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The Last Czars: um retrato da Rússia por quem não entende a Rússia

Durante os anos que sucederam o assassinato dos Romanov até a descoberta dos corpos da família, casos de possíveis sobreviventes surgiam com demasiada frequência, alimentando a ideia de que membros da realeza russa estariam vivendo entre pessoas comuns. Identificada em meados de 1920, após uma tentativa de suicídio em Berlim, Anna Anderson foi apenas uma das muitas pessoas a reivindicar o sobrenome da família, mas foi a mais famosa a fazê-lo — e sua origem misteriosa, tanto quanto as semelhanças físicas com a grã-duquesa Anastasia, fizeram com que, por vários anos, se acreditasse que ela de fato poderia ser a filha do último tsar russo. Somente anos mais tarde, e algum tempo após sua morte, é que o mistério sobre sua verdadeira identidade foi revelado, comprovando que Anna não possuía nenhum grau de parentesco com a família de Nicolau II, tampouco com a de sua mulher, Alexandra Feodorovna. Nada disso impediu que a história de Anna fosse destrinchada em livros, filmes e séries, no entanto, o que não apenas alimentou o mito em torno da família, como a transformaria em uma parte indissociável dessa narrativa.

Em The Last Czars, Anna (Indre Patkauskaite) não é uma personagem central, mas sua presença funciona como ponto de partida para fatos cruciais à série. Seu encontro com o antigo tutor das crianças, Pierre Gilliard (Oliver Dimsdale), possibilita um passeio pelo passado da família, desde a ascensão de Nicolau II até os acontecimentos políticos e sociais ocorridos durante o seu reinado, culminando no trágico fim da dinastia. A série percorre eventos que vão desde a Tragédia de Khodynka e o Domingo Sangrento, até a Primeira Guerra Mundial, entrelaçando-os aos acontecimentos do seio familiar dos Romanov. Se a Revolução de 1917 trouxe consequências indiscutíveis para a Rússia e alterou para sempre o curso da história mundial, The Last Czars enfatiza que seus efeitos começaram a ser sentidos muito antes, inclusive na realeza, repercutindo na tomada de decisões tanto quanto na vida privada de seus membros.

A narrativa desenvolve-se em duas linhas de tempo distintas — passado e presente —, e conta também com a participação de pesquisadores e escritores que contribuem com reflexões sobre os acontecimentos a partir de uma perspectiva histórica. É um formato que, por si só, causa certo estranhamento: a mistura entre ficção e documentário cria um material singular, mas não necessariamente em um bom sentido. Por um lado, é difícil estabelecer qualquer tipo de conexão com personagens tão mal explorados quanto estereotipados; por outro, a parcela documental tampouco se justifica, fornecendo informações que poderiam ser melhor desenvolvidas em uma versão inteiramente ficcional — algo que a própria Netflix já havia sido muito bem sucedida em fazer. Entretanto, se The Crown se utiliza de seu grande orçamento para criar uma narrativa coerente, que dramatiza e manipula situações (a hostilidade entre a rainha Elizabeth II e sua irmã mais nova não necessariamente existiu como afirma a série, por exemplo) a partir de um trabalho minucioso de pesquisa, The Last Czars transforma suas muitas possibilidades em um híbrido caótico que não funciona nem como uma coisa nem como outra. Há uma profunda ausência de cuidado, tão evidente que parece impossível imaginar que essa é a mesma obra que vende a si mesma como uma referência de valor histórico e documental, mas é.

A série fornece um primeiro vislumbre da família ainda no funeral de Alexandre III, quando Nicolau (Robert Jack) e Alexandra (Susanna Herbert), então um jovem casal às vésperas do casamento, são alçados repentinamente ao trono russo; responsabilidade com a qual não esperavam ter de lidar tão cedo ou com tão pouca idade. Em 1894, Nicolau e Alexandra tinham, respectivamente, 26 e 22 anos, e um conhecimento bastante limitado sobre o império — ela, porque era uma forasteira; ele, mais gravemente, porque não havia sido realmente preparado para ocupar o lugar do pai. É verdade que, durante seus anos de formação, Nicolau recebera uma educação privilegiada, mas fora privado justamente daquilo que lhe faria mais falta no futuro: o contato com a complexa realidade social da Rússia. Em partes, a culpa poderia ser atribuída ao próprio Alexandre que, esperando viver por mais tempo, ignorava a possibilidade de deixar um herdeiro despreparado. Mas Nicolau, ao seu próprio modo, nunca havia estado particularmente inclinado a esses assuntos — uma característica mantida durante todo o seu reinado e que, décadas mais tarde, levaria alguns historiadores a apontá-la como um dos muitos fatores responsáveis pela queda da dinastia.

