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O que Mireille Mathieu pode nos dizer sobre sobre identidade nacional francesa?

“Pode parecer engraçado, mas você representa a França para muitos países estrangeiros”.

Um ano antes de entrar na universidade, em 2009, eu respirava, sentia e vivia Mireille Mathieu. Essa cantora francesa, nascida no sul do Hexagone, em Avignon, mantinha minha curiosidade acesa (algo que eu descobriria mais tarde ser essencial para minha profissão de tradutora): eu acessava blogs da França e assistia à entrevistas sem entender o que estava sendo dito, mas nada, nem a incompreensão do idioma, fazia com que eu parasse.

No ano seguinte, entrei para o tão sonhado curso de Letras e pude aprender o idioma pelo qual havia me apaixonado com Mireille. Na verdade, o que eu não sabia era que também havia me apaixonado pela imagem que ela carregava consigo toda vez que pisava no palco: a de uma França tão nacionalista que beirava o racismo e a xenofobia. Aos poucos, fui percebendo o quanto Mireille Mathieu, a quem eu amava tanto, era o suprassumo do nacionalismo. Ela cantava músicas sobre ter mantido seu sotaque de Marselha, e amava Charles de Gaulle, uma figura muito controversa especialmente após a libertação de Paris na Segunda Guerra Mundial. O fato é que a narrativa dela e a maneira como ela tem se posicionado desde 1965, quando estourou com a música “Mon Crédo”, serve aos interesses da imagem que a França deseja manter para si, mas que já foi destruída há muito tempo pela presença da globalização e dos imigrantes (atenção: contém ironia).

Tudo, desde a maneira como ela foi apresentada ao grande público até o fato de ela nunca ter se casado, passando por carregar uma enorme cruz católica no peito, aponta para a manutenção de uma França ultraconservadora. Mireille jamais se posicionou abertamente contra a questão da imigração, mas ela não precisa fazer isso: suas músicas já o fazem, de certa forma.

Tudo aconteceu como um conto de fadas: a garota que saiu do interior para brilhar

Como disse anteriormente, a trajetória de Mireille Mathieu é algo bastante repetido em livros e em todos os programas nos quais ela vai. E agora você me pergunta: por quê? E eu digo: tragédia vende. E de tragédia, a demoiselle d’Avignon [senhorita de Avignon], como é chamada por seus fãs, entende bastante. Além disso, a história de Mireille tem altas doses de meritocracia e romantização da pobreza. Não são só os Estados Unidos adoram histórias de pessoas pobres lutando contra tudo e todos, ocupando espaços que não estavam destinados a elas. A França também adora, e se tiver uma dose de Édith Piaf, melhor ainda.

Mireille é a primogênita de uma família de 14 irmãos. Ela começou a trabalhar em uma fábrica de envelopes em Avignon para ajudar a sustentar os pais. Também cuidava dos irmãos menores. Seu pai, Roger, gostava muito de cantar. Ele sabia cantar árias de óperas, como Carmen e Tosca, de ouvido, sem partitura. A mãe de Mireille, Marcelle, também gostava de música. Nesse ambiente pobre, porém feliz, a pequena Mimi exercitava seus talentos de cantora.

Estimulada pelo adjunto da prefeitura de Avignon, Raoul Colombe, Mireille acabou começando a participar de diversos concursos de calouros. Antes disso, ela já havia dominado o palco, ao lado de outra futura cantora francesa, Michèle Torr. O destino de Mireille já estava tão traçado que, reza a lenda, uma vidente previu que ela faria sucesso. Na verdade, não foi o destino, mas Colombe quem a levou rumo ao estrelato, afinal, foi ele quem a inscreveu no Jeu de la Chance [Jogo da Sorte], uma espécie de programa de rua, de alcance nacional. Na biografia La Véritable Mireille Mathieu, Raymond Marcillac explica como funcionava a produção:

“Todo mundo podia se apresentar. Os cantores ridículos eram brutalmente interrompidos durante o número deles pelo veredicto da sala. (…) Na semana seguinte, recebemos milhões de cartas dizendo que éramos cruéis [porque o programa humilhava os cantores], nos insultando. Decidi interromper o jogo e mudá-lo. Foi assim que nasceu o Jeu de la chance que se tornou uma verdadeira instituição.” (Páginas 60 e 61, tradução livre)

Dessa forma, as regras do programa mudaram. Agora eram escolhidos cinco cantores, e eles podiam cantar suas músicas até o fim. Os espectadores escolhiam seus favoritos por carta. Na semana seguinte, o vencedor enfrentava os outros quatro candidatos inéditos.

