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MC Linn da Quebrada e o empoderamento do feminino

A música popular brasileira sempre foi um espaço de divergência em relação à hegemonia. E, por música popular brasileira, me refiro não só a Caetano, Gil, Chico Buarque e toda nossa leva de bossa-nova. Eu me refiro também ao rap nacional e ao funk, gêneros que encontram em suas vertentes tupiniquins espaço para se desdobrarem em insurgência.

Foi numa festa funk que eu, pela primeira vez, ouvi MC Linn da Quebrada. A música era “Talento” e era uma crítica a como os caras acham que podem tudo por ter um pinto. Eu gostei de primeira e, desde então, comecei a assistir suas entrevistas e acompanhá-la em suas redes sociais.

Em suas palavras, MC Linn da Quebrada está uma bicha transviada, preta e periférica, em constante experimentação daquilo que pode ser. Com apenas 25 anos, Linn tem se destacado no funk paulista por tratar das questões de gênero em suas composições. “Talento” tem mais de 70 mil visualizações no YouTube, enquanto “Enviadescer” já atinge 180 mil views.

mc linn

Sua proposta é usar o funk — que ela considera como uma linguagem acessível capaz de atingir as pessoas em sua realidade — para revolucionar o lugar do feminino nesse gênero musical. E entenda-se aqui feminino como qualquer corpo que carrega uma marca feminina, seja um corpo feminino cis ou um corpo transformado/performado. Conforme Linn, o feminino sempre foi desprezado dentro do funk, colocado como um lugar menor o que, por consequência, contribui para a perpetuação do machismo.

E daí que surge a proposta de “enviadescer”, de ser bicha afeminada e ter orgulho disso. De empoderar o feminino que ela carrega em seu corpo. O que acho interessante sobre Linn, é que ela consegue tratar até mesmo da misoginia existente entre homens gays que, por vezes, olham com mais desprezo para outros homens gays que consideram mais “femininos”. Essa nuance do machismo quase consegue passar despercebida e camuflada no meio do resto do ódio que as mulheres sofrem, mas não escapou aos olhos e música da MC Linn.

Mas ela ainda é mais. Transexual no país que mais tem assassinatos motivados por transfobia no mundo, Linn tem consciência de como sua existência é política. E é isso que ela diz em entrevistas: tudo que fazemos é política. Existir, assumir-se transexual e falar do seu corpo são atos políticos. Mostrar através da música e de sua performance que corpos como o dela existem e também importam é um ato político. É só pensar: quantas cantoras transexuais você conhece? Quantas travestis você viu na televisão recentemente? A própria existência de Linn é subversiva.

MC Linn da Quebrada traz pra música o questionamento essencial do empoderamento feminino: o que é ser mulher? O que entendemos por feminino? Por que carregar o feminino nos torna tão vulneráveis diante do mundo?

O mais impressionante é que a Linn é capaz de tirar esse debate de gênero dos lugares aos quais ele normalmente está associado. Eu mesma só fui começar a pensar sobre o que significa ser mulher durante minha graduação. Mas Linn desloca o debate e o leva pra dentro do funk (justo do funk, considerado cultura sem valor por tantas pessoas), potencializando seu alcance e permitindo que ele se aproxima das jovens e das periféricas de todo país.

Há dois meses atrás, junto com Liniker e os Caramelows, Linn lançou sua mais nova música: “Mulher”, uma ode às travestis que lutam todos os dias pelo direito de brilhar e existir. Vendo o vídeo, meio emocionada com tanta força, fiquei pensando se essas novas cantoras são o abre-alas pra um tempo em que o Brasil pare de jogar pedras e bosta em suas Genis.