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De Halloween a Morte Morte Morte: o slasher como um subgênero que reflete o próprio tempo

Nos Estados Unidos, a juventude passou a ser percebida como público consumidor em meados da década de 1950. Contudo, essa visão somente foi intensificada nos anos 1960 graças a algumas mudanças sociais. Nesse contexto, manifestações culturais e artísticas realizadas por jovens começaram a ganhar mais espaço midiático devido à ascensão de vários movimentos, como o hippie. Assim, vozes que antes eram vistas como imaturas passaram a ser um pouco mais ouvidas.

Especificamente no cinema, tal mudança tem ligação direta com a queda do Código Hays, em 1968. Esse “conjunto de leis” servia para designar uma censura autoimposta e foi criado ainda na década de 1920 para melhorar a imagem de Hollywood, que estava bastante desgastada pelos excessos da Era do Jazz. Para o cinema de horror, 1968 pode ser entendido como um ano fundamental devido ao lançamento de A Noite dos Mortos-Vivos e O Bebê de Rosemary, dois filmes bastante diferentes entre si, mas com uma grande importância para a construção do que o gênero se tornaria nos anos seguintes.

A título de contextualização, vale ressaltar que o cinema de horror começou a tomar uma forma mais definida nos Estados Unidos durante as décadas de 1930 e 1940. Nesse período, ele assumia duas facetas predominantes: os filmes de monstro e o filme noir. No caso dos filmes de monstro, eles se popularizaram graças ao sucesso de O Corcunda de Notre Dame e O Fantasma da Ópera, ambos feitos da década de 1920 e estrelados pelo icônico Lon Chaney. Com um clima de horror gótico marcante, essas produções foram um sucesso de público e abriram espaço para que a Universal, o principal estúdio envolvido na realização desse tipo de longa, fizesse mais oito títulos similares na década seguinte. Desse movimento nasceram Drácula, Frankenstein, A Múmia, O Homem Invisível e algumas sequências dos títulos citados.

Em todos os casos comentados, a criatura não tinha acesso à sociedade devido às barreiras geográficas ou à sua necessidade de isolamento por alguma característica física — Quasimodo (Chaney) pela corcunda, Erik (Chaney) pelo rosto desfigurado. Além disso, o monstro conseguia despertar a empatia do público por ser vítima de alguma tragédia: Drácula somente era mau porque foi vítima de uma maldição que o impedia de morrer; Frankenstein recebeu do seu criador um cérebro desumano; e o Lobisomem foi atacado por outra criatura. Se isso explicava o sucesso desses filmes e a forma como eles se conectavam com os espectadores, ao mesmo tempo, servia para afastar os seus enredos da realidade e limitar as ameaças ao campo da imaginação, algo que A Noite dos Mortos-Vivos e O Bebê de Rosemary se recusaram a fazer.

Enquanto no filme de George A. Romero temos um grupo de pessoas isoladas em uma casa tentando sobreviver ao apocalipse zumbi, no de Roman Polanski vemos um casal jovem dividindo espaço com uma seita em um prédio de Nova York. Embora existam diferenças fundamentais de subgênero, ambos os longas derrubam as fronteiras que foram construídas nas décadas anteriores ao transportar os monstros para a vida em sociedade e humaniza-los. Afinal, os zumbis são apenas pessoas mortas que voltaram à vida após serem contagiadas por um vírus; e os vizinhos de Rosemary (Mia Farrow) e Guy (John Cassavetes) são seres humanos que usam o corpo da protagonista para trazer ao mundo a “semente de Satanás” e obter ganhos como riqueza e poder. Outro ponto que deve ser destacado como uma diferença relevante entre essas duas produções e os filmes da Universal Studios é a proximidade temporal com o ano de 1968, o que pode ser percebido através de aspectos como o vestuário, a tecnologia e as questões presentes no subtexto — sendo este último ponto mais acentuado em A Noite dos Mortos-Vivos, que possui uma discussão bastante contundente sobre as tensões raciais presentes nos Estados Unidos da época. Logo, não havia mais subterfúgio: a ameaça estava presente na vida cotidiana e qualquer esforço para contê-la parecia inútil.