Nada disso é explorado por The Last Czars, que prefere manter-se apenas na superfície de detalhes tão complexos quanto intrigantes. Sua parcela ficcional permite um olhar mais atento à pessoa que fora Nicolau — oportunidade perfeita para esmiuçar suas angústias e inseguranças, e destacar o peso de suas escolhas ou a relação que mantinha com a Coroa, a dicotomia entre a crença na divindade de seu papel e a inaptidão para exercê-lo, ou a completa ausência de interesse nas tarefas que lhe eram atribuídas. Mas não é o que realmente acontece, uma vez que a série parece mais interessada em ocupar-se com dramatizações excessivas, tornando sua narrativa simplória, e seus personagens, nada mais do que arquetípicos.

O primeiro episódio sintetiza grande parte dos problemas presentes na narrativa e que tornam seu texto tão particularmente falho. Quando o grão-duque Sergei Alexandrovich (Gavin Mitchell) afirma, ainda no velório de Alexandre, em uma das cenas mais desnecessariamente desconfortáveis de toda a série, que o cadáver do irmão fede, ele não apenas estabelece a si mesmo como um estereótipo do conservador mau desprovido de quaisquer nuances, ele também reforça o quanto a série falha em estabelecer suas prioridades — e a precisão histórica, tanto quanto o respeito a tradições e costumes, não parece ser uma delas. De fato, Sergei fora um conservador radical, defensor ferrenho da monarquia absolutista, um homem tão religioso quanto frio e arrogante, e odiado em toda a Rússia. Mas seu comentário sobre o antigo tsar é tão absurdo quanto impensável, e tampouco seria ignorado como acontece na série.

The Last Czars

Ao mesmo tempo, sua biografia revela detalhes mais complexos de sua personalidade que o distanciam radicalmente da figura criada pela série. O visível desconforto em situações públicas, os rumores sobre a natureza de seu casamento, a ausência de filhos biológicos e as suposições sobre sua sexualidade são alguns dos pontos ignorados pelo enredo que, de outra maneira, também não teria tempo de desenvolvê-los — não quando pretende dar conta de pouco mais de vinte anos de história em apenas seis episódios. Embora seja difícil estabelecer o que de fato era verdade e o que era apenas fruto de boataria (a maior parte de suas correspondências foi perdida ou destruída), é evidente que Sergei não se limitara ao papel do tio mau e reacionário sempre pronto a dar péssimos conselhos. E ele não é o único: nomes como o da imperatriz Maria Feodorovna (Bernice Stegers), mãe de Nicolau, Elizabeth Feodorovna (Elsie Bennett), irmã de Alexandra e esposa de Sergei, e até mesmo os filhos do tsar aparecem de maneira apressada, sendo pouquíssimo ou apenas não desenvolvidos. O mesmo ocorre com Iakov Iourovski (Duncan Pow), Ivan Kalyayev (Leonardas Pobedonoscevas) e Alexander Kerensky (Kestutis Cicenas), muito embora tenham exercido papéis importantes no processo anterior e durante a Revolução de 1917. Em comparação, todos dividem a sina de serem coadjuvantes, o que ajuda a explicar, ao menos parcialmente, por que suas narrativas são deixadas em segundo plano.

Mais difícil é explicar o que acontece com Nicolau e Alexandra, indiscutivelmente os protagonistas, que não escapam ao mesmo mal. Com uma dinâmica construída sobre as bases aparentemente sólidas de sua intimidade — que serve, principalmente, para que possamos lê-los, antes, como seres humanos e só depois como figuras históricas —, muito de sua relação consiste em demonstrar o que fazia deles um casal tão fora da curva dentro da monarquia. Enquanto a maior parte dos enlaces reais funcionavam como alianças políticas, Nicolau e Alexandra casaram-se por… amor. O que não significa que eles não tiveram problemas, é claro. Ao contrário, desde o princípio, o relacionamento encontrou barreiras que foram ultrapassadas com alguma dificuldade — a religião de Alexandra, o fato de não ser a melhor das pretendentes ao herdeiro do trono russo — ou que continuaram a existir mesmo após a união — como o fato de Alexandra nunca ter sido vista com bons olhos (na corte ou para além dela) ou a aparente incapacidade do casal em gerar filhos homens, os únicos capazes de herdar o trono desde o fim do reinado de Catarina, a Grande, quando mulheres perderam o direito de sucessão.

