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O Pacto de Três Graces: entre o tétrico e o fantástico

Era uma vez uma bruxa e um demônio que se apaixonaram. A bruxa fez um pacto com o demônio e dessa união nasceu a magia que assegura que Três Graces, a vila que se desenvolveu ao redor da floresta onde vive o demônio, será sempre próspera, com as colheitas fartas e sem dores ou doenças para seus moradores. O preço a se pagar por essa prosperidade é enviar um jovem rapaz para o interior da floresta a cada sete anos a fim de que ele prove sua força e bravura enfrentando o demônio quando a Árvore de Osso sangrar e a Lua do Abate surgir no céu — porém, nesse ano, o demônio exigiu sua oferenda antes do prazo.

Há algo de errado com o pacto e Mairwen, uma jovem bruxa do clã Grace, descendente da bruxa que selou o pacto há mais de duzentos anos, sente que é sua obrigação descobrir o que está acontecendo na Floresta do Demônio. Ainda que sua mãe seja a bruxa mais antiga de Três Graces no momento, Mairwen não quer que Rhun Sayer, o rapaz que ama, tenha que entrar na floresta para enfrentar o demônio antes do tempo. Para evitar que isso aconteça, ela fará o possível para desvendar o mistério envolvendo o pacto, as bruxas do clã Grace e o demônio que vive na floresta. Unindo-se a Arthur Couch, Mairwen tenta descobrir o que está acontecendo com o pacto e a Floresta do Demônio antes que Rhun precise se sacrificar pela prosperidade do vilarejo, mas nada é o que parece ser em Três Graces e há muito a respeito do pacto que Mairwen desconhece.

“’Uma bruxa do clã Grace deu início a esse pacto, entregando seu coração’, diz a mãe. ‘E seu coração pode dar um fim nele’. É por isso que Mairwen fica em silêncio, ouvindo — saber ouvir: é a primeira habilidade de uma bruxa — as vozes dos mortos e dos que foram descartados.”

O Pacto de Três Graces, livro de Tessa Gratton publicado no Brasil pela Plataforma 21 com tradução de Lavínia Fávero, é um livro sobre sacrifícios, amor, amizade e lealdade, mas também sobre bruxas, demônios, árvores que sangram e uma floresta repleta de seres estranhos. O pacto selado pela primeira bruxa Grace com o demônio que vive na floresta, tido como o deus do lugar, propiciou anos de tranquilidade para os moradores de Três Graces, mas sempre às custas das vidas de jovens rapazes altruístas e corajosos. Mairwen não quer que Rhun seja mais um desses rapazes, assim como foi seu pai, e decide encontrar uma maneira de fazer com que essa maldição não seja mais a sina dos rapazes de Três Graces — seus moradores viveram séculos prósperos em cima dos sacrifícios de um dos seus e tanto Mairwen, quanto Arthur e até mesmo Rhun, decidem que já se beneficiaram o suficiente das vidas e dos sofrimentos desses jovens.

A trama de O Pacto de Três Graces, narrada em terceira pessoa, alterna entre os pontos de vista de Mairwen, Arthur e Rhun, e como esses três amigos decidem proteger uns aos outros indo contra o pacto firmado com o demônio da floresta. Os três, tão diferentes entre si, encontraram uns nos outros o refúgio, o amor e a amizade de que precisam para seguir em frente. Mesmo que nem sempre estejam em perfeita sintonia quanto ao que precisam e quanto ao que desejam, os três, em todo momento, estão pensando no que podem fazer de melhor para proteger aqueles que amam. Em um primeiro momento pode até parecer que Tessa Gratton irá enveredar pelo típico triângulo amoroso dos young adult, mas a autora vai muito além disso — e foi uma grata surpresa descobrir que os sentimentos que envolvem Mairwen, Arthur e Rhun são muito mais complexos do que pareciam ser a princípio. O amor que sentem uns pelos outros é maior do que qualquer coisa em Três Graces e é esse amor o responsável por movê-los adiante na narrativa, enfrentando os piores momentos de suas vidas até então.

O relacionamento desenvolvido entre Mairwen, Arthur e Rhun, inclusive, é um dos melhores aspectos de O Pacto de Três Graces. Mairwen, um pouco selvagem, um tanto mágica, Arthur, estourado e cabeça dura, e Rhun, nobre, gentil e corajoso, formam um trio esquisito e apaixonante de acompanhar. Os três são jovens e estão exatamente naquele momento de encontrar seu lugar no mundo, enquanto tentam compreender os sentimentos e desejos que estão borbulhando dentro deles. Tessa Gratton faz um ótimo trabalho escrevendo todas essas sensações, principalmente quando somadas à confusão do pacto quebrado e da tensão que envolve toda Três Graces que aguarda o desfecho dessa situação.