Por volta dessa época, Mireille já havia assinado um contrato com Colombe sob a supervisão de seus pais, pois era menor de idade. No entanto, isso não durou muito, pois Johnny Stark, o futuro empresário da cantora — e uma figura importantíssima na manutenção de sua imaculada imagem — entrou na jogada.

Stark era um homem muito mais velho, sobre quem Mireille até mesmo gravou uma canção chamada L’américain [“O Americano”]. Ele costumava empresariar artistas 100% diferentes de Mathieu no quesito musical — jovens, voltados ao gênero “iê-iê-iê”, como a cantora Sylvie Vartan.

Sylvie vendia uma imagem de exportação, uma menina loira e bonita que acabou se casando com o Elvis Presley francês, Johnny Hallyday, também empresariado por Stark. Por que estou falando de Vartan? Porque é preciso entender como Stark entendia de imagens, de como vender um determinado produto aos consumidores. O que Vartan vendia, por exemplo, não cabia aos futuros ouvintes de Mireille.

Ao ver Mireille Mathieu pela primeira vez, Johnny Stark sabia que tinha um diamante bruto nas mãos. Ela era uma garota ingênua, sem muita formação, ou seja, pronta para fazer tudo o que ele mandasse. Foi o que ela fez. Exatamente como a história de Pigmaleão, Johnny transformou a interiorana Mireille em um produto vendável. A lenda diz que ele até mesmo a ensinou regras de etiqueta. Outro detalhe bastante importante dos primeiros anos em que Johnny empresariou Mireille é que ele sempre falava por ela. Durante uma entrevista, um repórter lhe perguntou o motivo disso. Ela não teria voz? Mireille respondeu:

“Porque o senhor Stark sabe o que é bom para mim.”

Para o bem ou para o mal, a verdade é que Stark moldou Mireille Mathieu. Quando ela lançou seu primeiro single, “Mon Crédo”, ele já sabia que a venderia como a nova Piaf. Essa imagem, inclusive, seria bastante recorrente na carreira de Mireille, visto que ela gravou dois álbuns cantando Piaf ao longo de sua carreira. Em qualquer entrevista, a cantora está sempre pronta para exaltar a La Môme, a responsável por ela descobrir seu talento.

Além da roupagem para lá de Piaf, Mireille também tinha que ser a favor da família. Ela não podia estar metida em escândalos como Sylvie Vartan. Ela não podia ser frívola e desmiolada como a búlgara Vartan. E para isso, a mortalha da não sexualidade foi colocada desde muito cedo em Mireille Mathieu: ela não teria namorados, nem casamento, nem nada. O cheiro de qualquer uma dessas coisas é uma lenda que permanece viva, mesmo quase 50 anos após seu debute como cantora. Em diversas reportagens de revista, encontramos Mireille ao lado de sua grande família. Quer algo que venda mais do que a família? Na França católica e conservadora, não existe. Juntamente com sua não sexualidade, o apego que ela sempre teve à família fez com que ela fosse vendida na França, e fora dela, como a imagem que os franceses têm de si.

Dessa maneira, sinto que Mireille foi infantilizada durante toda sua trajetória ao lado de Stark. Ela jamais foi levada a sério, e isso não aconteceu apenas porque ela realmente parece jovem com seu um metro e meio de altura. É porque, já com mais de 40 anos, ela ainda reinterpretava moças de 20 chegando em Paris, exatamente como ela havia feito. Uma repetição de sua história, uma estratégia de reafirmar a meritocracia e a tragédia das quais falei anteriormente.

Porém, o conto de fadas não durou para sempre. Em 1991, Johnny Stark faleceu, e a carreira de Mireille Mathieu acabou nas mãos da irmã dela, Matite. Percebemos uma curva de 360 graus na estrada, na qual Mireille não tem mais seu empresário para lhe dizer o que é certo ou errado, musicalmente ou não. Dessa forma, Mireille ficou na zona de conforto, regravando Piaf ou lançando coletâneas. Trabalhos novos são raros, e quase sempre em outros idiomas, como alemão e russo.