Desnecessário dizer que essa é apenas uma das muitas oportunidades desperdiçadas pelo roteiro, que não demora a estabelecer essa intimidade como um mero acesso privilegiado à vida sexual do casal. Ainda que existam momentos de ternura e cumplicidade, poucos são os que sobrevivem às circunstâncias, especialmente após a coroação (ocorrida apenas em 1896, ao contrário do imediatismo que a série parece sugerir), quando Nicolau passa, compreensivelmente, cada vez menos tempo com a família. A situação política do país e a incapacidade em tomar decisões sábias diante da instabilidade crescente o fazem uma pessoa facilmente manipulável, sempre sujeito à influência de terceiros, sempre suscetível ao desejo de mostrar serviço — e mostrar serviço, nesse caso, significava necessariamente conquistar novos territórios e prover um herdeiro, duas coisas aparentemente impossíveis de acontecer. Porque ter um filho homem estava além do seu controle, The Last Czars transfere abertamente o seu foco para a guerra contra o Japão. Não seria nem a primeira nem a última vez que Nicolau falharia tão miseravelmente como líder (a essa altura, o país já havia testemunhado a Tragédia de Khodynka), mas porque a presença de Sergei era uma constante, parte da responsabilidade do tsar se dilui, transformando-o em um protagonista mais palatável em oposição a um mentor bastante péssimo (na vida real, contudo, Sergei nunca tivera tamanha influência sobre o reinado do sobrinho).

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Com o assassinato de Sergei em 1905, Nicolau deixa de estar à sombra do tio para agir por conta própria, mas suas decisões permanecem mimetizando um passado que há muito não correspondia à realidade russa. A opção por manter-se alinhado à política abertamente retrógrada do pai não apenas prejudicava a imagem — já muito desgastada — da dinastia, como também complicava a vida já suficientemente complicada de uma população que pouco a pouco se transformava e, com ela, também suas necessidades. De um país majoritariamente agrário, a Rússia observou o surgimento da indústria e, em consequência, a transferência de grande parte da população para as cidades. As péssimas condições de trabalho, a ausência de direitos trabalhistas e as novas configurações sociais e econômicas tornaram essenciais que essas questões fossem não apenas discutidas, mas priorizadas, e que as decisões fossem tomadas por pessoas que de fato compreendessem a realidade do trabalhador. Contudo, se outras monarquias haviam se rendido a novas formas de administração que descentralizavam o rei como única figura de poder, a Rússia — e o tsar, sobretudo — permanecia resistente a essas mudanças. Não é de se espantar que o país tenha sido o último a abolir a monarquia absolutista tanto quanto não é surpreendente que esse processo tenha acontecido a muito custo, de maneira tão brutal e violenta.

Para pensar nos acontecimentos que marcaram o reinado de Nicolau II é preciso pensar em seu papel como líder e como suas escolhas estimularam as revoltas que ganharam espaço no país. É também importante considerar que suas respostas muitas vezes apelavam para a violência, o que tornaria mais evidente a noção de nós versus eles (monarquia versus população; nobreza versus trabalhadores, etc). O chamado Domingo Sangrento, talvez o mais importante dos eventos pré-revolucionários, teve início como uma manifestação pacífica, cujo objetivo era entregar uma petição ao tsar. Mas não é preciso ir muito longe para saber que, ao invés de receber os manifestantes (ou designar alguém que o fizesse), Nicolau se refugiou no interior com a família dias antes, deixando a Guarda Imperial responsável por proteger o Palácio de Inverno. É difícil precisar se a ordem de atirar em quem se aproximasse partiu do próprio tsar ou se, ao contrário, partiu da Guarda que, sem saber como conter o avanço dos trabalhadores, abriu fogo contra a multidão. Nada disso, no entanto, muda o fato de que pelo menos 130 pessoas foram mortas — um número potencialmente maior, de acordo com dados mais recentes, que variam entre 200 a 4 mil mortos — em um protesto por direitos básicos, e que tudo isso poderia ter sido evitado. De acordo com o historiador José Milhazes, à época, “3% da população viviam maravilhosamente bem e uma pequena classe média, mas a grande maioria do povo vivia na miséria”. E o tsar nada via, nada fazia.

