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A (extra)ordinária fase adulta do McFly em Young Dumb Thrills

Na contramão dos famigerados álbuns que atingiram seu auge na pandemia, como Future Nostalgia da Dua Lipa, Chromatica da Lady Gaga e, claro, o After Hours do The Weeknd, Young Dumb Thrills do McFly, lançado em novembro de 2020, foge da onda nostálgica que referencia a sonoridade e a estética oitentista e noventista.

Na época, a banda dos britânicos Tom Fletcher, Danny Jones, Harry Judd e Dougie Poynter, voltou ao estúdio para o lançamento do primeiro álbum de inéditas desde 2010, depois de um hiato de cerca de quatro anos — além do período de dois anos em parceria com o Busted, que formou o supergrupo, McBusted, algo comum no Reino Unido.

Os membros já ensaiavam o retorno desde o compilado de canções conhecidas entre os fãs, mas que nunca oficialmente disponibilizadas nas plataformas digitais, o The Lost Songs, e demos nunca trabalhadas, que reuniu diversas faixas de qualidade lançadas entre 2019 e 2020, as quais rememoram sonoridades já exploradas pela banda como “Red”, “We Were Only Kids” e “Break Me”. Apesar da qualidade sempre mantida pelo grupo, o trabalho é um retalho de tudo que o McFly já fez em quase vinte anos de banda, bastante carregado de maturidade instrumental e vocal, mas ainda assim um aquecimento. Assim, Young Dumb Thrills surgiu como o retorno oficial e coeso da banda, apresentando uma evolução do pop-rock que sempre foi seu cartão de visitas.

Danny Jones contou ao jornal britânico The Sun, que, dessa vez, estavam determinados a buscar o som que acreditavam, não o que vinha sendo tendência nas rádios, um erro que cometeram no álbum de 2010, Above the Noise. Gravado nos Estados Unidos, o projeto conta com bons momentos, como “Shine a Light” (feat. Taio Cruz), “If U C Kate” e a balada de inspiração “Princianica”, “I’ll Be Your Man”, sendo bastante influenciado pelo eletro pop da época e o menos marcante da banda, justamente, porque não tem cara de McFly:

“Era tudo sobre tocar na rádio e não havia guitarras em lugar algum. Nós nunca fomos uma banda de acordo com isso. Sempre fomos a banda que dizia que seguiríamos o que sabemos fazer, o que gostamos, e não a tendência. E acho que caímos um pouco nisso.”

O McFly sempre cantou sobre o amor inocente, sobre garotas com cabelos de cinco cores, sobre experiências desastradas da juventude e, como uma banda britânica, devidamente influenciada pelos Beatles em sua forma de se aprofundar na ordinariedade de um quarto de hotel ruim, bem como viajar fantasiosamente em temas menos tangíveis, mas totalmente aceitáveis na arte. Se Lucy foi para o céu com diamantes, a Ana Bolena de Transylvania pode ter sua trágica história contada sob a dramaticidade da clássica peça de Bach (“Tocata e Fuga em Ré Menor”) misturada à urgência das guitarras modernas em oposição à História Monárquica.

Anos se passaram e os membros da banda, é claro, viveram os altos e baixos do amadurecimento, tanto na vida pessoal como no âmbito profissional. Eles se separaram, casaram, exploraram seu lado artístico de maneira individual, se desentenderam, tornaram-se pais e voltaram a se entender. O álbum de 2020 é um retrato de tudo isso, um reflexo de processos pelos quais necessariamente tiveram que passar para chegar no que é uma carta de amor realista uns sobre os outros.

Young Dumb Thrills aborda a chegada dos trinta e poucos anos, a vida mais estável em razão de suas famílias e da habitualidade que a fama meteórica alcançada nos anos 2000 se tornou; as frustrações e decepções uns com os outros, as dificuldades para chegarem a um consenso, os reencontros e até sobre o que cantar. Como diversas outras bandas que já passaram por fases de ócio, os membros enfrentam a dificuldade de encontrar temas para escrever pois é quase impossível manter os dias loucos e a filosofia do rock (de sexo, drogas e rock n’ roll) para sempre. A maturidade chega, as pessoas que os rodeiam são sempre as mesmas, o relacionamento vira rotina, festas e grandes amores de uma noite são deixados para trás.

