Categorias: CINEMA

Maestro, Carey Mulligan e a história que importa

Um dos nomes mais proeminentes da cena musical americana do século XX, o compositor e regente Leonard Bernstein ganha sua primeira cinebiografia pelas mãos de Bradley Cooper que, além de estar na pele do músico, dirige a aposta da Netflix para a temporada de premiações de 2024, Maestro.

Na produção, Cooper se utiliza da dinâmica orquestral que tocava a existência de Bernstein para retratar sua vida em âmbito pessoal e profissional, da genialidade do nome por trás do clássico da Broadway West Side Story (1957), aos vícios e a vida familiar, retratada principalmente na figura de sua esposa, Felicia Cohn Montealegre (Carey Mulligan), e no convívio boêmio do casal na cena artística nova-iorquina.

Maestro é assertivo ao criar um clima de liberalidade, entendimento e domínio de Bernstein nestes momentos. Ele é o sol, um retrato vivo e pensante de genialidade, capaz de engolfar todos ao seu redor, o que é compreensível na interpretação imersiva de Cooper, que vai muito além da linguagem corporal. Com a ajuda da maquiagem, o ator e diretor faz com Bernstein o equivalente ao que Austin Butler fez com Elvis no filme de Baz Luhrmann (2021). É mais do que uma mera interpretação, é um mergulho na essência daquele que se pretende viver, o que é muito visível em tela.

maestro

Contudo, para além disso, Maestro é hesitante em seus objetivos. No filme, tudo se aborda: desde a liberdade com a qual Bernstein e seu entorno encaram a própria bissexualidade, ao fascínio que parece ter sentido pela esposa, até a força com que mergulha na própria música, seja para compor seja para reger.

É como se, ao decidir contar de tudo um pouco, Maestro perdesse o impacto de cada um dos enredos dentro dos enredos. Não há muito peso para a óbvia dúvida que sente entre os deveres familiares e os desejos pessoais, que figura por todo o filme, nem muito peso no retrato de seu processo criativo, nem muito peso ao decidir deixar com que o egoísmo e prepotência artística tomem conta em detrimento de qualquer coisa.

Em uma história linear, o Bernstein de Cooper apenas vive. Os altos e baixos são apenas uma porta pela qual deve passar para chegar a um novo ponto de sua carreira, um novo auge, geralmente delimitado — no filme — por uma de suas peças de sucesso ou conquista musical, como se indiferente ao mundo ao redor em razão daquela genialidade muito própria dos artistas que se tornam quase que de outro mundo, o que torna o personagem central muito distante de qualquer um: embora seja possível compreender o que está em tela, trata-se apenas disso, uma ação inerte de emoção ou sentimentos.

maestro

Carey Mulligan, por outro lado, na pele de Felicia, esposa e mãe dos três filhos de Bernstein, é a única a conferir alguma singularidade na linearidade proposta pelo roteiro de Maestro. Entre ela e o marido, subsiste um fascínio instantâneo, algo que os acompanha por toda a história. Sendo a única que representa um ponto fora de controle no tempo musical perfeito do artista, resta claro o motivo de o próprio filme considerá-la tão essencial.

Mesmo em sua introspecção comum, uma vez que inspirada na personalidade da real Felicia Montealegre, e, portanto, muito contrastante com a expansividade de Bernstein no que diz respeito ao mundo que o rodeava, ao exigir algo dele, é como se exigisse também do público — não apenas prático, para fazer com que a história siga adiante, mas emocionalmente.

Tátil, é mais fácil se envolver na performance de Mulligan do que na de Cooper. Dividindo ou não a tela com o protagonista, a atriz se agiganta em cada cena, sem precisar dizer muito, apenas expressar. Quando diz, porém, também é para contribuir com o desenvolvimento de uma mulher que não se deixou envolver completamente pelo brilho do sol Bernstein, o que torna a produção muito mais palatável, visto a distância imposta na representação do outro.

Fica claro, também, que houve a tentação do roteiro de torná-la a musa do artista. Presente o bastante para compreender sua arte, sua essência, inspirá-lo, Felicia facilmente recairia no papel da esposa pela esposa, apenas pela imagem de uma, com sua própria obra supostamente ressoando somente em Bernstein e não o contrário, tanto que o trecho que melhor condensa o filme é dito por ela e repetido por Cooper, para eternizá-la:

“Se o verão não cantar em você, nada vai cantar em você. E, se nada cantar em você, não pode fazer música”.

Apesar disso, Carey e, portanto, Felicia, também sofrem com a superficial exploração do todo. Soa como se Bernstein a amasse profundamente, para além dos erros coletivos e distanciamentos, mas, como não é um filme sobre o músico e a atriz, não há muito aprofundamento nisso. Também, não há como adentrar no papel da musa, se inexiste um estudo real sobre o artista, sua obra, a influência da musa na arte ou a pessoa por trás de tudo isso — a não ser que se passe por farsa.

Falta profundidade na genialidade do homem que mudou a música clássica no século XX e falta historicidade no retrato de sua musicalidade, seja sua ligação com a Orquestra Filarmônica de Nova York, uma das mais famosas do mundo ou no processo de escrita de West Side Story, seja em suas reais dúvidas sobre o casamento, a família e/ou nos casos extraconjugais que viveu durante este tempo. Assim, por mais que convença em técnica e, muito mais pelo apelo da protagonista feminina, a produção não vai além da primeira camada do que se vê em tela, a ponto de soar quase vazio. Conta-se uma grande história, sobre alguém muito emblemático, mas, se pessoal e profissionalmente distante, a quem esta história importa?

Quando se quer dizer muito, se está sujeito a não dizer nada e, infelizmente, Maestro reside em algumas poucas peças da genialidade musical de Bernstein representada na entrega física de Bradley Cooper e no brilhantismo emocional de Carey Mulligan.

Maestro recebeu 7 indicações ao Oscar, nas categorias de: Melhor Filme, Melhor Ator (Bradley Cooper), Melhor Atriz (Carey Mulligan), Melhor Roteiro Original, Melhor Maquiagem e Penteado, Melhor Som e Melhor Fotografia.