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This Is Why: o rock dançante de humor autodepreciativo do Paramore

Depois de várias fases, altos e baixos, risos e lágrimas, uma das maiores bandas de rock alternativo dos anos 2000, o Paramore, está de volta, após cinco anos de hiato, com o sexto álbum de estúdio, This Is Why. Com a mesma formação desde 2017, quando lançaram After Laughter, com Zac Farro, Hayley Williams e Taylor York, a banda considera que This Is Why seja o melhor álbum deles até agora. Eles estão mais maduros, mais seguros do que a banda representa para cada um deles, e da amizade do trio.

This Is Why é um álbum nascido de um período de pandemia, principalmente entre os anos de 2020 e 2021, e com o qual ainda estamos tentando aprender a lidar. As experiências pessoais do trio — entre eles agorafobia, raiva, conflitos entre egoísmo e autopreservação, apatia, vingança, superioridade moral, nostalgia, dissociação — são expostas nas letras do álbum lançado em 2023. O som da banda traz tudo que já era a cara deles, nos fazendo dançar e sentir todas as emoções que as músicas evocam, e também trazem algo de novo para o cenário do rock alternativo.

Como alguém que cresceu com a banda, consigo ver todo o desenvolvimento deles de maneira clara. O álbum coloca em um mix todos os medos pessoais do trio com que, de certa forma, todos podemos nos identificar. Durante a entrevista que a banda concedeu à Apple Music, Zane Lowe, que conduzia a conversa, descreve o sentimento que encapsula todo o álbum: as novas músicas falam de sentimentos e emoções identificáveis, universais, mas que, mesmo assim, ninguém entende por completo.

A faixa título do álbum, que também é a primeira faixa do disco que conta com dez músicas, “This Is Why”,  é contagiante. O trio canta sobre ter motivos para continuar dentro de casa, evocando ali o período de isolamento que vivemos, mas também falando do período de pausa que tiveram enquanto grupo, entre o último álbum, After Laughter, e esse. Foram anos em que os membros da banda tiraram para trabalharem em si mesmos, inclusive em álbuns solo. Hayley, por exemplo, lançou dois álbuns solo, que vieram junto com a pandemia. Ao mesmo tempo em que a música fala sobre a solidão e o privilégio de poder se isolar em casa, ela também fala do quão ruim é precisar estar isolado. A banda também não quer opinião alheia e se sentem bem com eles mesmos, depois de todo esse período de descobertas. “This Is Why” dá um gostinho do que o Paramore veio fazer nessa era: nos fazer refletir, dançar e bater a cabeça ao mesmo tempo.

A faixa da sequência, “The News”, é para ouvir como algo que reflete as notícias que nos cercam o tempo todo, nos deixando apáticos e, ao mesmo tempo, paralisados por não podermos mudar o cenário de tragédias que acontecem o tempo todo ao nosso redor. Enquanto estamos seguros em casa, ao redor do mundo tudo parece mudar para pior enquanto uma guerra de sentimentos conflituosos acontece dentro de nossas cabeças, nos fazendo sentir culpados simplesmente pelo fato de continuarmos seguindo em frente, enquanto o mundo desmorona. É um som pesado e dançante, com uma ponte forte e impactante. E como jornalista, senti de novo o impacto de conflitos internos com o meu trabalho, como senti com o clipe de “Rose Colored Boy” de 2018.

As notícias diárias, e trágicas, nos deixam com uma sensação meio conformista de tudo. A ponte de “The News” aponta que as notícias são exploradoras e performáticas, e que  a gente não sabe da metade das coisas. E, ao final de tudo, normalizamos todo o caos do noticiário — e isso é o Paramore não brincando em serviço. Além de nos alertarem sobre o caos do noticiário, “The News”, principalmente o vídeo, fala sobre como as redes sociais e tudo o que vem com elas também traz toda mistura de ansiedade, culpa e paralisia.

A representatividade que os atrasados precisavam veio com “Running Out Of Time”. Como a rainha do atraso, posso dizer que fui contemplada pela banda cantando sobre as desculpas que damos automaticamente, e o quanto temos boas intenções com isso, mas que seguimos correndo contra o tempo sempre. É uma corrida exaustiva e que, às vezes, até conseguimos vencer, só para nos surpreender com o fato e, em seguida, voltar a nos atrasar. A corrida é meio sem sentido porque não existe uma linha de chegada, mas a corrida eterna simplesmente existe. Nós, os cronicamente atrasados, sofremos. Hayley disse na entrevista para Zane Lowe, que se inspirou no fato de que, quando estava muito próxima de Taylor Swift, descobriu que a amiga tem um quarto em sua casa onde guarda presentes para dar para os amigos e parentes. Foi então que Hayley se deu conta de que sua vida estava fora de ordem porque ela tem presentes de Natal no carro que nunca nem teve tempo de entregar.

