Categorias: LITERATURA

O Corpo na Cozinha e o conto como manifesto

Vanessa Freitas é uma escritora carioca de 29 anos, dedicada a contar histórias focadas no público LGBTQIA+, como o romance O Nome Dela é Sofia, que já ganhou resenha aqui no Valkirias. Isso também fica claro nas escolhas das personagens principais do conto “O Corpo na Cozinha”, uma história entre Clarice e Paula.

Tudo começa em uma festa de Halloween no Rio de Janeiro, com fantasias mais adequadas ao calor do Rio do que ao que é de se esperar para um feriado típico de outono e temperaturas mais amenas. Todo mundo se divertindo, menos Clarice, que tenta esquecer que a ex está na festa e dedicada a seduzi-la a qualquer custo.

As personagens

Clarice, como escritora independente e bissexual, é multifacetada e apresenta certa vulnerabilidade, que acessamos por meio de sentimentos conflituosos em relação à presença na festa e a ex, Paula. Ela também é descrita como medrosa, o que pode ser um contraste com sua personalidade corajosa e independente como escritora. Paula, por outro lado, é apresentada como trans e bissexual, e sua paixão por polaroids sugere uma personalidade criativa e artística. Ela é descrita como insistente e corajosa, mas também sem senso de autopreservação, o que leva à tensão em suas ações e decisões.

A dinâmica entre as duas é complexa e bem específica, com Paula tentando seduzir Clarice novamente, enquanto Clarice lida com seus sentimentos conflitantes em relação ao jogo de morde e assopra que atiça a curiosidade de quem lê para saber quem vai vencer. A tensão aumenta quando Clarice encontra um corpo na cozinha que desaparece misteriosamente. Outros elementos de suspense também surgem na história.

Enquanto uma está preocupada com o corpo que encontrou e a ameaça que a descoberta representa, a outra só pensa em seduzi-la a qualquer custo, negando-se a acreditar que tenha acontecido um crime na festa. Juntas, elas vão descobrir que, em uma noite de Halloween, nem sempre os perigos são apenas disfarces.

O suspense na narrativa

O conto joga com a ideia de que as aparências podem ser enganosas e que algumas coisas são muito piores do que parecem. A personagem Clarice é forçada a questionar até onde ela estaria disposta a ir para conseguir o que quer e até que ponto estaria disposta a enfrentar o verdadeiro terror.

O uso da festa de Halloween como cenário cria um clima de mistério e suspense, e a descrição do corpo desaparecido adiciona um elemento de terror. Vanessa Freitas consegue criar uma atmosfera tensa e intrigante através da descrição do cenário, personagens e eventos, e a construção do suspense é bem feita, deixando nós, leitoras, curiosas. Além disso, a caracterização das personagens principais é uma forma interessante de abordar questões de identidade e inclusão.

“O Corpo na Cozinha” é um conto intrigante e tenso que joga com a ideia de aparências enganosas e desafios psicológicos, prendendo a atenção e estimulando a leitura até o fim. O gênero do terror é frequentemente usado para explorar medos universais e tabus sociais, às vezes sendo uma maneira de processar e lidar com esses medos de forma simbólica. A literatura LGBTQIA+ também pode ser uma maneira de explorar esses medos e tabus, especialmente aqueles relacionados à marginalização e discriminação.

Em termos de construção de personagens, é importante que eles sejam desenvolvidos de maneira coerente e consistente, a fim de criar uma história envolvente. A contextualização dos personagens também é importante para ajudar os leitores a compreendê-los e se conectar com eles. Além disso, o ritmo, os diálogos e a sensação de raiva que está presente em todo conto, principalmente em Clarice, são elementos que trazem a realidade e ajudam a criar uma história diferente, mas crível.

O conto como manifesto

Analisando “O Corpo na Cozinha”, podemos ver como a autora aborda questões relacionadas à igualdade de gênero e à representatividade de mulheres e outras minorias. Uma das principais questões abordadas no conto é a independência e poder das personagens femininas. Clarice, como escritora independente, é uma representação de mulheres fortes e autônomas. Paula, embora possa ser vista como insistente e atirada, também é retratada como corajosa e determinada, um exemplo de como as mulheres são frequentemente julgadas de forma diferente do que os homens quando se trata de ambição e assertividade.

Outra questão importante abordada no conto é a representatividade de mulheres e outras minorias, trazendo personagens bissexuais e trans de forma natural. Sem tornar o foco da narrativa, mas ao mesmo tempo explorando os desejos, fantasias e sentimentos das personagens. O conto também pode ser analisado do ponto de vista da sexualidade feminina e das expectativas sociais sobre as mulheres. Clarice é descrita como tendo um fraco por mulheres bonitas, enquanto Paula é persistente em seus avanços para seduzir Clarice. Ambas desafiam os estereótipos de gênero e as expectativas sociais de que as mulheres devem ser passivas e receptivas em relação à sua sexualidade, ou serem vítimas e aceitarem quaisquer parceir(o)as.

“O Corpo na Cozinha” é um conto que aborda questões feministas importantes, como independência e poder das personagens femininas, representatividade de mulheres e outras minorias, e desafios as expectativas sociais sobre as mulheres e sua sexualidade.


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