Uma análise sobre a sensação de identidade e pertencimento em duas canções de Mireille Mathieu

A roupagem Piaf, os figurinos e o cabelo tigelinha, marca registrada da cantora, não seriam os mesmos sem as músicas de Mireille Mathieu. Se você escutá-la, o que espero que faça depois de ler este texto, perceberá que seus erres são muito mais pronunciados. Isso acontece porque ela vem da região sul francesa e faz questão de manter o sotaque, tendo, inclusive, gravado uma música a respeito disso, chamada J’ai gardé l’accent [“Eu Mantive o Sotaque”]:

“Oui, j’ai gardé l’accent qu’on attrape en naissant du côté de Marseille
C’est l’ail du potager, l’huile de l’olivier, le raisin de latreille”

“Sim, eu mantive o sotaque que nós temos nascendo lá para os lados de Marselha
É o alho da horta, a oliva da oliveira, a uva de latreille” (tradução livre)

Quando não versam sobre o amor e a perda, as letras de Mireille Mathieu podem ser extremamente políticas, porque evocam um sentimento de nacionalismo no qual os franceses gostam muito de se apoiar para criar a famosa cisão nós versus eles. Talvez por isso Mireille faça tanto sucesso entre a geração mais velha: ela traz uma sensação indescritível de pertencimento. É a identidade nacional francesa na sua forma mais crua e sincera. Isso nos leva a uma das músicas mais famosas da cantora, “Made in France”. Lançada em 1985, no auge das discussões sobre as políticas identitárias francesas, ela descreve basicamente o sentimento de ser francês.

Nos anos 70, a França sofreu seu primeiro grande golpe em termos de imigração: em 1974, acabou a imigração de trabalho na França. Naquele momento, o germe do imigrante como o culpado por todos os problemas do país já contaminava todas as classes sociais, mesmo que os imigrantes participassem de 12% da taxa de natalidade da França e fossem essenciais para a manutenção do controle reprodutivo do país. Na década seguinte, a situação só pioraria, pois, pela primeira vez desde 1945, o código de nacionalidade francês seria revisto. Mais do que quem poderia entrar no país, começou-se a discutir o que era ser francês. Quem podia ser considerado como tal. A revisão do código aconteceu porque, durante os anos 80, os imigrantes ganharam espaço político através de organizações. Uma delas, SOS Racisme, questionou o conceito de cidadania. Ser cidadão é ser francês? Será mesmo?

Quem não gostou do questionamento foi a extrema-direita, representada pelo Front National, partido de Jean-Marie Le Pen. O partido começou a incitar a discórdia questionando como imigrantes haviam conseguido seus vistos. Começava aí o sentimento de que os imigrantes estavam arruinando o país, algo passado de pai para filho, visto que a filha de Le Pen, Marine, foi candidata à presidência da República defendendo a mesma França de seu pai: limpinha, mas só para os que tivessem a carteirinha.

No governo de Jacques Chirac, presidente socialista, a discussão sobre as políticas de imigração pararam. Porém, quatro anos depois, com a ascensão da direita ao poder, elas voltaram com tudo. Surgiam as leis Pasqua, um pacote anti-imigração que visava a questionar como a cidadania francesa era concedida. De acordo com o artigo Políticas de nacionalidade e políticas de imigração na França, de Rossana Rocha Reis, as leis seriam reformuladas da seguinte maneira:

“A nova lei, no domínio da nacionalidade, incluía: as modificações já citadas na primeira tentativa de reforma do código de nacionalidade, nos artigos 44 e 79; a supressão da possibilidade de estrangeiros, nascidos fora da França, pedirem a nacionalidade para os filhos menores nascidos na França (art. 52); o aumento do prazo necessário para o cônjuge de um francês adquirir a nacionalidade francesa, de seis meses para dois anos; o fim da possibilidade, para os que têm dupla nacionalidade francesa e argelina, de servirem o exército em qualquer um dos dois países. A partir das leis Pasqua, o ato de escolher realizar o serviço militar fora da França implica a perda da nacionalidade francesa”. (Pág. 9)

“Made In France”: o hino dos tradicionalistas franceses

“Made In France”, a música de Mireille Mathieu, tem tudo a ver com esse momento na França. Até mesmo o ano de lançamento casa com as discussões sobre políticas de imigração. Um dos vídeos da canção, disponível no YouTube, é uma aula de semiótica, como imagens carregam significados políticos:

