Categorias: CINEMA, LITERATURA

Para onde vão as final girls após os créditos finais?

O termo Final Girl foi criado por Carol J. Clover em seu livro de 1992, Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film. Nele, a autora define a personagem como a única mulher que resta viva até o final do filme e a única pessoa que resta para contar as histórias de terror que enfrentam durante sua luta pela sobrevivência.

“Os homens não precisam prestar atenção como nós prestamos. Os homens morrem porque cometem erros. Mulheres? Nós morremos porque somos mulheres.”

Nos filmes clássicos de terror dos anos 80, testemunhamos a montagem de uma Final Girl: ela se levanta dos destroços, ensanguentada e machucada, ninguém de pé além dela, com um olhar perdido e vago, percebendo que a antiga vida acabou e o que será do futuro. Mas o que acontece quando elas são retiradas dos destroços? Para onde elas vão? As pessoas ainda se lembram do que essas garotas passaram? Ao que tudo indica, elas são limpas do sangue que as embalam e jogadas para o mundo novamente, com 15 minutos de fama, revivendo tudo que aconteceu e depois um longo vazio, como se nada tivesse acontecido.

A história de The Final Girl Support Group, livro de Grady Hendrix ainda não traduzido no Brasil, começa com um grupo de mulheres de meia-idade que não são amigas, mas são pessoas com experiências compartilhadas. Elas se conhecem há muito tempo e se reúnem devido ao EPT (Estresse Pós-Traumático) advindo dos horrores que elas sofreram e dependem, de alguma forma, da rotina de suas sessões em grupo. É interessante observar que elas não são mais “garotas finais”, mas sim mulheres que reagiram aos traumas de maneiras diferentes: uma é viciada em drogas, outra consumida pela riqueza e poder, uma é uma total reclusa movida pela proteção de si mesma, além de não confiar em ninguém; outra canalizou a sua dor empenhando-se em uma organização para ajudar outros.

“A linha entre ser muito cuidadoso e não ser cuidadoso o suficiente é uma linha que você só pode cruzar uma vez.”

final girls

Grady Hendrix põe a narrativa da história nas mãos de Lynnette Tarkington, uma das Final Girls que sobreviveu aos assassinatos de sua família por volta do Natal. A premissa de The Final Girl Support Group é que os filmes de terror dos anos 80 e 90 eram, em geral, baseados em eventos reais, e agora, na casa dos 50 anos, essas mulheres enfrentam uma nova ameaça, quando um assassino desconhecido começa a caçá-las. A maneira que Hendrix escreve sobre mulheres, de uma maneira não fetichizada ou bajuladora é um ponto muito importante: ele utiliza da escrita para refletir sobre questões significativas; como glorificamos a violência contra as mulheres em nossa sociedade e a predação masculina do ponto de vista de uma mulher, na maioria das vezes é rala ou inautêntica.
Mas voltemos para a preocupada Lynette Tarkington.

Quando ela vê, logo no inicio do livro que sua amiga e “companheira final”, Adrienne Butler, havia sido assassinada em sua casa e que o acampamento Lago Vermelho foi palco de outro massacre, Lynette fica paranoica. Imediatamente ela procura apoio de Marilyn Torres, Dani Shipman, Heather DeLuca e Julia Campbell, que estão em aconselhamento no grupo há anos. Todas Final Girls. No entanto, paralelamente ao ocorrido, algumas das mulheres querem finalmente seguir em frente com suas vidas. Enquanto Lynette luta para deixar seu passado no passado e seguir em frente, ela está sendo deixada para trás.

“O objetivo da terapia não é que um dia você não precise mais?”

Para aqueles que amam filmes de terror com Final Girls, especialmente aqueles destacados indiretamente no livro, encontrarão na escrita de Hendrix uma alma gêmea. Os aspectos intertextuais como o fato de que cada um dos 24 capítulos são referências a filmes de terror antigos, como “The Final Support Group’s New Nightmare” ou “The Final Support Group XV: Dream Warriors”, ou o fato de começarem com notas do terapeuta do grupo, relatórios policiais das Final Girls, passagens de trabalhos acadêmicos sobre a natureza dos slashers, entradas de diários entre outros, acrescentando uma rica camada a história.

Ainda que as personagens de Hendrix sejam as rainhas dos filmes slasher, elas são criações do próprio autor. Aqui Sally é Marilyn de Panhandle Meathook e Nancy é Heather de Deadly Dreams. Leitores perspicazes notarão que as garotas de Hendrix são nomeadas em homenagem aos atores que interpretaram suas contrapartes no filme. Marilyn Burns interpretou Sally em Texas Chainsaw, por exemplo. Além do mais, cada uma das Final Girls do romance é baseada em franquias clássicas de slasher: Adrienne representa Sexta-feira 13, Marilyn representa O Massacre da Serra Elétrica, Dani representa Halloween, Lynette representa Noite Silenciosa, Noite Mortal, Heather representa A Nightmare on Elm Street, e Julia representa Scream. Neste aspecto, Hendrix é bastante descarado sobre, com cada uma de suas personagens tendo histórias de fundo semelhantes a dos respectivos filmes, e é algo que funciona muito bem.

É muito divertido ver como as personagens, com as quais estamos familiarizados, podem estar lidando após os créditos. O último filme de Halloween (Halloween Kills, 2021) tocou nessa ideia de revisitar uma Final Girl décadas depois e explorar seu trauma, e Hendrix leva isso para outro nível, mostrando não apenas uma, mas várias, mostrando que as sobreviventes são dobradas, senão quebradas.

“Há apenas seis de nós ainda por aí. Costumava me deixar triste por não haver mais de nós lá fora, mas éramos criaturas dos anos oitenta e o mundo seguiu em frente.”

Para quem ama o terror clássico dos anos 80 e/ou o gênero slasher, The Final Girl Support Group é um ótimo livro e também uma excelente leitura com clima de Halloween. É uma comédia sombria sobre sobrevivência e a vida, que precisa seguir em frente ou não. Como uma ávida fã de Scream, isso é exatamente o que eu gostaria de ler. Sempre tive curiosidade sobre como seria a vida de uma Final Girl depois de sobreviver a uma história de terror. Não um ano ou dois, mas anos e anos no caminho; como cada pessoa processa tudo de forma diferente; como cada personagem realmente continuaria depois de tudo que passaram. Com seu livro, Grady Hendrix finalmente nos dá esse vislumbre, ao mesmo tempo em que investiga a obsessão pelas garotas finais.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!

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