Além disso, A Noite dos Mortos-Vivos também pode ser considerado importante porque abriu caminho para o cinema independente se fortalecesse. Feito com apenas 114 mil dólares, o longa arrecadou 12 milhões em bilheteria doméstica graças ao boca a boca, provando que novas ideias, saídas das mentes de diretores estreantes, poderiam ser bem recebidas pelo público. Para mostrar que este não foi um caso isolado, é possível citar Tubarão, de Steven Spielberg, lançado sete anos mais tarde. Na ocasião, Spielberg tinha apenas 29 anos e um filme no currículo, Encurralado, de modo que a sua inexperiência era um ponto de questionamento do estúdio. Apesar disso, o diretor conseguiu marcar o seu nome na história emplacando uma indicação ao Oscar de Melhor Filme e arrecadando 265,8 milhões em bilheteria doméstica.

Embora essas produções tenham aberto espaço para novas vozes e trazido uma mudança na forma de fazer e pensar o cinema de horror, elas não eram exatamente direcionadas para a juventude — pelo menos não no sentido de representação. Quando se fala sobre isso, um nome bastante relevante é Tobe Hooper, responsável pelo sujo e brutal O Massacre da Serra Elétrica, de 1974. Reverenciado e referenciado até hoje, o filme contava com um elenco majoritariamente jovem. Marilyn Burns, responsável por dar vida a Sally Hardesty, tinha apenas 25 anos de idade nesse contexto. Além disso, a ausência de figuras adultas na posição de cuidado é algo que deve ser destacado, visto que o grupo de amigos viajava sozinho pelo Texas e era responsável por tomar todas as suas decisões — inclusive as muito ruins, como dar carona para um desconhecido de comportamento estranho.

Ao comentar sobre as suas influências para escrever o roteiro de O Massacre da Serra Elétrica, Hooper enfatizou que as mudanças políticas e culturais dos Estados Unidos foram de grande importância. Para o diretor, os horrores mostrados nos principais telejornais do país, em especial aqueles ligados à Guerra do Vietnã, confirmavam que o verdadeiro monstro era o próprio homem “usando outro rosto” e não algum tipo de criatura sobrenatural. Daí a escolha da família de canibais para representar o perigo — algo que também serve para falar sobre partes dos EUA que são esquecidas pelo governo e relegadas à marginalidade. Outro aspecto que salta aos olhos quando se sabe dessa fala do diretor é o fato de que a casa da família não fica escondida no meio de uma floresta, mas sim próxima à estrada principal pela qual o grupo de jovens está viajando. Portanto, é como se Hooper dissesse que o mal é banal e está se escondendo à vista enquanto espera que alguém desavisado caia nas suas armadilhas. Tudo isso, quando somado, despertou a curiosidade do público, o que acabou resultando em uma bilheteria de mais de 30 milhões de dólares, bastante impressionante quando colocada lado a lado com o orçamento de 140 mil dólares do filme.

Também em 1974, no Canadá, surgiu outro longa de extrema influência quando se fala sobre o cinema de horror voltado para jovens: Noite do Terror, de Bob Clark. O filme utilizou uma série de tendências que seriam consolidadas alguns anos mais tarde, como as mortes em primeira pessoa. Embora este recurso já estivesse presente em A Tortura do Medo, de 1960, os objetivos divergiam porque no filme de Clark a ferramenta era usada para esconder a identidade do assassino, gerando uma expectativa de revelação. Em contrapartida, na produção de 1960 nós sabemos quem é o responsável pelas mortes e o uso da primeira pessoa serve para nos colocar na posição do algoz, aproximando quem assiste das suas sensações ao matar.

Para além das questões formais, Noite do Terror ainda trazia elementos discursivos bastante interessantes. Uma irmandade composta por garotas começa a receber telefonemas obscenos de um desconhecido, o que instaura o terror no local. Rapidamente, esses telefonemas escalam para ameaças de morte que acabam se concretizando sem que as personagens fiquem sabendo em um primeiro momento. Além disso, ainda na cena de abertura, o espectador descobre que o assassino está dentro da casa, o que aumenta a tensão e a apreensão.