Assim, se na faixa que abre o álbum, “Happiness”, eles celebram a alegria de estarem juntos novamente, usando o instrumental de um samba brasileiro e maranhense, presente na faixa “A Bela e a Fera” de Nonato e seu Conjunto, para dar maior significado à energia leve que os rodeia nesse período, comparando a sensação de estar com essa pessoa que gostam a ouvir uma música romântica (além de ser um presente para a enorme fanbase que eles têm no Brasil), já na música seguinte estão se perguntando sobre quais temas escrever, já que suas experiências foram se tornando mais limitadas com o passar do tempo.

“Eu poderia cantar sobre 
um coração quebrado, mas não está quebrado
Cantar sobre vícios, mas eu não fumo (…)
Eu preciso de algumas histórias para contar
Histórias que me fazem parecer incrível 
Eu preciso de um rompimento, mas nós sempre acordamos e fazemos as pazes
E isso não faz uma música que venda
Eu poderia cantar sobre o oceano, mas eu não nado
Cantar sobre a encrenca que nunca me meti
É como uma música que você já ouviu antes
Te mantém voltando para mais
[mas] Isso não é único, e definitivamente não é original (…)
Me dê um pouco de dor
O suficiente para colocar palavras em meu cérebro
Para fazer disso mais do que uma canção de amor”

No fim, não há como evitar que essa seja uma canção de amor, assim como todo o resto do álbum, mas da forma deles, pois o que é único e original são os problemas pelos quais passaram como banda e suas questões pessoais durante esse período obscuro. Por isso, o segundo single da era, “Tonight is The Night”, dá o tom pessoal e focado na saúde mental de todo o trabalho, rememorando um episódio doloroso e definitivo para a banda, onde o eu lírico anuncia ser a noite em que irá pedir ajuda.

Na série “Song Stories”, no canal da banda no YouTube, Tom Fletcher conta que, inicialmente, teve a ideia da primeira frase (“Eu estava lá quando aconteceu”), apesar de não saber realmente o que aconteceu ou quando. Evitando adentrar em detalhes sobre os problemas reais da banda para não criar especulações, Danny completou que foi uma melodia mais fácil de escrever do que a letra em si, pois perceberam que se tratava de algo muito pessoal para o amigo, o que fazia dessa uma música especial.

“Eu estava lá quando aconteceu
Eu estava lá quando você caiu
A primeira vez que te vi chorar
A mágica morreu também (…)
Momentos após o acontecido
Pensei ‘Okay, está tudo bem’
Depois, meu coração tirou férias
E fui deixado para trás
Então, fiquei à sombra 
De quem eu era 
Agora me pareço com a pessoa
Que tem pisado em mim (…)
Apenas uma entre mil pessoas 
Que têm medo de pedir ajuda
Pela minha própria saúde mental
Tive de dizer a mim mesmo
Essa é a noite
Eu confesso para mim mesmo que estou pedindo ajuda (…)”

Na faixa, o eu lírico denuncia que a pressão vem de si mesmo e, embora o medo persista, pedir ajuda é um passo necessário após passar tempo demais longe de quem deveria ser. Dessa forma, os compositores mesclam perfeitamente um dos temas mais atuais dos tempos modernos às questões relacionadas à banda, alertando para a demora em procurar ajuda em detrimento do desgaste mental causado por uma situação ou condição genética, gastando tempo perdido em si mesmo, remoendo acontecimentos fora de alcance enquanto o futuro se encontra há apenas uma boa decisão.

Nesse caso, o futuro está na faixa-título. Depois de superados os problemas, “Young Dumb Thrills” é mais um retrato perfeito da fase adulta da banda, onde seus membros abordam uma busca abstrata pela sensação de novidade, pela expectativa da juventude, que os cercavam quando tudo era novo, algo com que as pessoas na faixa etária do McFly podem vivenciar em suas vidas pessoais. Quando se é jovem, a aura de promessas que cerca o indivíduo é, geralmente, motivadora do desejo por descobrir as possibilidades do mundo. Passado um tempo, as coisas deixam de ser novidade, se transformando em uma rotina comum, que pode engolir a todos que não estiverem atentos. Isso foi algo abordado pela cantora Anitta, a qual recentemente comentou no podcast PodDelas (disponível no YouTube), que nenhuma conquista posterior vai ter a mesma sensação da primeira vez:

“(…) Ganhar mais três vezes esse prêmio [uma conquista hipotética], não vai fazer a mesma sensação que fez o primeiro. E aí, você vai pro resto da vida lutar por algo que você já conquistou (…) Só pra você se manter ali entre os outros. Aí, isso é você competindo com outros, não é você competindo com você mesmo, né? Não é você tentando se aprimorar e se superar, é você tentando competir com os outros e outros que acabaram de chegar, tão com a sede de ganhar pela primeira vez  – que você já não tem mais. Eu acho que isso é mais a ver com a sua saúde mental, de você não ficar se cobrando só porque os outros tão te comparando com outras pessoas e aí você não tá mais fazendo pelo seu prazer (…).”