Ao fundo deste vídeo, vemos representadas as cores da bandeira francesa, bem como o chapéu de Napoleão. A música começa enaltecendo outros lugares do mundo, como o Rio de Janeiro, passando para a parte em que o narrador confessa chorar na frente da acrópole na Grécia. Porém, nada se compara à sensação que a França causa, como bem coloca o refrão de “Made In France”:

“Mas eu canto e eu danço
Meus romances Made In France
E eu volto para a Provença
Minha Provença Made in France
Meu caminho e minha sorte
Eu os tive por causa da França
Toda a minha existência
É um produto Made In France”
(tradução livre)

É uma letra extremamente política, de uma maneira bastante assustadora, porque permanece tão atual. Isso mostra que o sentimento nacionalista francês não envelheceu, nem caducou, ele apenas se fortaleceu, digamos assim. Há quem diga que a França se tornou a “caçamba” da Europa por receber imigrantes, e letras como as de “Made In France” reforçam um eu versus eles.

Vemos um forte sentimento tradicionalista nessa música, algo que acabou sendo revivido nos anos 80. De acordo com o artigo de Rossana, o tradicionalismo é a existência de uma ligação profunda entre a nacionalidade e a cultura, determinada pela cultura do indivíduo. Dessa forma, só pode ser francês quem tiver sangue “puro” francês, ou seja, origem europeia. Parece familiar?

Toda a questão francesa com a imigração é a sensação de estar perdendo a própria cultura, algo que foi exacerbado pela globalização. Misturar-se, neste caso, é uma ameaça ao correto, no caso, ao europeu e civilizado. Um pensamento colonialista e xenófobo. Não foi à toa que Marine Le Pen conquistou o terceiro lugar nas últimas eleições presidenciais: ela dialoga muito com a sensação de pertencimento dos franceses. Como nos anos 80, a França busca culpados por sua crise no desemprego e como nação.

“Paris En Colère”: a França consegue se reerguer da lama

“Paris En Colère” (“Paris em Fúria”, tradução livre) foi uma música lançada nos anos 60, um dos primeiros hinários de Mireille Mathieu. Naquele momento, muitas ex-colônias francesas, como a Argélia, já haviam se tornado independentes (muito porque custava caro mantê-las, e não porque a França era boazinha). No entanto, a canção de Mathieu vai na contramão da queda colonialista, porque ela fala basicamente sobre a libertação de Paris da ocupação alemã em 1945. Você pode se perguntar: por que fazer uma música sobre a libertação de Paris em plenos anos 60?

Como muitos países, a França carrega muitas contradições dentro de si. Depois da imigração, acredito que um dos grandes tabus dos bleus (como os franceses se intitulam) é o colaboracionismo que surgiu a partir do dia 14 de junho de 1940, quando os alemães marcharam em Paris. Durante quatro anos, a França foi ocupada pela Alemanha, e não foram poucos que os que se tornaram colaboracionistas. Artistas, como a cantora e atriz Arletty, dormiram com alemães. No dia de seu julgamento, ela deu a famosa declaração de que amava a França, mas sua bunda era dos alemães. Os franceses foram obrigados a conviver com os invasores e verem o símbolo de sua cultura, o Museu do Louvre, saqueado por alemães.

Historicamente, a ocupação foi o produto de uma série de fatores. A Terceira República, instituída em 1870 após a derrota na Guerra Franco-Prussiana, teve uma série de governantes — trinta e três, para ser mais específica. Havia uma enorme decepção com a classe política na França, a sensação de que eram todos corruptos. O periódico satírico Canard Enchaîné já fazia piada com isso, perguntando aos leitores por que a França era governada por homens velhos.

Além do fracasso da Terceira República, a França foi um dos países da Europa que viveu profundamente os efeitos da crise de 1929. Quando havia se recuperado das mortes causadas na Primeira Guerra Mundial, que provocou uma enorme queda de população no país, ele foi assolados pelo desemprego e pela diminuição das exportações. No cenário político, também tínhamos o antissemitismo, inflado pelo caso Dreyfus.