Um aspecto que se destaca é que sempre que as garotas tentam denunciar a alguma autoridade o que está acontecendo, elas são descredibilizadas, de forma que rapidamente compreendem que estão sozinhas e vulneráveis à loucura de um homem que sequer sabem quem é. Muito é especulado a respeito da identidade de “Billy”, mas Bob Clark nunca revela a verdade sobre o assassino e deixa pairando no ar a ideia de que ele pode ser tanto um estranho com sede de sangue quanto um ex-namorado de alguma das meninas. Isso deixa claro que não necessariamente um homem precisa de motivações para subjugar mulheres à sua vontade, qualquer que ela seja, um discurso que permanece atual e relevante até os dias de hoje.

Assim como O Massacre da Serra Elétrica, Noite do Terror conseguiu relativo sucesso. Com uma distribuição muito modesta tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá, o filme arrecadou cerca de 2,3 milhões e teve custo de 620 mil. Logo, se os números serviam para provar alguma coisa era que, mais do que nunca, títulos direcionados para jovens traziam um bom retorno para estúdios e distribuidores. Apesar disso, os lançamentos do tipo ainda eram um tanto dispersos até o ano de 1978, quando John Carpenter filmou Halloween – A Noite do Terror.

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A história da produção de Halloween não se diferencia tanto assim das demais citadas: baixo orçamento, várias adversidades, um diretor em começo de carreira, um elenco jovem e extrema rentabilidade. Porém, o filme é considerado atualmente o responsável por consolidar as características do slasher. Inclusive, o subgênero se tornou conhecido por este nome após a palavra ser usada em uma crítica do longa. Vale comentar também que um dos pontos de maior destaque de Halloween é levar a ameaça para um lugar considerado seguro, o subúrbio americano. Isso abriu precedente para que outros exemplares do gênero se passassem em locais que transmitissem o mesmo senso de familiaridade, como os acampamentos de férias retratados em clássicos como Sexta-Feira 13 e Acampamento Sinistro.

De certa forma, a ambientação de Halloween retoma as ideias de Tobe Hooper em O Massacre da Serra Elétrica. É claro que o interior do Texas e Haddonfield são espaços bem diferentes em absolutamente todas as perspectivas, mas a presença de Michael Myers (Nick Castle) em um distrito de New Jersey evoca o mesmo radicalismo que a família de canibais. Michael nunca se apressa ou tropeça ao perseguir as suas vítimas. As suas roupas e a sua máscara não nos dizem nada sobre a sua personalidade e as suas motivações. Portanto, não existe a construção de um personagem: existe uma abstração que invade a vida suburbana e interrompe a sua rotina de forma brutal. O pouco que nós sabemos sobre o vilão sai da boca do Dr. Loomis (Donald Pleaseance), o seu psiquiatra, que define Myers como alguém sem sentimentos e sem consciência. Diante disso, é possível concluir que a máscara branca do vilão de Halloween não está escondendo nada. Na verdade, está tudo estampado ali, no vazio. Não existe um motivo para que Michael persiga aquelas babás além da sua vontade de matar.

Após o lançamento de Halloween, para ser considerado um slasher um filme precisava contar com um assassino em série, fosse ele mascarado ou não. Geralmente, as mortes eram mostradas em primeira pessoa e os crimes cometidos com armas brancas. Ao longo das produções, o algoz fazia diversas vítimas e elas pertenciam ao mesmo grupo de amigos ou frequentavam o mesmo ambiente, sendo quase todas adolescentes. Além disso, só havia espaço para uma sobrevivente, a final girl, personagem com características bem definidas que podem ser condensadas no estereótipo de boa garota. Por fim, vale citar que em alguns casos a identidade e as motivações do vilão eram reveladas durante o confronto final, mas em outros elas já eram conhecidas desde o início da projeção — como é o caso de O Massacre, de 1982, visto que o assassino escapa do hospício e decide tirar a vida de qualquer um que cruze o seu caminho.