“Running Out Of Time” conta com um excelente clipe, que mistura referências a obras de Salvador Dalí, da saudosa estilista Vivienne Westwood, Midsommar, Alice No País das Maravilhas e até vídeos antigos da banda. E ainda traz o Kit-Cat Clock, um relógio famoso que fez aparições em diversos filmes e clipes, inclusive no vídeo de “We Are Never Ever Getting Back Together” de Taylor Swift. A música nos faz refletir sobre o quanto estamos constantemente correndo contra o tempo, sem nunca parar. Para onde estamos correndo? Porque não é exatamente o fato de estarmos atrasados para compromissos, consultas, entrevistas: estamos correndo contra o tempo, numa batalha perdida de modo geral.

Com essa reflexão sobre a procrastinação e a ansiedade que nos levam a correr constantemente e sempre nos atrasar, chegamos à próxima faixa, “C’est Comme Ça”. Nela, o Paramore admite que o processo de se curar, de ser melhor, de superar qualquer que sejam nossos demônios, é meio tedioso. Nosso caos, além de confortável, é necessário na vida, até para admitirmos que tentar melhorar é muito mais sobre um processo e não do fim de uma linha. E que assim seja. A música tem um toque de humor sarcástico perfeito, onde Hayley canta que em um ano ela envelheceu mil, e a vida social dela se resumia a uma consulta médica. E quem não vai se identificar? A vida depois dos vinte e tantos parece que nos leva a socializar na recepção de clínicas médicas, fila do mercado e da farmácia. Ainda mais nos tempos de pandemia. Estamos fadados a nos entender com esse período que ainda não acabou e que vai nos marcar para todo o sempre.

Em “Big Man, Little Dignity”, a banda aborda o fato de que homens brancos que tiveram o poder esse tempo todo, sempre vão ter como se livrar do passado, para repetir o mesmo ciclo de destruição a favor deles mesmos. O ciclo parece sempre se repetir, e enquanto as tragédias são empilhadas uma acima das outras, enquanto vivemos nossa corrida contra o tempo e tentamos fugir dos nossos demônios, os homens brancos no poder vão continuar ganhando em cima de tanto sofrimento. Às vezes, nem precisam ser os homens no poder, mas os homens comuns que nós conhecemos. Apesar de Hayley deixar claro que ela conhece muitos homens bons, inclusive Zac e Taylor, é aquilo: nem todo homem, mas sempre um homem.

Seguindo para a próxima faixa do álbum, Taylor York admitiu se sentir inseguro quanto a “You First”, porque considerou que não deu tudo de si na guitarra dessa faixa. Mas ela é simplesmente uma das melhores, mesmo em um álbum que, como um todo, é sensacional, que fez de “You First” a música de abertura da turnê da América Latina. Essa canção é bem raivosa e também uma das que aborda a superioridade moral de certa forma. Esse é um tópico sobre o qual o Paramore sempre canta, sobre como não somos nem heróis, nem vilões, mas pessoas acima de tudo. Porém, em “You First”, a banda decide que, sim, todo mundo é um cara mau, mas que uns são mais do que outros — e que o carma venha para essa pessoa primeiro. Acredito que todos nós já passamos pela situação de pensar que certas pessoas merecem pagar pelas suas ações primeiro do que a gente merece pagar pelas nossas. Porque, por mais que ninguém seja perfeito, às vezes, o desvio de caráter é uma escolha que define as pessoas.

“You First” começa com a Hayley cantando em alto e bom som sobre como viver bem não é uma simples vingança, mas sim um privilégio. Por que é isso, por mais que os caras maus existam, é um privilégio conseguir se livrar do peso e do trauma que eles nos deixaram, e conseguir viver bem, na medida do possível. E, apesar disso, os nossos demônios nunca vão embora de verdade. Aqui, somos apresentados a frase de nossas vidas com uma trope conhecida pelos fãs dos filmes de terror: “Acontece que estou vivendo em um filme de terror, onde sou a assassina e a final girl. Então quem é você?”.

“Figure 8” é pesada. E é tão genial. A parte instrumental é repleta de simbolismos por passar a ideia do som que o número 8 faria. O número oito deitado é conhecido como o símbolo do infinito, a eternidade e o potencial divino. A canção “Figure 8” vai tratar sobre ser usado por alguém que se aproveitou de você até a última gota. Você começa a se odiar pelo que se tornou e entra em um loop de autocomiseração. A faixa é sobre estar perdida em um ciclo de autodestruição infinito, sem começo e fim. Às vezes, como Hayley canta em “You First”, sendo a assassina e a final girl, podemos ser a nossa própria vilã, referenciando até mesmo um dos versos mais marcantes de “Caught In The Middle”, canção do After Laughter, sobre não precisar de ajuda para se sabotar. Claro que podemos nos perder com a ajuda de alguém ou algo que vai nos levar para um caminho ruim, mas a sensação de que podemos ir por esse caminho sem ajuda de terceiros é grande.