Assumir que Nicolau era um homem mau é limitá-lo a ser uma coisa só, é perder as nuances que o tornavam humano. Entretanto, ignorar as consequências de seus atos é também ignorar a morte de civis, as péssimas condições de existência da população, a extinção de muitos animais. Em seus diários, Nicolau escreve com tristeza sobre o fatídico janeiro de 1905; mesmo antes, contraditoriamente ao texto da série, ele havia visitado os feridos na Tragédia de Khodynka, o que sugere preocupação, ainda que por vezes muito pequena diante das circunstâncias, com o que acontecia para além do Palácio. Mas ele continuava tomando decisões ruins, ainda resistia aos protestos, aos pedidos do povo, resistia a dividir o poder e continuava a despender recursos quando a maior parte da população morria de fome. É preciso, portanto, entendê-lo como um homem de muitas facetas — algo que The Last Czars se propõe, mas não chega a de fato fazer.

The Last Czars

Narrados principalmente por autores e historiadores, e às vezes ilustrados com imagens e gravações do início do século XX, os eventos mais significativos do período ocorrem na parcela documental da série, talvez como uma maneira de baratear uma produção de valores já exorbitantes (embora a Netflix só muito raramente divulgue seus números, especula-se que a série tenha sido um dos projetos mais caros já realizados pelo streaming). É um contraponto interessante, principalmente porque permite a comparação entre ficção e realidade, mas não deixa de ser, também, uma maneira de chamar a atenção para as limitações da série enquanto documentário: seja fornecendo informações desencontradas, seja se utilizando de boatos como evidência concreta de fatos, The Last Czars constrói um retrato, na melhor das hipóteses, raso, na pior delas, mentiroso. Enquanto ficção, os resultados não são muito melhores, apesar dos esforços de seu elenco, sempre muito bem intencionado (o que, no caso de Nicolau, significa estar confinado a uma representação apática e vazia, um homem melancólico que xinga demais, mas que não vai muito além disso).

Em retrospecto, nem mesmo o nascimento de Alexei produz uma mudança significativa de cenário. Diagnosticado com hemofilia ainda bebê, Alexei era um menino frágil, que poderia literalmente morrer pelas causas mais simples — um tombo ou um pequeno corte poderiam ser fatais. Um líder debilitado não era o que a Rússia precisava, mas mais do que isso, ele não resolveria o problema da sucessão, uma questão sensível para o tsar e também uma ameaça aos quase 300 anos de poder absoluto da família. Em pouquíssimo tempo desde a ascensão de Nicolau, o país já havia tido muitas baixas, e o nascimento de um menino doente, incapaz de assumir o trono e que, muito provavelmente, morreria antes de seus pais, abriu margem para um novo problema, não mais fácil de ser resolvido: a chegada de Grigori Rasputin (Ben Cartwright). A série desenvolve em paralelo sua trajetória religiosa, do remoto interior da Rússia até a chegada na corte, quando, misteriosamente, consegue devolver a saúde ao jovem tsarevich durante um sangramento particularmente grave. Não há uma explicação concreta para como, em primeiro lugar, ele fazia o que fazia, e The Last Czars tampouco promete fornecer uma resposta, mas o fato é que Rasputin conseguia resultados que a medicina não era capaz de prover, o que quase imediatamente o tornaria uma presença constante junto à família. Porque a doença do menino era mantida em segredo, no entanto, sua proximidade fazia-se particularmente duvidosa ao olhar externo. Tanto a nobreza quanto camponeses e trabalhadores, e até mesmo membros da Igreja Ortodoxa Russa, possuíam ressalvas quanto à presença do monge na corte. Mais tarde, rumores sobre um possível affair com a tsarina reforçariam a natureza questionável de sua assistência. Ilustrações onde os dois apareciam tendo relações sexuais tomaram as ruas de São Petersburgo, muitas indo longe o bastante para sugerir que as relações se estendiam às filhas do tsar. A influência de Rasputin, contudo, crescia em igual proporção.

O apelo de Rasputin, dizem os estudiosos, era inegável. Mas no contexto da série, entender esse apelo é uma tarefa mais complicada, principalmente porque o que é mostrado dificilmente corresponde ao que é dito, e vice versa. The Last Czars cria, não erroneamente, um personagem cujos traços mais marcantes são justamente aqueles que o tornam uma figura tão controversa: o sexo, a bebida, as práticas pouco ortodoxas da religião. Mas, no meio de tudo isso, sobra pouco que de fato trace um perfil diferente da muito desgastada imagem do vilão de histórias infantis, reiterada pela confirmação de detalhes jamais estabelecidos como verdades absolutas. Se ele de fato pertenceu a uma seita, se o pecado era, em sua crença, a única maneira de chegar à salvação, o mesmo não pode ser dito sobre a dramatização desse despertar divino — a orgia, as folhas com que batem uns nos outros, apenas servem para torná-lo ridículo aos olhos do público. O poder de persuasão, o olhar penetrante, características que o fizeram uma figura tão memorável quanto influente, perdem-se em meio à dramatização de eventos que não necessariamente aconteceram e que tampouco adicionam nuances à história, gerando, ao invés de fascínio, medo e, mais frequentemente, nojo e repulsa.