Mairwen, Arthur e Rhun escolheram ser a família um do outro, e isso é simplesmente encantador de acompanhar. Com personalidades completamente diferentes, corações impetuosos e pouca ideia a respeito do que está acontecendo com eles, os sentimentos entre os três são verdadeiros e críveis como poucas coisas são em Três Graces. Tessa Gratton não constrói apenas uma trama sombria e tétrica, mas também um relacionamento poliamoroso bonito e delicado pautado sempre em amor, honestidade e abnegação.

“‘Grace, Grace, Grace’, diz a floresta, e os monstros minúsculos tagarelam, goblins e espíritos que se sacodem, pássaros de dentes afiados e meninos esqueletos, todos se deliciam ao ouvir esse nome.”

A autora também é ótima ao descrever o cenário caótico, assustador e ao mesmo tempo encantador e mágico da Floresta do Demônio. Tudo o que surge ali é macabro e belo na mesma medida, com seres únicos com flores e galhos brotando de seus corpos, pequenas mulheres pássaros que gostam de ouvir Mairwen cantar, e toda sorte de coisas estranhas. Pode parecer difícil imaginar tudo isso, seres completamente novos e bizarros, mas a autora é impecável em suas descrições — em muitos momentos era como se eu pudesse ver suas criaturas sombrias brilhando na minha mente, quase como se tivessem saído de um filme, com visuais que remetem à Annihilation, filme de 2018 baseado no livro homônimo escrito por Jeff VanderMeer — não há nada no livro que referencie a produção, é apenas uma livre associação que fiz ao imaginar as criaturas de Gratton ganhando forma.

Não há maneira melhor de descrever O Pacto de Três Graces do que dizer que o livro é sombriamente mágico, um conto de fadas lúgubre com pactos de sangue e rituais, e que joga os papéis de gênero na lata do lixo — e isso é maravilhoso. Em diversos momentos a narrativa de Tessa Gratton evoca A Bruxa, filme de 2015 protagonizado por Anya Taylor-Joy, devido a sua atmosfera sombria e quase claustrofóbica quando os personagens entram na Floresta do Demônio — e isso é um dos melhores elogios que eu poderia dar à escrita de Gratton, visto que A Bruxa é um dos melhores filmes de terror dos últimos anos. Mesmo que o terror não seja, de fato, o foco em O Pacto de Três Graces, é impossível não sentir um arrepio com as descrições de espinhos saindo do coração de seus personagens e flores brotando nas partes dos corpos das criaturas.

“Se nós não o amássemos, não seria um sacrifício.”

O Pacto de Três Graces é isso: um livro esquisito, bizarro e bonito de um jeito único e sombrio. A narrativa pode parecer confusa em alguns momentos e a autora não entrega facilmente o mistério que envolve toda Três Graces, o clã das bruxas e o demônio que vive na floresta, mas isso não é um desabono para o livro. O ritmo lento, os momentos de introspecção e os recortes de lembranças dos personagens fazem parte de um quebra-cabeças que a autora monta com cuidado e atenção — cada peça fará sentido e você tem que dar o benefício da dúvida e acreditar que a imagem final terá valido o esforço. Toda a narrativa se desenvolve no espaço de três dias, então a urgência por trás das decisões e ações dos personagens parece ainda mais palpável — e nem por isso a autora deixa de nos brindar com interlúdios em que o trio de protagonistas simplesmente para e sente o turbilhão de emoções que os leva de um lado para o outro ou dormem, os três, aconchegados no sótão da casa de Mairwen.

Iniciei a leitura de O Pacto de Três Graces esperando apenas uma trama sombria e terminei abraçada com o livro. Tessa Gratton entrega uma trama fantástica especialmente para aqueles que procuram bruxaria, pactos sombrios, florestas povoadas por seres estranhos e um demônio que vive ao lado. A autora não poupa detalhes ao descrever a natureza dos feitiços de Mairwen — com ossos, sangues, flores e fios de cabelos — e a estética não poderia ser outra do que o já citado A Bruxa. As descrições da autora a respeito da magia, das florestas e das criaturas que lá vivem é fenomenal e acrescentam camadas bem-vindas de mistério e bruxaria a uma história repleta deles.

“Não vou permitir que a floresta fique com o seu coração. Ele é meu.”

O exemplar foi cedido como cortesia pela Plataforma 21.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!

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