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Da Rolling Stone para o mundo: a fotografia icônica de Annie Leibovitz

Quando surgiu, nos anos 60, a revista Rolling Stone era apenas uma publicação pequena da cidade de São Francisco, nos Estados Unidos e Annie Leibovitz estudava pintura na universidade. Ainda não era exatamente uma revista, enquanto Annie ainda não era fotógrafa, mas surgiu como uma resposta à cultura hippie da época. Os fundadores, Jann Wenner e Ralph J. Gleason, tinham como objetivo criar uma revista que fosse capaz de fazer análises mais profunda sobre músicas, as bandas e a atitude que nascia naquele período.

O máximo que existia na época era a Billboard, com algumas análises rasas e indicações de lançamentos. Eles queriam mais, queriam profundidade, “a intenção original era dar espaço ao rock, mas com inteligência e respeito”, segundo Wenner. O objetivo nunca foi, na verdade, falar apenas de música. Desde o início existia o interesse de falar sobre política, comportamento, já que tudo isso estava inevitavelmente interligado e se influenciando. Em 1967 foi publicada a primeira edição.

Em pouco tempo ela já tinha sua qualidade reconhecida por artistas e músicos influentes. Quando Bob Dylan sofreu o acidente de moto e despareceu em 1966, foi na Rolling Stone que ele revelou as mudanças que faria no seu estilo. Annie Leibovitz não sabia muito sobre rock’n roll, mas ela queria fazer fotos. Era estudante da San Francisco Art Institute, mas fazia pintura, não fotografia. Depois de uma viagem para as Filipinas, fotografando paisagens e o Monte Fiji, Annie voltou decidida a mudar o foco da sua graduação: ela queria estudar fotografia.

Em 1970 suas fotos começaram a ser publicadas na Rolling Stone. Annie conta que, no começo, ninguém na revista se interessava muito pelas fotos, o texto era o que importava realmente. “Os escritores, especialmente escritores de jornal, eram acostumados a trabalhar com fotógrafos que iam com eles para ilustrar suas histórias. Mas um fotógrafo pode ver coisas que talvez o escritor não veja.” Conta Leibovitz, em seu livro At Work. O trabalho de Annie na revista, em pouco tempo, mudaria essa visão por parte das pessoas.

Annie havia feito algumas fotos dos Rolling Stones, a banda, para algumas matéria da revista e algum tempo depois Mick Jagger, o próprio, a convidou para ser a fotógrafa de sua próxima turnê. Ela deixou a Rolling Stone, revista, sem a garantia de ter seu emprego de volta quando a turnê acabasse, e viajou com os Stones em 1975. Ela tirou centenas de fotos, algumas foram publicadas, a maioria ficou no arquivo e até hoje, mesmo depois de dezenas de outros trabalhos em shows e turnês, ainda as considera as melhores fotografias que já fez de um grupo de músicos.

Ela voltou para a Rolling Stone, revista. Esse era apenas o começo das imagens marcantes que Annie daria aos editoriais e ao mundo. Foi um pouco antes da viagem com os Stones, ainda em 1970, que fotografou John Lenon pela primeira vez. Ela não estava na revista há muito tempo e foi bastante persuasiva na hora de convencer Wenner a levá-la com ele, dizendo que, se fosse preciso, ela pagaria pelas próprias despesas. A foto de Lenon, tirada por ela naquela entrevista, seria sua primeira capa.

Dez anos depois, no lançamento de Double Fantasy, de John e Yoko Ono, Annie foi chamada para fazer as fotos. Ela sabia que nenhum dos dois teria problema em aparecerem nus e quis explorar isso. Mas, por alguma razão, naquele dia Yoko não se sentiu confortável em tirar suas roupas. A fotógrafa disse que tudo bem e quis trabalhar com isso. “Você capturou exatamente nosso relacionamento”, foi o que o Yoko disse à ela ao ver a foto. Mais uma capa. Dois dias depois, John Lenon foi assassinado, no dia 8 de dezembro de 1980.

O que chama atenção no trabalho de Annie não é o fato de ela trabalhar com artistas famosos e convencê-los a fazer fotos não convencionais, mas a capacidade de criar fotos incríveis e inesperadas a partir do óbvio. Em seu livro, Annie fala sobre o processo de criação de algumas dessas fotos e a maior parte delas não possui um conceito mirabolante, uma grande explicação teórica por trás da ideia.

A fotografia de Bette Midler deitada sobre um mar de rosas foi feita apenas porque pareceu uma boa ideia. A matéria seria sobre o lançamento de seu novo filme The Rose, e a personagem de Bette se chamava justamente Rose. Whoopi Goldberg conta, no documentário A Vida Através das Lentes, que durante a sessão Annie disse a ela “eu quero uma foto de você saindo de todo esse branco”. E então surgiu a foto incrível de Goldberg em uma banheira de leite, com o rosto, braços e pernas pra fora. Para Annie, essa foto foi uma surpresa total. A única ideia que ela tinha é que queria uma banheira com leite e Whoopi dentro dela.

“Criar fotografias com um conceito forte era, em parte, uma resposta ao fato de ter tantas capas na Rolling Stone. Eu pensava que uma capa deveria ter uma ideia. Eu ainda acho, mas isso tem ficado cada vez mais difícil. Capas devem vender as revistas, e editores sempre querem descobrir o que funciona e o que não funciona.”

