir de um convite feito pela DarkSide Books, e a ideia é selecionar cinco livros essenciais do selo #DarkLove para que possamos ler mulheres sempre. Os escolhidos são livros que se tornaram especiais para mim de alguma maneira e que têm em comum a narrativa ágil e inteligente, além de personagens femininas singulares e de todas as idades e espécies. O selo #DarkLove é voltado para a publicação de escritoras nos gêneros são os mais diversos — vai de ficção científica à fantasia e romance histórico —, com narrativas das mais variadas. A linha #DarkLove completa cinco anos em março e a editora já anunciou novas autoras, o que ampliará, também, a diversidade das publicadas: Frances Hardinge (A Skinful of Shadows), Katherine Dunn (Geek Love), Patrice Lawrence (Orangeboy), Ann Shen (Legendary Ladies) e Catherine Ryan Hyde (Take me with You).

Não é difícil ler mais mulheres e essa lista está aqui pra te ajudar a começar — ou incrementar — a sua estante.

A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil, Becky Chambers

#DarkLove

“O universo é aquilo que fazemos dele. Cabe a você decidir que papel quer desempenhar. E o que vejo diante de mim é uma mulher que sabe muito bem o que quer ser.” 

A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil é o primeiro livro de ficção científica do selo #DarkLove. Escrito por Becky Chambers, o livro acompanha a vida da tripulação que está à bordo da nave Andarilha enquanto eles exploram a vida, o universo e tudo aquilo que há nele. Ainda que seja um livro de ficção científica, A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil não trata tanto da viagem intergaláctica em si, mas fala muito sobre as jornadas particulares de cada um dos personagens à bordo da nave. Com personalidades e espécies totalmente diferentes, Chambers consegue construir uma narrativa que passeia com facilidade por temas como sexualidade, estereótipo de gênero, estruturas familiares e as diferenças entre as espécies que povoam os planetas imaginados por ela, tornando os personagens a maior riqueza a viajar na Andarilha.

No livro, encontramos romances interespécies, personagens LGBTQ+, debates a respeito do conceito de família, além de muitos outros temas pertinentes para nossa vida fora das páginas. A maneira como a autora consegue balancear a viagem e todos os acontecimentos das vidas de seus personagens nos faz entender os motivos pelos quais o livro recebeu indicações para os respeitados Arthur C. Clarke Award e o Hugo Award, premiações que celebram livros de ficção científica. Erroneamente caracterizado como um ambiente masculino, a ficção científica — nascida da adolescente Mary Shelley em 1818 —, na verdade, é lar de autoras incríveis, como Becky, e personagens femininas únicas e completamente especiais.

Para saber mais: A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil – um ninho de penas entre as estrelasComprar!

O Circo Mecânico Tresaulti, Genevieve Valentine

#DarkLove

“É isso o que acontece quando você dá um passo: você se aproxima daquilo que quer.”

O Circo Mecânico Tresaulti foi o primeiro livro do selo #DarkLove que li. Reunindo uma fantasia steampunk em um mundo pós-apocalíptico, a autora Genevieve Valentine criou um universo em que as pessoas não têm mais acesso à tecnologia e precisam sobreviver como for possível, inclusive se você é um sobrevivente de guerra e teve seu corpo mutilado. É nesse cenário que uma caravana circense tenta levar esperança por onde passa com sua trupe de corpos reconstruídos por meio de complexas peças mecânicas, vindo daí o título do livro.

A escrita de Valentine consegue transportar o leitor com facilidade para esse outro universo, narrando os sentimentos dos artistas do circo com uma riqueza de detalhes que encanta. Mais do que falar sobre a situação difícil em um mundo em pós-guerra, O Circo Mecânico Tresaulti trata dos sentimentos humanos e a busca pelo recomeço, seja por meio das peças mecânicas que substituirão membros amputados, seja por meio das apresentações e a jornada circense. O Circo Mecânico Tresaulti, ainda que pareça uma história triste por conta de seu pano de fundo, consegue embutir esperança em cada linha de suas pouco mais de 300 páginas. A autora mostra, por meio de sua trupe de artistas mecânicos, que é possível sobreviver se perseverar.

Para saber mais: O Circo Mecânico TresaultiComprar!

A Guerra que Me Ensinou a Viver, Kimberly Brubaker Bradley

#DarkLove

“O Jamie e eu também éramos náufragos, mas no fim das contas não tínhamos sido resgatados. Não tínhamos chegado a uma ilha. Ainda lutávamos para não nos afogarmos no mar abalado pela tormenta.”