Nicolau e Alexandra despertam sentimentos diferentes, mas não por isso menos incômodos: Nicolau é um líder fraco, influenciável e manipulável, mas também um bom marido e pai, um homem sempre reflexivo e distante: é mais fácil sentir por ele algum tipo de compaixão, especialmente porque seus malfeitos são explorados muito superficialmente pelo roteiro. Alexandra reside em um espaço mais complexo: a reprodução de anedotas contestáveis desvelam uma mulher desequilibrada, viciada em remédios, incapaz de lidar com o poder e com a atenção decorrente dele. De fato, a doença de Alexei foi motivo de constante preocupação e a pressão por mantê-la em segredo dificilmente poderia ser considerada algo menos que angustiante. Ainda assim, falas como “sua responsabilidade é em primeiro lugar com sua família” não apenas lhe são equivocadamente atribuídas (a responsabilidade primeira do tsar nunca fora com a família), como contribuem para delineá-la como uma mulher bem menos interessante do que realmente fora. É imensa a facilidade com a qual podemos odiar Alexandra, acima de tudo porque a série efetivamente cai na armadilha de assim fazê-lo, transformando-a em uma antagonista vazia cujo único papel é ser a grande pedra no sapato do marido. Ainda que Susanna Herbert tente, sem sucesso, criar um quadro mais nuançado a partir de um texto fraquíssimo, não lhe resta muito mais senão a histeria, uma definição que por si só carrega inúmeros preconceitos e estigmas, ou a completa ignorância, que torna-se mais clara nos episódios finais.

Alexandra é inegavelmente uma mulher difícil, mas ser uma mulher difícil não significa que ela seja uma personagem bem desenvolvida, que suas angústias sejam devidamente exploradas e que ela possa ser alvo tanto de incômodo quanto de afeto. No final das contas, o grande problema não é ser uma mulher pouco gostável (muitos homens também o são): é a superficialidade de seu arco dramático, as limitações de ser uma mulher sem qualquer profundidade. E, no entanto, essa é apenas uma das muitas limitações em uma série repleta delas.

Ao encaminhar-se para o final, é inevitável não refletir sobre o fim da dinastia e não sentir por aquelas pessoas que, apesar de tudo, morreram de forma tão cruel. Não é uma questão de escolher lados. A série, surpreendentemente, compreende que haviam pessoas bem intencionadas de ambos os lados, que decisões péssimas foram tomadas por todos, que tanto a monarquia absolutista quanto o regime comunista foram problemáticos do ponto de vista político, econômico e social, ainda que de maneiras distintas.

Mas é ao acenar para uma ficção mais cuidadosa, como quando se permite imaginar uma jovem Maria (Digna Kulionyte) apaixonada por um dos guardas igualmente jovem que vigiava a casa de Ecaterimburgo, um rapaz de boa índole que estava ali apenas para cumprir ordens, e observa o aflorar dos sentimentos juvenis, que The Last Czars possibilita um vislumbre do que poderia ter sido, de quanto potencial fora ali desperdiçado. É impossível falar sobre a história moderna sem falar sobre a Rússia. A Revolução de 1917 não foi apenas um dos momentos mais importantes da história do país; sem ela, o mundo — e, consequentemente, aquilo que estudamos e conhecemos sobre sua história — seria muito diferente. Em qualquer circunstância, seria uma tarefa realmente complexa representar os eventos anteriores à Revolução e transformá-la em uma produção de apelo popular, que pudesse servir como entretenimento, mas um entretenimento rico em informações e detalhes. The Last Czars aceita o desafio, mas falha justamente quando não mantém a mesma ambição diante daquilo que poderia torná-la uma série verdadeiramente extraordinária. Apontar seus erros é uma tarefa fácil porque todos são muito visíveis — vai desde detalhes mais simples, como a cor do cabelo de Alexandra e seus descendentes ou o túmulo de Lênin em uma imagem que deveria representar o ano de 1905 (quando este estava muito vivo e assim continuaria por mais alguns anos), até erros mais graves que contrariam a própria História. É evidente que a série não suporta o peso do qual se encarrega, e por isso sua tentativa de representar esses fatos, e representá-los em não mais que seis episódios, é tão fracassada.

A história sobre o reinado de Nicolau II e seus desdobramentos permanece como um dos mais grandiosos momentos da História. Resta saber se algum dia alguém será capaz de narrá-la.