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Mulher ajuda mulher: O Clube das Mães Solteiras

Era uma vez uma pessoa com alguns momentos livres e todo um catálogo Netflix na sua frente. Foi assim que eu e O Clube das Mães Solteiras (sic) nos encontramos.

O título do filme é bem autoexplicativo, apesar de problemático. A trama trata de cinco mulheres que por vários motivos diferentes lutam para criar seus filhos sozinhas. Elas se conhecem quando seus filhos são flagrados infringindo as regras da escola e, para evitar a expulsão, as mães são obrigadas a se reunir para organizar uma festa para a escola (culpabilização da mãe, você está aí?). A partir disso, elas constroem entre si um grupo de suporte e ajuda mútua que vai muito além da criação dos filhos e volta sua atenção para as vidas delas enquanto pessoas completas, além da faceta materna.

Mãe solteira?

Apesar do medo de afastar os leitores por começar já problematizando, achei que era um bom lugar para começar. Quando eu li o título do filme, confesso que fiquei bastante cabreira com o que veria a seguir. Segui em frente pensando mais sobre como é um tema importante de ser abordado do que pelos méritos do filme em si.

Mas por que a expressão mãe solteira é problemática? Simples e fácil: mãe não é estado civil. As capacidades de maternidade não dependem em nada do estado civil da mulher em questão. E, por mais que o fato de ser solteira seja quase garantia de que a mãe em questão seja solo, nem todas as mães solo são solteiras. Mãe solo pode e tem todo o direito de ter uma vida romântica, com o pai da cria ou não.

Na nossa sociedade patriarcal, os encargos dos filhos são considerados “trabalho de mulher”. A pergunta mais comum é sempre “sua mãe não te deu educação não, menino?”, raramente se ouve “seus pais”. Mesmo quando a expressão vem correta, o contexto social não é assim. Se não der para conciliar as coisas, o que se espera é que a mãe largue o trabalho para cuidar dos filhos, não o pai. Mesmo que os dois tenham e mantenham vidas profissionais, é a mulher que acumula o maior peso da dupla jornada (tripla, se considerar também a casa, e quádrupla quando vem também a função de “cuidar” do marido, que está normalmente muito cansado para fazer qualquer coisa).

Nem toda mãe solo é solteira, e nem toda mãe que está solteira é solo (apesar de ser o caso da grande maioria). Criar um filho sozinha não tem relação necessária com o estado civil, e o estado civil não deveria ser um selo de validação para a maternidade. Além disso, a expressão “mãe solteira” carrega uma carga pejorativa imensa, sempre acompanhada por um “quem mandou abrir as pernas” implícito. Em último caso, esse estigma tem uma relação muito estreita com o controle absoluto sobre a sexualidade feminina.

May, Lytia, Esperanza, Jan e Hillary

Todas as mães do clube são, de fato, solteiras. Mas elas são mães solo por motivos diferentes. Algumas já foram casadas com os pais de suas crias e com o divórcio veio o título, algumas escolheram perseguir a maternidade sozinhas, para todas a vida simplesmente aconteceu. Os detalhes do que levou cada uma a essa situação não são muito aprofundados, a questão central é: aconteceu. É a realidade delas, independente das causas.

Apesar disso, cada uma tem uma história completamente única e diferente. May (Nia Long), a personagem central, é uma jornalista de classe média com aspirações a escritora, que cria sozinha o filho tentando compensar a ausência do pai viciado em drogas. Hillary (Amy Smart) é uma dona de casa que sempre delegou a criação dos filhos e, depois do divórcio, é obrigada a demitir a empregada doméstica, Christina (Angela Matemotja), e assumir as responsabilidades suas e do ex-marido na criação das crianças. Esperanza (Zulay Henao), de origem pobre, vive agora uma vida confortável custeada pelo ex-marido rico, que constantemente tira sua autoridade na frente da filha e usa a pensão alimentícia como arma de chantagem para controlar sua vida amorosa. Jan (Wendi McLendon-Covey) é uma mulher de negócios ambiciosa que escolheu ser mãe por meio de inseminação artificial e agora enfrenta os efeitos da maternidade em sua carreira. Finalmente, temos a personagem mais complexa e maravilhosa de todas elas, Lytia (Cocoa Brown), mãe de cinco filhos — o primeiro dos quais aos 16 anos —, que trabalha para sustentar sozinha a casa e criar os três filhos mais novos, sempre morrendo de medo que Hakim (o filho de dez anos, bolsista de escola particular) siga os passos do dois filhos mais velhos que estão presos.