Com o tempo e devido ao desgaste dessas características, o slasher precisou encontrar formas de se reestruturar. Em um primeiro momento, isso aconteceu com o lançamento de A Hora do Pesadelo, de 1984. Dirigido por Wes Craven, o filme incorporava ao subgênero aspectos sobrenaturais. Logo, abria precedente para que a cartilha seguida de 1978 a 1983 fosse repensada, inclusive no sentido de se adequar mais à realidade da juventude daquele contexto. Assim, elementos tecnológicos faziam uma aproximação tímida à medida que a TV e o telefone passavam a ser usados como ferramentas pelos adolescentes para se manter acordados e escapar de Freddy Krueger (Robert Englund). A título de ilustração, vale ressaltar que os anos 80 marcaram o surgimento de uma série de dispositivos que começariam a se popularizar na década seguinte e se tornariam o sonho de consumo de qualquer jovem, como o computador pessoal, o videogame, o walkman e o videocassete.

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O resultado dessa renovação do subgênero se manifestou em números e A Hora do Pesadelo teve bilheteria doméstica de 25,6 milhões, vinte e cinco vezes o seu orçamento. Para além desses aspectos, o filme ensaiava uma mudança no estereótipo da final girl. Embora Nancy Thompson (Heather Langerkamp) ainda fosse uma “garota boazinha”’, ela tinha mais agência do que as protagonistas apresentadas até o momento. Em partes, isso aconteceu porque, como Freddy perseguia Nancy através dos seus sonhos, ela estava sozinha para derrotar o vilão e precisava usar muito mais a inteligência e o autocontrole do que a força física.

Também foi pelas mãos de Wes Craven, 12 anos mais tarde, que as locadoras e os celulares marcaram presença no subgênero de forma mais assertiva e realmente servindo à narrativa. Em 1996, o diretor levou às telas o primeiro Pânico, que se tornou um clássico moderno do slasher e teve bilheteria doméstica de 103 milhões. A saga de Sidney Prescott (Neve Campbell), para além das questões tecnológicas inerentes à nova década, trazia uma compreensão muito importante do seu público-alvo uma vez que os jovens já haviam sido expostos a centenas de histórias sobre assassinos perseguindo grupos adolescentes. Assim, o uso da metalinguagem surge em tela para deixar claro que os jovens sabem com o que estão lidando porque sempre foram os espectadores do slasher, de modo que eles precisam ser surpreendidos para embarcar na história contada, dentro e fora do filme.

Essa autoconsciência é um dos grandes trunfos de Pânico e contribui para a construção do seu senso de humor. Porém, Craven lança mão de outras ferramentas para conseguir as reações que deseja. Uma delas é a morte de Drew Barrymore ainda na primeira cena do filme em um contexto no qual a atriz era o nome mais conhecido do elenco, o que transmite imediatamente a sensação de que tudo pode acontecer no que estamos prestes a assistir. Esse tipo de sequência se tornou uma tradição na franquia, uma espécie de marca registrada, e atingiu o seu auge em Pânico 4, no qual diversas estrelas de séries e filmes adolescentes apareceram brevemente na abertura apenas para serem brutalmente mortas por Ghostface.

Ainda sobre Pânico 4, lançado 15 anos depois do primeiro e com um impacto mais modesto (38,1 milhões em bilheteria doméstica), é interessante perceber o papel que as tecnologias adquiriram para uma geração que cresceu em contato muito mais direto com elas. Um exemplo disso foi o “boom” das redes sociais, que mudou completamente a forma da juventude de se relacionar com o virtual, influenciando as suas interações sociais e a sua comunicação. O mesmo dinamismo oferecido pelas redes pode ser percebido através da popularização do streaming, uma presença constante em Pânico 4. Inclusive, no clássico monólogo do assassino, ele deixa claro que a nova onda de mortes não seria impactante caso não fosse documentada e transmitida simultaneamente, o que demonstrava um desejo de fama que se tornaria mais presente no slasher da década seguinte.

