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Para o Lobo: a sombria fábula de Hannah Whitten

“A Primeira Filha é para o Trono. A Segunda Filha é para o Lobo. E os lobos são para Wilderwood.” 

Durante toda a sua vida, Redarys sabia que, enquanto segunda filha, tinha um papel a ser cumprido no momento em que Wilderwood, a floresta que faz fronteira com o reino de Valleyda, a convocasse para se entregar ao Lobo que a guarda. Saber seu destino desde criança não significa que a separação de sua irmã gêmea, Neverah, seria mais fácil quando o momento chegasse, o que, de fato, não foi.

Aos vinte anos de idade, as gêmeas Neve e Red devem ser separadas para atender o chamado de uma antiga tradição de Valleyda onde toda segunda filha precisa caminhar sozinha para a floresta de Wilderwood e ser entregue ao Lobo, de maneira a manter o acordo secular que existe entre a floresta e os reinos ao redor: para mantê-los protegidos dos monstros de sombras que vivem para além de Wilderwood, a floresta pede que a segunda filha da casa real lhe seja entregue, saciando a fome da floresta e do Lobo enquanto os deixa a salvo dos perigos que espreitam na escuridão.

“Uma floresta em seus ossos, um cemitério sob seus pés. Não há heróis aqui.”

Ainda que não queira ser entregue para o Lobo, Red está pronta para o sacrifício, mas Neve tenta, até o último instante, fazer com que a irmã fuja. Mas o que Neve desconhece é que Red carrega no âmago uma sensação única de que se entregar para a floresta e o Lobo são essenciais não apenas por ser um dever da Segunda Filha, mas pelo fato de que ela sente que há parte de Wilderwood adormecida dentro dela, um poder que tenta se embrenhar por Red, tomando espaço da mesma forma que o musgo se espalha na escuridão da floresta. Red acredita que pode encontrar respostas em Wilderwood a respeito do poder selvagem que cresce dentro dela, conectando-a à floresta de uma maneira que ninguém mais poderia entender, e está resoluta em sua decisão ainda que não queira se despedir de Neve.

É assim que tem início o primeiro livro da duologia de Hannah Whitten, Wilderwood. Publicada no Brasil pelo Editora Suma com tradução de Natalie Gerhardt e Helen Pandolfi, Para o Lobo é uma fábula sombria que incorpora em sua narrativa pequenos detalhes dos contos de fadas com que crescemos como A Bela e a Fera, Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve. Costurando elementos sombrios e macabros à sua trama, como uma floresta que pulsa com tanta vida quanto com criaturas estranhas, Hannah Whitten desenvolve uma narrativa intrincada que, por vezes, se vira contra ela. Ainda que eu tenha adorado acompanhar a trajetória de Red em busca da compreensão da magia que ela carrega no peito, e de descobrir que o Lobo é apenas um homem com cheiro de biblioteca e folhas, a autora se perde em alguns momentos da narrativa, principalmente quando se repete nas descrições — ok, já entendi que o Lobo é um cara com lindos olhos cor de âmbar e que Red quer ficar bem perto dele para fazer sua magia fluir —, tornando um pouco cansativo ler algumas dinâmicas repetidas vezes durante as quase 400 páginas.

Mas mesmo assim, a narrativa é instigante e vai levar o leitor por todas essas páginas pois é impossível deixar Para o Lobo de lado sem saber o que vai acontecer ao final. O livro também é um ótimo exemplo de slow burn visto que o relacionamento entre Red e o Lobo se desenvolve lentamente, com um ganhando a confiança do outro aos poucos até descobrirem que os sentimentos que nutrem são muito diferentes do que pareciam a princípio. Red é jovem e determinada em seus objetivos, fazendo o necessário para conquistá-los, seja se exilar na floresta para proteger sua irmã do poder adormecido dentro dela, ou fazer com que o Lobo entenda que não precisa mais lidar com o fardo de manter Wilderwood sozinho. O Lobo, enquanto isso, é um homem misterioso e de poucas palavras que se vê na posição de guardião de Wilderwood sem que pudesse fazer algo a respeito, mas que cumpre com seu dever de maneira altruísta, por vezes se colocando em perigo para tal. A dupla que se forma entre Red e o Lobo é cativante, tornando impossível dizer quem fica mais bobo quando está perto do outro.

