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A jornada de Alex Danvers em Supergirl

Desde sua estreia, em 2015, Supergirl vem surpreendendo por apresentar tramas coesas, personagens carismáticos e um enredo repleto de empoderamento feminino. Além de contar com um elenco diverso, a série, cuja protagonista é a última filha de Krypton, Kara Zor-El (Melissa Benoist), resolveu colocar outro assunto em foco ao fazer com que Alex Danvers (Chyler Leigh), irmã adotiva de Kara, passasse por uma jornada de autoconhecimento na segunda temporada.

Atenção: este texto contém spoilers

Um burburinho tomou conta da internet (muito por meio do Tumblr) quando a CW divulgou que um dos personagens recorrentes em Supergirl se descobriria homossexual. A segunda temporada começou em 2016 e não demorou muito até que a audiência percebesse que o personagem em questão era Alex, que se viu atraída pela detetive Maggie Sawyer (Floriana Lima), recém introduzida na trama e abertamente lésbica. Era visível o fascínio que Maggie exercia sobre Alex que, até então, não conseguia entender muito bem o que era aquele sentimento que tomava conta dela. A trama da descoberta da sexualidade de Alex foi belamente conduzida e trabalhada tanto pelos roteiristas do seriado quanto pela própria Chyler Leigh, que interpretou a personagem de maneira ímpar, delineando todas as nuances dos sentimentos conflituosos que passavam por ela enquanto tentava se ajustar a essa nova perspectiva.

O entendimento da sua sexualidade acontece de forma gradual: ao recusar a investida de Maggie, porque acredita não ser lésbica, Alex tem um estalo e começa a pensar em si mesma de maneira diferente. No mesmo episódio, ela se abre para Maggie e entende, finalmente, que é lésbica e está interessada na detetive. Mas é a vez de Maggie evitar o avanço de Alex, em muito pelo receio de que a investida fosse passageira e Alex só estivesse interessada na experimentação — o que não é errado, exceto que, para Maggie, o envolvimento resultaria em um coração partido caso Alex decidisse não ir adiante, o que ela não poderia tolerar. Pode parecer frio da parte de Maggie agir dessa maneira, mas é também possível ler sua resposta como um profundo autoconhecimento a respeito de si mesma e do que Alex precisa naquele momento: distanciamento para, primeiro, entender a si mesma e seus sentimentos, e só então embarcar em um relacionamento.

Um ponto central na trajetória de Alex é sua relação com a perfeição. Quando se assume para Maggie, ela diz que, durante toda a vida, foi compelida a ser perfeita em qualquer coisa que tentasse fazer: perfeita nos estudos, perfeita como filha e irmã, perfeita na vida profissional. Mas Alex nunca conseguiu atingir a perfeição em sua vida amorosa e não conseguia entender o que a impedia de alcançar as próprias expectativas. Sua obsessão em ser perfeita, ao que parece, a levou a suprimir sua sexualidade, uma vez que os padrões sociais sempre enaltecem casais heterossexuais, e, mesmo inconscientemente, Alex foi levada a crer que amar uma pessoa do mesmo sexo estava fora da linha de perfeição que ela tanto buscava.

A heteronormatividade, tão intrínseca à nossa sociedade, marginaliza quem não se encaixa no padrão. Alex nunca se sentiu confortável ao se relacionar com homens — mesmo que tenha um breve flerte com Maxwell Lord (Peter Facinelli) na primeira temporada — e sempre sentiu um vazio inexplicável no que tangia ao romance. O fato de que ela nunca considerou ser homossexual como uma opção apenas demonstra o quanto os conceitos da heterossexualidade estão profundamente arraigados em nossa maneira de ver o mundo.

Desde muito jovens somos ensinadas a seguir padrões impostos socialmente, em particular no que tange a sexualidade. Além de ensinarem que apenas homens e mulheres formam um casal e, consequentemente, uma família, lidamos com padrões comportamentais impostos ainda na infância — meninas devem usar rosa e meninos, azul; meninas brincam de boneca e meninos, de carrinho meninas devem ser delicadas e femininas enquanto meninos não podem chorar ou demonstrar sentimentos. São padrões transmitidos por gerações, em um ciclo que cerceia a liberdade do outro e busca impor parâmetros ao nosso desenvolvimento. A heteronormatividade nada mais é do que o padrão constituído e seguido pela maioria, mas não significa que seja ideal para todos. A educação pautada no sexismo é apenas o início da formação de pessoas que, no futuro, estarão despreparadas para aceitar e conviver com aquilo que foge ao padrão.

No caso de Alex, esse pensamento enraizado a fez crer que ser homossexual e ser perfeita eram duas coisas mutuamente excludentes. É somente quando Maggie aparece em sua vida, uma mulher bem resolvida quanto a sua sexualidade, que Alex passa a olhar os próprios sentimentos e tentar entendê-los. Sua revelação para Maggie durante a segunda temporada tem servido, inclusive, de apoio para que parte da audiência — formada, principalmente, por meninas adolescentes — se veja retratada. Todo o misto de emoções de Alex ao se perceber apaixonada por outra mulher reflete a vivência de inúmeras garotas que também estão descobrindo seus sentimentos e muitas vezes não conseguem lidar com eles. À época da exibição do episódio, ao final de 2016, muitos foram os relatos de meninas que puderam se compreender melhor por meio da jornada de Alex, em especial um que foi retweetado pela própria intérprete da personagem, Chyler Leigh.

É realmente importante que no meio de tantas tramas interessantes e personagens femininas de destaque, Supergirl tenha aberto espaço para tratar, também, da representação LGBTQI+ em sua série. Muito se fala sobre como a representatividade importa e como é significativo ter personagens diversos no entretenimento, mas às vezes precisamos nos lembrar dos motivos pelos quais isso é imprescindível. Mostrar às pessoas, principalmente às mais novas, que seus sentimentos são válidos, reais e importam, é vital para seu desenvolvimento saudável e natural, sem traumas ou medo de ser quem verdadeiramente são.

Depois de se assumir para si mesma, Alex ainda precisa se assumir para a família e é Kara quem ela busca primeiro. A irmã sente uma tristeza enorme ao descobrir que Alex passou toda a vida sem conseguir se compreender, talvez por ter que lidar com o segredo da própria Kara, suprimindo essa questão por tanto tempo. E aí Supergirl demonstra, novamente, como pode ser um diferencial na vida de seus fãs: Kara aceita Alex por completo e a apoia, dizendo que ela nunca precisará lidar com todos esses sentimentos sozinha. Em nossa sociedade a homossexualidade não é aceita por muitos, por isso é importante que seriados de grande alcance demonstrem que é possível se assumir em qualquer fase da vida — e, como no caso de Alex, mesmo depois de adulta.

Até o momento, todos os responsáveis por Supergirl estão fazendo um ótimo trabalho com a história de Alex, tratando-a de maneira delicada e coerente em todos os aspectos dessa descoberta tão importante. Programas de super-heróis podem facilmente se perder em superpoderes, vilões, lutas e explosões, então é sempre satisfatório perceber que essas histórias podem ter uma profundidade maior, lidando com temas comuns à vida de qualquer pessoa. Daqui pra frente nos resta continuar acompanhando Alex e seu entendimento a respeito de quem verdadeiramente é e como essa jornada a transformará.