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De acordo com uma pesquisa realizada pelo Influencer Marketing Hub, o marketing de influência cresceu 711% entre 2016 e 2021. Isso aconteceu, em partes, porque o público, especialmente os mais jovens, se conecta de forma mais eficiente com pessoas do que com marcas. Devido a isso, as empresas passaram a investir nas publicidades feitas por influenciadores digitais. Embora muita gente pense em nomes com milhões de seguidores quando se fala sobre este crescimento, na verdade, ele está mais ligado aos influenciadores menores, com um nicho mais específico, visto que eles conseguem criar uma linguagem própria e fazer com que o público se sinta em uma conversa informal e não em um “comercial de TV”.

Para ilustrar esses pontos é possível destacar Sissy, dirigido por Hannah Barlow e Kane Senes. Cecilia (Aisha Dee) é uma influenciadora do nicho de autoconhecimento e bem-estar. A sua persona on-line é construída com base em um tom de voz calmo e uma postura equilibrada, de maneira que os seus seguidores acabam percebendo-a como uma espécie de guru e se espelham na sua forma de conduzir a vida. Porém, essa imagem se desmancha a partir do reencontro com Emma (Hannah Barlow), a sua ex-melhor amiga de infância, o que nos leva a perceber todas as rachaduras e contrastes entre aquilo que Cecília prega na internet e o que ela realmente vive. Assim, o filme pode ser compreendido como uma sátira afiada e sangrenta de um universo que sobrevive de aparências e fórmulas mágicas para problemas complexos. Afinal, mesmo depois de todas as mortes, a protagonista segue mais preocupada com perder aquilo que construiu on-line e este é o fator motivador para o desfecho irônico que assistimos.

Portanto, se existe algo que Sissy demonstra com clareza é a capacidade do slasher de se adaptar aos novos contextos, incluindo no seu texto e nas suas escolhas estéticas questões que se comunicam com o público-alvo. Simplesmente não seria convincente para os adolescentes da atualidade assistir a um bando de jovens fugindo de um assassino mascarado sem tentar usar as ferramentas tecnológicas que têm ao seu dispor para escapar. E mesmo os títulos mais tradicionais do ponto de vista formal, como Pânico 5 e 6, sabem disso e escolhem inserir dispositivos cada vez mais modernos nas suas cenas. Tudo isso gera uma resposta positiva, visto que Sissy é um filme independente australiano, sem exibição em cinemas internacionais, e conseguiu receber 72 avaliações no Rotten Tomatoes, resultando em 96% de aprovação. Essa repercussão foi o suficiente para chamar a atenção de um streaming estadunidense, o Shudder, que adquiriu os seus direitos de distribuição para diversos países.

Diante disso, é importante frisar que o slasher é um subgênero que compreende a necessidade de incorporar as características da Geração Z e entender o seu comportamento. Os nascidos entre 1995 e 2010 representam a primeira geração que não precisou aprender a lidar com a tecnologia porque ela sempre foi uma parte da sua vida. E ao mesmo tempo em que isso possui um lado positivo, tem também uma faceta negativa, visto que moldou a forma como os relacionamentos são construídos, algo que pode ser percebido facilmente através do grupo de amigos em Morte Morte Morte, de Halina Reijn. Embora fique claro que eles se conhecem há bastante tempo, as suas relações parecem superficiais e muito ligadas às suas presenças on-line, revelando uma individualidade bastante acentuada e que impossibilita um contato mais íntimo. Mesmo em um contexto de ameaça, eles ainda acham espaço para discutir por banalidades como um podcast ou a presença de um namorado que alguém conheceu através de um aplicativo.