A construção dos personagens é feita de maneira muito convincente pela autora, e até mesmo os momentos em que Red mete os pés pelas mãos, nos fazendo revirar os olhos pela ingenuidade da protagonista, são justificáveis diante sua idade e experiências visto que ela está sozinha em um ambiente que não compreende por completo enquanto tenta desvendar os mistérios que envolvem Wilderwood, o Lobo, sua magia e todos os reinos ao redor. Para o Lobo leva tempo para desenvolver sua trama, sem se apressar em criar resoluções apressadas — a narrativa é construída pouco a pouco, nos fazendo adentrar a floresta um passo de cada vez, assim como Red.

“Aquela era sua nova vida, tão vasta e sombria e indefinível quanto a floresta que a cercava.”

Os aspectos sombrios incluídos por Hannah Whitten me fizeram lembrar da trama de O Pacto das Três Graces, de Tessa Gratton, por conta da floresta que tem vida própria e se embrenha pelo castelo, estendendo seus galhos e ao redor de tudo, inclusive de seus moradores. O tropo da floresta sombria que tem vida própria é um dos meus favoritos e algo que eu gostaria que a autora tivesse explorado em mais detalhes é justamente os mecanismos que fazem de Wilderwood ser o que é, suas árvores-sentinela, as criaturas que saem das brechas e todo o poder que contem, entrelaçado com os destinos de Red e do Lobo, mas não somente. É algo que fico na expectativa para a conclusão da série com o vindouro Para o Trono, ainda sem data de publicação no Brasil.

Para o Lobo é uma uma fábula sombria que usa da releitura de alguns elementos de contos de fadas para criar sua própria trama, enlaçando seus personagens em sacrifícios por amor e desespero, em um cenário tão macabro quanto pode ser belo. O cenário caótico e assustador de Wilderwood é quase como um personagem à parte na trama de Hannah Whitten, tornando o livro sombriamente mágico como um conto de fadas lúgubre onde pactos com sangue estão sempre na ordem do dia. Outro aspecto da escrita de Whitten que é ótima de acompanhar fica por conta do relacionamento entre Red e Neve, irmãs gêmeas que precisam se separar pelo bem do reino e cujas atitudes refletirão nas vidas de todos. A troca de ponto de vista durante Para o Lobo, ora mostrando Red, ora mostrando Neve, é importante para demonstrar como, movidas pelo mesmo sentimento, o amor que nutrem uma pela outra, mas optando por tomar caminhos diversos, acabam em lados diferentes do tabuleiro. Enquanto uma irmã encontra seu propósito em meio à floresta, a outra entra em uma espiral de desilusão e loucura que podem separá-las para sempre.

“Pessoas com poder se ressentem ao perdê-lo e ter muito poder por tempo demais pode transformar qualquer um em vilão.”

Para o Lobo é a estreia de Hannah Whitten na fantasia e mostra o potencial da autora na criação de narrativas cativantes. Há alguns pontos que podem ser melhorados, mas nada que desabone a obra como um todo. O ritmo lento da trama pode incomodar leitores mais apressados, mas gosto do fato de que a autora se permite saborear o que está criando, descrevendo as cenas com cuidado, tomando tempo para apresentar seus personagens e seu mundo — ainda que eu queira saber mais sobre Wilderwood e até Valleyda, com sua ordem de sacerdotisas, e os Cinco Reis. A relação entre Red e Neve é algo que estou curiosa para encontrar em Para o Trono, principalmente devido à conclusão de seu primeiro volume. Para o Lobo é um livro sobre amor, sacrifício e até onde estamos dispostos a ir para manter aqueles que amamos em segurança — e como o poder de uma jovem mulher pode mudar tudo.

“Todos eles amavam como fogo, sem pensar nas cinzas.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras.


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