Já acostumados à indústria do entretenimento e o meio musical, mais especificamente, não há muito de novo que os rodeia, exceto pela exploração de novas sonoridades e novas letras, como fazem neste projeto. Por isso, a expectativa daqueles “Arrepios Idiotas da Juventude” é uma das motivações para estarem juntos novamente, lançando músicas inéditas e entrando em turnê com novidades para os fãs, pois não há o que se possa fazer sobre envelhecer, como cantam em “Growing Up”.

O aguardado feat. com Mark Hoppus, vocalista do Blink-182 e uma das grandes influências do McFly, fala justamente sobre fato de, durante o processo de amadurecimento, ter perdido coisas que não são possíveis de recuperar e estar um pouco paranoico a respeito disso. Ainda assim, como a banda está voltando e os tempos são otimistas, o melhor é colocar os amigos numa van para entrar em turnê e não pensar muito a respeito.

Na mesma entrevista ao The Sun, os membros do McFly enfatizam como a música foi a responsável por salvá-los de períodos obscuros, bem como por uni-los novamente. Como cantam na faixa “Sink or Sing”, todos ao redor parecem saber perfeitamente como agir em situações difíceis, enquanto esse eu lírico, em específico, tem vontade de simplesmente desistir, pois não sabe como acompanhar o fluxo comum. Na faixa, eles parecem se referir a uma pessoa com algum tipo de ataque de pânico ao cantar “quando respirar for a coisa mais difícil/ ou você vai afundar ou vai cantar”. 

Para o McFly, esse é o poder da música, para além de tratamentos profissionais, já que os quatro membros da banda fizeram um tipo de terapia em conjunto — uma variação da terapia que fazem os casais — para colocar seus problemas em perspectiva e alinhar suas ideias novamente. É por conta disso que, na última faixa do álbum, “Not The End”, eles utilizam a metáfora dos estágios de um casamento para prometer que eles não estão terminando.

“Mesmo que você pense que sabe
Não é hora de terminar o show
Você tem certeza de que haverá mais?
Até a noite acabar
Você sabe que eles vão tocar mais uma vez”

Na letra, eles comentam que, mesmo com um começo desafinado, sem muita harmonia, se apaixonaram à primeira vista pela possibilidade deles, tão fácil aconteceu a química entre os rapazes. Depois, na lua-de-mel, o período de sucesso dos anos 2000, tiveram que se alinhar e conseguir fazer dar certo, confiantes de de que “estrelas iriam se alinhar”. Agora, já uma banda antiga e consolidada no cenário, eles questionam se público continuará com eles: “É hora de decidir com quem vai para casa/ Com o amigo com quem veio/ Ou você vai para a casa com alguém novo?”.

“Not The End” é o fechamento perfeito para um álbum que explora uma nova fase da carreira do McFly, pois, mesmo que seja uma celebração por estarem juntos e alinhados novamente, reflete o sentimento agridoce da maturidade, das inseguranças e de períodos de altos e baixos pelos quais todos passam, ou seja, também uma afirmação necessária de compreensão sobre o estado mental da geração que os acompanha.

Como prometido em “You’re Not Special”, por mais que, às vezes, se alimente a crença de ser um sujeito especial (e, no caso deles, ter um lugar de destaque na mídia), principalmente quando pessoas ao redor dizem isso o tempo todo, os ídolos são apenas pessoas ordinárias que tentam, choram e morrem como qualquer um: “Nunca conheça seus heróis/ Eles são pessoas ordinárias/ Eles vão apenas te decepcionar/ Eu aprendi do jeito mais difícil”. 

Em uma faixa que alimenta o paralelismo de, ao mesmo tempo, ocupar esse lugar pesado de herói para milhares de pessoas ao redor do mundo e se colocar de maneira mais vulnerável, reflexiva e conectiva, o McFly demonstra como compreende o interior de um público que o segue há quase 20 anos e solidifica seu lugar de relevância na música justamente por isso.