Acredito que “Liar” seja a balada romântica mais bonita que o Paramore já fez. E a mais honesta. Ela tem referências musicais e líricas de “Crystal Clear” do álbum solo da Hayley, Petals For Armor, produzida por Taylor York. Hayley nunca falou abertamente com todas as letras sobre o relacionamento dela com York, mas eles estão juntos e é muito bonito perceber como a letra eleva o amor, concluindo que ele não enfraquece ninguém, que quem está sentindo não deveria ter vergonha do sentimento. Na já citada entrevista para Lowe na Apple Music, Hayley decidiu ser mais aberta a respeito desses sentimentos ao falar sobre a música, comentando que sempre teve medo das pessoas a criticarem e falarem sobre como “ela vai namorar todos os membros da banda”, e então mentiu para si mesma sobre o que estava sentindo com relação a Taylor. Foi nesse momento de reflexão em que Hayley se percebeu assustada ao descobrir que amava Zac e Taylor de formas diferentes.

Em “Crave”, o Paramore canta sobre a nostalgia dos momentos, sobre o medo de não estar vivendo aquilo direito, por saber que vai acabar. E de novo, a música é linda e emocionante. A ponte traz um respiro reconfortante, e a gente se sente abraçado e compreendido por romantizar todos os momentos. Sempre tive a sensação de que em alguns momentos, por medo de que acabasse, ou medo de que eu não vivesse mais coisas como as que eu estava vivendo, eu dissociava. Às vezes me sentia desligada do momento e tentava lutar contra aquela ansiedade de que o momento ia acabar, ou de que eu estivesse pulando para o futuro, e perdendo aquilo ali.

O que nos leva a mencionar de novo, outra música solo da Hayley, “First Thing To Go”, em que ela se pergunta porque os momentos não brilham como as memórias. E é exatamente isso. Às vezes nos desconectamos do momento, antecipando seu fim, e nos restam as fotos com aquelas memórias, que são tudo o que ficou. E mesmo com as fotos e vídeos, o momento parece não nos pertencer. Mas deveríamos tentar se conectar com o que está acontecendo no presente. É muito difícil viver no aqui e agora, dentro do nosso corpo, quando somos pessoas ansiosas, depressivas e assustadas. Temos medo de não viver coisas boas, e as perdemos mesmo assim. Nos agarramos às memórias e, quando elas não são o suficiente, e nos sentimos culpados por não viver o momento, e o ciclo infinito de uma crise de ansiedade se inicia, ou se repete. E aqui há, novamente, uma conversa com canções antigas da banda. Em “Caught in The Middle”, o Paramore canta sobre não conseguir olhar para trás, mas também não conseguir olhar para frente enquanto está paralisado entre os traumas do passado e uma ansiedade sem explicação quanto ao futuro.

O álbum fecha com “Thick Skull”, uma música que Hayley se levanta contra todas as críticas negativas dirigidas a ela e tenta deixar isso para trás. Ela não se arrepende de nada do que tenha feito hoje em dia, mas começou a brincar com a hipótese de todas as coisas que diziam sobre ela serem verdade. Ela sempre foi a vilã. Tudo dava errado por causa dela. A culpa sempre foi dela. É como se ela respondesse a pergunta que faz em “You First” e definisse que sim, ela é a assassina. E a faixa é sobre a sensação libertadora de se desapegar da culpa por coisas que não são verdadeiras, por versões de você que não existem. Mesmo que, para isso, você precise colocar o avião no modo automático, já que não adianta tentar mudar o que as pessoas acham sobre você.

“This Is Why”  é um conjunto de dez faixas preciosas: o álbum nos faz dançar, sentir raiva, sentir medo, chorar e respirar de alívio e nos ajuda a nos livrar de pesos que não sabíamos estar carregando. Depois de tanto tempo sem o Paramore, valeu a pena esperar pela volta dessa banda tão amada. Em março, o Paramore fez uma turnê pela América Latina, passando por Chile, Argentina, Peru, Colômbia e claro, pelo Brasil, com três shows lotados. Com um show no Rio de Janeiro, no Qualistage, e dois shows em São Paulo, os quais fizeram o Centro Esportivo Tietê lotar e, mesmo debaixo de chuva, demonstrar todo amor e saudade. Principalmente por Zac Farro, que depois de voltar para o Paramore, ainda não tinha feito turnês aqui com a banda, cujo último show em solo brasileiro tinha sido em 2014, sem os Farro. Despedindo-se da América do Sul, o Paramore foi direto para os braços de Taylor Swift e os shows de abertura de sua The Eras Tour. Nos shows no Brasil, Hayley prometeu não demorar para voltar, e já seguimos ansiosas pelo data do nosso reencontro.