Em A Guerra que Me Ensinou a Viver, Kimberly Brubaker Bradley retoma a história de Ada e começa a narrativa sem dar saltos temporais daquilo que lemos em A Guerra que Salvou a Minha Vida. No segundo livro da série, Inglaterra e Alemanha permanecem em guerra, e Ada, Susan e Jamie — sem esquecer do pônei Manteiga e do gato Bovril — construíram uma família para si em meio aos escombros de um bombardeio. Retornar para a história de Ada é como abrir os braços para receber amigos queridos e os personagens que tanto amamos não perderam sua essência: Ada permanece um tanto teimosa e arredia, mas sempre muito corajosa e inteligente, enquanto Jamie se permite ser a criança que é e encontra aconchego e carinho nos braços de Susan, que os acolhe. Novos personagens são inseridos na narrativa, enriquecendo ainda a mais a história, mostrando novos pontos de vista de como é estar em guerra.

Kimberly Brubaker Bradley, mais uma vez, consegue construir uma história sensível e emocionante, fazendo com que chegar às últimas páginas do livro seja agridoce: ao mesmo tempo que queremos saber o desfecho da nova aventura de Ada, não desejamos dar adeus. A autora mescla eventos históricos e traumáticos com a inocência das crianças e cria, novamente, uma história que ficará junto do leitor muito tempo depois de concluída.

Para saber mais: A Guerra que Me Ensinou a Viver: invencível AdaComprar!

Minha Vida Fora dos Trilhos, Clare Vanderpool

#DarkLove

“Talvez o mundo não fosse feito de universais que podiam ser arrumados em pacotinhos perfeitos. Talvez só tivesse pessoas. Pessoas que estavam cansadas, magoadas e sozinhas, da sua própria maneira e no seu próprio tempo.”

A protagonista de Minha Vida Fora dos Trilhos, segundo livro de Clare Vanderpool pelo selo #DarkLove — o primeiro é o encantador Em Algum Lugar nas Estrelas —, é Abilene Tucker, uma menina de doze anos inteligente e de grande imaginação. Abilene viveu seus doze anos acompanhando o pai, Gideon, por todo os Estados Unidos enquanto ele buscava por trabalhos na construção de ferrovias. Gideon, preocupado com o crescimento da filha, decide enviá-la para morar na pequena cidade de Manifest, no Kansas, na companhia de um velho amigo; Abilene, no entanto, não aceita muito bem sua nova situação e busca entender, explorando Manifest e sua história, os motivos que levaram seu pai a enviá-la, a princípio, para passar o verão naquela cidade.

A narrativa de Vanderpool é construída entre o passado e o presente de Manifest enquanto Abilene colhe fragmentos da história da cidade procurando pela vida de seu pai. Minha Vida Fora dos Trilhos passeia por acontecimentos reais que vão desde a época da Primeira Guerra Mundial à Grande Depressão norte-americana dos anos 1930, enquanto Abilene vai reunindo o quebra-cabeças que mostrará a ela muito mais do que esperava em uma história de perda, amor, redenção e reencontro. Clare Vanderpool é capaz de reunir fatos reais aos fictícios e costura uma trama em que passado e presente andam de mãos dadas. Em Abilene, encontramos uma protagonista corajosa, cativante e inventiva que faz do amor que sente pelo pai toda a motivação de que precisa para seguir em frente.

Para saber mais: Minha Vida Fora dos Trilhos Comprar!

A Menina Submersa, Caitlín R. Kiernan

“No fim das contas, todo mundo machuca alguém, por mais que tente não machucar.”

Um dos primeiros títulos lançados pela DarkSide Books no selo #DarkLove, A Menina Submersa não é um livro comum. Escrito por Caitlín R. Kiernan e vencedor do prêmio Bran Stoker, A Menina Submersa acompanha a história de India Morgan Phelps, ou Imp, como prefere ser chamada, uma jovem de vinte e poucos anos que sofre de esquizofrenia desorganizada, assim como sua mãe e sua avó. A narrativa de Caitlín reflete aquilo que se passa na mente de Imp, e entre idas e vindas de passado e futuro, visitas a um mundo povoado por lendas, mitos e contos de fadas, conseguimos, aos poucos, construir o mosaico que é a vida da protagonista.

A estrutura narrativa de A Menina Submersa pode causar confusão em um primeiro momento, mas isso faz parte da história que Caitlín pretende contar, as impressões e reflexões de uma mente perturbada e uma imaginação a mil por hora. Neil Gaiman diz que Caitlín escreve como poucos, e o elogio é sincero e real: a autora constrói uma trama intrigante em que não sabemos se é possível confiar em sua narradora, mas que nos cativa pela intensidade do que há em suas pouco mais de 300 páginas. Em A Menina Submersa nada é aquilo que parece ser em um primeiro momento, e aí está todo o encantamento do livro: um relato sincero e ao mesmo tempo surreal de uma mente esquizofrênica e que reúne o fantástico e o assustador.

Para saber mais: A Menina SubmersaComprar!


** A arte em destaque é da editora e autora do texto Thayrine Gualberto.