A ocupação deixou a França de joelhos. Não é um período fácil de ser avaliado, mas os fatos acima dão uma noção de como o país estava na primeira metade do século XX. Os franceses não aceitam ter sido colaboradores, é um período sujo na história deles. Tanto é verdade que as punições para os colaboradores durante a Segunda Guerra, principalmente mulheres que tiveram relacionamentos com alemães, era a humilhação pública, com direito a rasparem a cabeça delas e a atirarem tomates quando elas andavam na rua.

Quando Paris foi libertada pelo exército do General De Gaulle, um mito foi instaurado. Para apagar seus anos de colaboração, plantou-se a ideia de que a França se libertou sozinha, sem a ajuda dos Aliados. Ela conseguiu se soltar das cordas sozinha. Invasão da Normandia? Não, senhores, fizemos tudo sozinhos. De Gaulle, que depois governaria o país, foi o grande responsável por esse mito. E “Paris en Colère”, de Mireille Mathieu, ajuda a manter essa versão da história. A música começa com os seguintes versos:

“Que l’on touche à la liberté
Et Paris se met en colère
Et Paris commence à gronder
Et le lendemain, c’est la guerre
Paris se réveille
Et il ouvre ses prisons”

“Quando entramos em contato com a liberdade
E Paris entra em fúria
E Paris começa a crescer
E no dia seguinte declara-se guerra
Paris se levanta
E abre suas prisões”
(tradução livre)

Aqui temos a ideia de que a França se levanta e vai atrás de seu destino, a liberdade. Mantendo a tradição da Revolução Francesa, estas pessoas marcham rumo à liberdade. “Paris en Colère” me lembra muito “A Marselhesa”, hino nacional francês, porque também exalta o uso de armas e a violência, representada pela guerra, como uma arma válida para a liberdade.

Como disse anteriormente, Mireille é muito fã de De Gaulle. Ao gravar “Paris en Colère”, ela também estava exaltando sua atuação na Libertação da França. No entanto, a parte mais significativa da canção acontece lá pela metade, quando ela diz:

“La vie, la mort ne comptent plus
On a gagné, on a perdu
Mais on pourra se présenter là-haut
Une fleur au chapeau
On veut être libres
À n’importe quel prix
On veut vivre, vivre, vivre
Vivre libre à Paris”

“A vida e a morte não são mais importantes
Nós ganhamos, nós perdemos
Mas poderemos nos apresentar
Com uma flor no chapéu
Queremos a liberdade
A qualquer preço
Queremos viver, viver, viver
Viver livre em Paris”
(tradução livre)

A liberdade conquistada depois da Libertação é aquela em que não se fala sobre a colaboração e exclui o papel dos Aliados. É uma forma de os franceses manterem seu orgulho, mesmo depois de terem lambido as botas dos alemães durante quatro anos. A manutenção de mitos franceses passa pelo discurso veiculado por figuras importantes da sociedade civil. Mireille Mathieu é um deles. Ela está ali para que alguns alicerces franceses se mantenham em pé: a ideia de que a França ainda é o país de Rousseau, dos direitos e da democracia.

Quando a apresentadora do programa de variedades C à vous declarou que Mireille era a ideia da França no estrangeiro, ela tinha razão. Ela é vendida como um ideário, algo extremamente engessado e que ignora a riqueza de um país que vive “assombrado” pelos fantasmas da colaboração e da imigração.

O poder ideológico de Mireille Mathieu não pode ser ignorado. Ela continua viajando pela Europa em turnê difundindo uma ideia bastante particular sobre o lugar de onde vem. Qual é a França dela? Lembro de uma canção de um rapper francês Grands Corps Malade, Je viens de là, na qual ele declara: “Cada um com seu território, cada um com a sua França”. E na França de Mireille Mathieu não há espaço para o diferente. Apenas para a exaltação de um passado que jamais existiu.

1 comentário

  1. Parabéns Jéssica
    Sua crônica sobre Mireille Mathieu é a melhor coisa que já li sobre essa meiga francesinha .A análise sociológica que você fez sobre a sociedade francesa é exata, é percuciente, é aguda e perspicaz. o que demonstra sua elevada e superior cultura. O francês, de fato, não perde o “ar de colonizador”, mesmo que subjugado pelas circunstâncias, como ocorreu na década de 40, mas isso não nos impede de amar o povo e os costumes franceses, e o idioma de .Mirabeau

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