Outra faceta da Geração Z que Halina Reijn usa com habilidade no seu filme é a preocupação com causas sociais. Aqueles jovens estão tão determinados a parecer um grupo diverso e inclusivo que disparam uns para os outros frases como “não a chame de psicopata, isso é capacitismo” e usam termos como “classe média alta” como ofensa. Tudo isso enquanto se guiam através de lanternas de iPhones, usam colares que brilham no escuro e trocam acusações típicas de quem passou a vida se afogando em privilégios. E é exatamente durante essas trocas de farpas que conseguimos perceber que, na verdade, a sua preocupação social não é genuína, mas apenas algo que eles aprenderam que precisavam externalizar para parecer boas pessoas.

Embora exista verdade em todos esses aspectos e tais características façam parte da Geração Z, é interessante ressaltar que alguns artigos de veículos internacionais chegaram a questionar se o roteiro de Sarah DeLappe e Kirsten Rouppenian realmente entende os jovens deste contexto. De acordo com uma matéria do caderno de cultura da BBC, Morte Morte Morte faz algumas observações generalistas e isso acontece porque, na verdade, a equipe envolvida na produção é composta por Millenials. Ou seja, a história pode ser estrelada pela Geração Z, mas não é contada por ela e sim por pessoas que têm uma diferença significativa de idade com relação aos personagens. Portanto, em alguns momentos, os filmes parecem estar procurando atrair atenção de um público que exige ser representado em tela, mas podem estar fazendo isso sem autenticidade — e isso é algo que somente uma distância temporal será capaz de dizer em caráter definitivo.

O fato é que, por ora, essa questão das aparências é algo gritante no slasher da década de 2020, de modo que cabe ainda destacar Sick, de John Hyams. Nele, duas amigas decidem cumprir o isolamento social em uma casa afastada quando são surpreendidas por um assassino mascarado. Conforme a trama se desenvolve, o individualismo de Parker (Gideon Adlon), uma das meninas, acaba sendo escancarado porque ela participou de uma “festa do fim do mundo” pouco tempo antes da viagem. Esse episódio foi documentado através de câmeras de celular e compartilhado na internet, o que impossibilitou que Parker continuasse fingindo preocupação com o contágio da Covid-19. Então, existe uma separação bastante curiosa entre o que ela diz e tenta demonstrar para Miri (Bethlehem Million), a sua amiga excessivamente preocupada com a saúde dos seus familiares, e aquilo que ela realmente faz quando pensa que ninguém está olhando e condenando.

Apesar dessas questões, é interessante destacar que o roteiro de Kevin Williamson não possui um tom condenatório, mas sim nos desafia a pensar as implicações morais de reações extremas geradas pelo contexto de pandemia enquanto oferece excelentes cenas de perseguição e um ritmo frenético — o que agradou bastante o público e a crítica, de maneira que o longa tem, respectivamente, 70% e 86% de aprovação no Rotten Tomatoes. Essas porcentagens foram obtidas com base em um número expressivo de comentários, especialmente considerando que Sick foi lançado diretamente no Peacock, um serviço de streaming disponível somente nos Estados Unidos e em alguns países da Europa.

Logo, embora o slasher seja um subgênero frequentemente diminuído por “amantes do horror”, na verdade, ele é um dos mais aptos a refletir questões contextuais e sociais porque lida diretamente com personagens jovens. Ou seja, com aqueles que vivenciam de forma mais próxima todas as inovações e vivem o que existe de mais atual em todos os âmbitos da vida em sociedade. Sendo assim, as produções precisam encontrar maneiras de convencer um público que é muito mais exigente do que em outros tempos porque já foi exposto estímulos demais — uma reflexão que, inclusive, foi apresentada em Pânico 5. Então, ainda que o subgênero tenha passado por vários altos e baixos durante a sua curta vida, ele se prova constantemente capaz de se reinventar e de refletir o próprio tempo, algo que por si só é impressionante.

2 comentários

  1. Amei essa matéria. Muito legal! Parabéns. Conta tão bem a história dos filmes de terror. Deviam fazer mais. Adoro esse site!

    1. Oi, Matheus! Muito obrigada pelo comentário. Pode deixar que eu tenho planos de fazer mais vezes sim. Inclusive estou pensando em uma similar sobre vampiros, mas ainda me falta muita pesquisa e filmes pra assistir.

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