Annie acompanhava artistas em viagens e se misturava a sua equipe. Fotos espontâneas e de momentos que dão a impressão de que as pessoas nem sabiam que ela estava ali. Em sua longa colaboração com Arnold Schwarzenegger, essa característica fica evidente. As fotos no quarto de hotel parecem nos colocar ali, no momento, ao mesmo tempo em que carregam o profissionalismo e a qualidade de Annie na montagem da composição, da história da foto.

Em 1991, Annie havia saído da Rolling Stone e começado a trabalhar na Vanity Fair. Foi esse o ano da famosa foto com Demi Moore. As duas já haviam trabalhado juntas em diferentes ocasiões, Demi estava grávida e Annie tinha interesse em fotografar mulheres grávidas — o que ela nunca havia feito antes. A ideia era que Moore parecesse glamourosa e sexy. Testaram diferentes vestido, joias, diamantes, lingerie. Algumas foram escolhidas para sair na matéria.

A foto de capa, entretanto, mostra Demi grávida, nua, cobrindo o seio com uma das mãos, e foi um grande escândalo na época. Leibovitz conta que não imaginava essa repercussão, nem por um segundo. As fotos de Demi nua eram apenas para ela, não havia a intenção de serem publicadas. No processo de revelação é que Annie viu o potencial, e Demi concordou em publicá-las. Algumas críticas diziam que a imagem era pornøgráfica, um atentado contra a família. Demi sofreu ataques e criticas. “As pessoas acham a maternidade linda, mas ela deveria ficar atrás de portas fechadas ou qualquer coisa assim. É incrível. Eu nem consigo acreditar”, foi o que disse Demi na época.

Apesar das controvérsias, a foto foi responsável por uma transformação na representação de mulheres grávidas em revistas e na mídia em geral. Além de ter sido recriada dezenas de vezes por outras famosas, estabeleceu uma nova abordagem da gravidez na fotografia; a maternidade podia ser mostrada de forma sensual e glamourosa.

Uma outra característica do trabalho de Leibovitz é que ela sabe usar suas referências. É possível estabelecer um paralelo muito claro entre a sua fotografia e pinturas de artistas clássicos. Especialmente em sua produção mais recente, Annie deixa clara a influência de artistas consagrados na constituição das poses que usa, no conceito. Entretanto, ela é capaz de criar um conceito completamente novo, atual. Em muitos casos, essas referências sequer são notadas, mas elas estão ali, sutis.

Em muitas pinturas, a virilidade masculina é demonstrada não só na pela posição corporal e os ombros largos; homens montados em cavalos, músculos. É o caso da pintura “Napoleão no passo de São Bernardo”, feita por Jacques Louis David, em 1801, e a foto de Schwarzenegger sobre o cavalo. O que Annie faz não é recriar a pintura ou outra peça de arte com referências atuais. Ela usa, nas suas imagens, apenas o apelo, as características que dão o tom ao que ela usa como referência. Ela recria, da sua própria maneira.

Annie é brilhante nos seus trabalhos e está sempre estabelecendo um novo patamar. A qualidade do seu trabalho e a sua dedicação a ele foi definida, de vez, por causa de Susan Sontag, escritora, crítica de arte, ativista, professora e uma série de outras atribuições. Sontag, falecida em 2004, escreveu sobre conflitos internacionais, direitos humanos, fotografia, mídia e cultura, comunismo e dezenas de outros temas, sempre de maneira brilhante. Susan e Annie não assumiram publicamente o relacionamento que tinham enquanto Susan esteve viva. Em seus diários, Susan desde os 15 anos reconhecia ter atração por outras mulheres, “eu sinto ter tendências lésbicas (e escrevo isso com relutância)”. Nos anos 2000, chegou a dar declarações sobre a sua bissexualidade. Leibovitz só iria falar do relacionamento das duas em 2006.

Annie conta que Susan estabeleceu um nível alto, porque ela esta em um nível alto. Ela pensava que, para estar com Susan, ela teria que atingir esse outro patamar, porque Susan não iria aceitar que fosse diferente. Ela queria que Annie fosse melhor, que se dedicasse. “Ela estabeleceu um padrão alto. Mas ela não precisava fazer muita coisa para estabelecer esse padrão, ela era o padrão, ela era uma mulher extraordinária.” Annie é um ícone na fotografia e na cultura pop. Pode ser que antes desse artigo você pode nunca tenha ouvido falar sobre ela, mas provavelmente já havia visto alguma de suas fotografias. A foto de John e Yoko foi eleita, em 2005, a melhor capa de revista dos últimos 40 anos pela American Society of Magazine Editors (ASME). O segundo lugar também é de Leibovitz, com a foto de Demi More.

Suas fotografias tem sido expostas em museus e galerias de arte pelo mundo todo — de Nova York à Moscou. Foi considerada “Lenda Viva” pela biblioteca do Congresso norte-americano, recebeu o Prêmio Princesa das Astúrias em Comunicação e Humanidades, uma medalha da Sociedade Real de Fotografia em Londres além de dezenas de outras honrarias de organizações artísticas e de fotografia. Para saber mais sobre a vida e obra da fotógrafa, o documentário A Vida Através das Lentes está disponível na Netflix, além disso, no livro At Work onde Annie fala sobre o trabalho e a carreira.

1 comentário

  1. Que texto incrível! Uma verdadeira aula de história e fotografia ao falar da vida e do trabalho de Annie. Já havia ouvido falar sobre ela, mas fiquei mais interessada ainda. Parabéns, Bruna!

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