Categorias: LITERATURA

Leia Mulheres, vol. 1: o cartão de visitas das escritoras nacionais contemporâneas

Leia Mulheres é uma iniciativa criada em 2015 por Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques a partir da mobilização #ReadMoreWomen, proposta pela escritora Joanna Walsh em 2014. Buscando incentivar o consumo de livros escritos por mulheres, o projeto se organiza na forma de clubes de leituras em diversas cidades por todo o país (atualmente são mais de 100 cidades no Brasil além de um grupo em Porto, Portugal) que se reúnem periodicamente para ler e debater obras de autoras mulheres.

Já passamos do ponto em que precisamos justificar e explicar a importância de iniciativas como essa em um mundo — e, consequentemente, em um mercado editorial — ainda fortemente dominado por homens. A necessidade de difundir vozes femininas que estão e sempre estiveram em todos os cantos, porém amplamente invisibilizadas e ignoradas, é autoexplicativa. Passamos tempo demais nos sentindo representadas por e nos apoiando na autoridade de homens brancos, e iniciativas que buscam difundir nossas vozes precisam ser exaltadas e encorajadas até o dia em que (esperamos) não serão mais necessárias. Esse é o caso do Leia Mulheres, assim como de outras iniciativas como o Mulheres que Escrevem e o Clube Lesbos (voltado para a divulgação de obras de autoras e artistas lésbicas), que têm se popularizado e difundido por todo o Brasil nos últimos anos.

Não bastando o forte estímulo ao consumo de obras de autoria feminina, o Leia Mulheres vem se voltando também para a promoção do trabalho de escritoras brasileiras contemporâneas estreantes, por meio da participação em comissões julgadoras de concursos de contos. Alguns dos trabalhos vencedores desses concursos foram selecionados para integrar, junto com outros contos, o primeiro volume da antologia de contos Leia Mulheres, publicado em 2019 em parceria com a editora Pólen Livros. O livro reúne 23 contos de autoras diversas, entre as quais encontramos muitas nunca antes publicadas, e contou com a edição de Lizandra Magon de Almeida, ilustrações de negahamburguer e projeto gráfico de Thalita Bottari.

Os contos narram as mais diversas experiências, começando com uma escolha muito feliz: “Uma Promessa”, escrito por Aline Aimée, mediadora do Leia Mulheres do Rio de Janeiro. O conto gira em torno de Dalila, que escreve um conto ganhador de um concurso e é alçada ao sucesso inesperadamente. A história mistura duas linhas de raciocínio, transitando entre a síndrome da impostora, tão familiar à maioria de nós, e como a história e a forma como ela é interpretada foge completamente ao domínio da autora e ganha vida própria a partir do momento em que ela é publicada.

Leia Mulheres contos - volume 1

O conto “Casa de Chás”, da autora Mariana Salomão Carrara, é outro integrante da coleção que merece destaque, contando a história da relação platônica (mas não romântica) entre uma senhora idosa dona de uma casa de chá e uma adolescente que frequenta o estabelecimento. Com poucos acontecimentos e muita sensibilidade, o conto explora nuances de tudo aquilo que temos vontade, mas não temos coragem de fazer ou dizer, e as oportunidades e possibilidades perdidas no processo.

Apesar de a maioria das histórias ter uma mulher como protagonista, alguns dos contos fogem a essa norma, o que é um ponto interessante a ser ressaltado, considerando que homens escrevem personagens femininas há séculos enquanto nós, muitas vezes, acabamos sendo restritas às nossas próprias experiências. É, sim, importante que tomemos nas nossas mãos o poder de retratar a nós mesmas e contar as nossas próprias histórias, mas é igualmente importante que nos sintamos no direito de representar e voltar o olho para aquele que sempre foi considerado o sujeito, o observador neutro e o ponto de referência para a determinação da realidade, e colocá-lo agora na posição de objeto que também pode e deve ser analisado.

Os contos que compõem o Volume 1 da antologia Leia Mulheres variam muito entre si, tanto em narrativa, quanto em estilo e até mesmo em consistência, e isso é um mérito. Justamente por se tratar de uma antologia, o que vemos não é um volume uniforme e coeso, mas uma oportunidade para conhecer os primeiros trabalhos de dezenas de escritoras nacionais contemporâneas que provavelmente não conheceríamos de outra forma. Uma porta de entrada para o trabalho desse grupo que ainda recebe tão pouco espaço na produção cultural que é reconhecida e valorizada em círculos mais amplos.

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Pólen Livros.


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