É no mínimo surpreendente ver como um filme de comédia, do qual não se espera normalmente muita profundidade de conteúdo, é tão minucioso e cuidadoso em demonstrar que, ainda que todas as cinco estejam em uma situação muito difícil, e até tenham algumas dificuldades em comum, a questão não afeta a todas igualmente e nem se manifesta da mesma forma para todas. Apesar disso, elas conseguem formar um laço verdadeiro de solidariedade entre si e melhorar um pouco a situação de todas. É uma forma de levar para a prática o provérbio africano que diz que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.

As faces da maternidade que trabalha e outras interseccionalidades

Apesar de tentar mostrar como a questão da maternidade é algo que afeta mulheres independente de cor e classe social, O Clube das Mães Solteiras não foge de colocar o dedo na ferida e mostrar que “todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros”. Isso fica extremamente claro, por exemplo, na comparação dos casos de mães que trabalham: May, Jan e Lytia. Jan e Lytia, principalmente.

Jan, branca e de classe média alta, foi mãe solo por opção (e nesse ponto eu vou me abster de entrar na questão da socialização e da maternidade compulsória, mas fica registrada a ressalva). Ela precisa trabalhar para sustentar a si e a filha, mas ela não tem nenhuma preocupação sobre conseguir pagar as contas no fim do mês; muito pelo contrário, ela tem condições financeiras suficientes para investir em todo o tipo de atividades extracurriculares para garantir que a filha esteja ocupada de forma produtiva e com supervisão adequada mesmo quando ela não pode estar lá diretamente para fazer isso. E ela certamente tem condições suficientes — tanto no âmbito financeiro quanto profissional — para que a subsistência não seja uma preocupação imediata. Além disso, apesar de ser uma adolescente problemática, sua filha branca, menina e moradora de área nobre, está longe das estatísticas de encarceramento. Sim, a maternidade representa um obstáculo à carreira dela, de forma ridícula e preconceituosa, mas o obstáculo está no plano da ambição, e não no da subsistência.

Lytia, por outro lado, pobre e negra, trabalha todos os dias em um trabalho fisicamente muito mais desgastante, e muito mais mal remunerado. A preocupação dela de perder o emprego e não ter como pagar as contas é real. A preocupação de ter que trabalhar e não ter com quem deixar os filhos é diária, a preocupação de não poder estar constantemente vigiando as crianças e o medo de que algo aconteça com elas são tão palpáveis e imediatos que já se concretizaram duas vezes antes. Apesar de seguir o tipo físico da categoria D e resvalar várias vezes em estereótipos comumente associados às mulheres negras (barraqueira, raivosa, alívio cômico), Lytia acaba sendo a personagem mais complexa, profunda e interessante de todas as cinco.

Em contraponto a ela, e mostrando que a mulher negra existe em contextos muito mais variados do que aqueles normalmente reservados a elas na cultura pop, temos May, que foge completamente a esses estereótipos. Ela é uma mulher de classe média, que sustenta sozinha o filho em uma vida confortável e com aspirações literárias. Apesar de muito positivo, porém, é difícil não comparar as características físicas das duas e associar diretamente com a ideia de colorismo.

E aí?

O Clube das Mães Solteiras foi um filme que me surpreendeu muito positivamente. É em geral um filme leve, como qualquer comédia que se preze, mas não se furta em tocar em temas sérios. Em especial, eu fiquei muito satisfeita em ver que a relação entre as cinco mulheres têm mais destaque que seus respectivos interesses românticos, apesar de esses estarem presentes (e firmemente enraizados na heteronormatividade nossa de cada dia).

Outra questão muito bacana é como o filme mantém o foco nas mulheres e encara os filhos como uma das muitas variáveis que compõem as vidas delas. Uma variável importante, sim — possivelmente a mais importante (afinal, são seres humanos, e seres humanos em formação) —, mas sempre mantendo em mente de que mãe é só um dos papéis delas na sociedade, e não tudo o que elas são.