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A Saga do Assassino, de Robin Hobb

Quando um menino é deixado no castelo de Torre do Cervo, ninguém que lá vivesse poderia imaginar o quanto suas vidas mudariam por conta disso. Aos seis anos, Fitz, o filho bastardo do Príncipe Herdeiro dos Seis Ducados, Chilvary Farseer, não entende muito bem o que isso significa para ele, o que importa apenas é que seu avô, pai de sua mãe, não o quer mais por perto, e que agora é o momento da família do Príncipe Herdeiro cuidar dele. Assim começa a jornada do protagonista de A Saga do Assassino, trilogia escrita por Robin Hobb cujos dois primeiros volumes foram publicados pela Suma com tradução de Orlando Moreira, para o primeiro livro, e de Jorge Candeias, para o segundo.

Logo no primeiro livro, acompanhamos Fitz descobrir o novo mundo que o espera na Torre do Cervo. Sua chegada não é bem vista pela maioria dos nobres, inclusive por um dos seus tios, meio-irmão de seu pai, que tem mais ambição do que deveria, mas o menino não tem escolha a não ser se adaptar ao novo ambiente. É dessa maneira que ele começa a desenvolver uma estranha e inesperada amizade com Burrich, homem de confiança de seu pai e responsável pelos animais de Torre do Cervo e que jura a Chilvary que manterá Fitz aos seus cuidados, enquanto começa a treinar com Chade a pedido do Rei Shrewd para uma carreira que, segundo ele, atenderia bem aos seus desejos de soberano e a posição de Fitz enquanto bastardo do Príncipe Herdeiro: a de assassino.

O Aprendiz de Assassino, como primeiro volume de uma trilogia, cumpre todos os requisitos ao nos introduzir, junto de Fitz, ao universo de Torre do Cervo, às tramas políticas que permeiam a corte, quem deseja o que nesse ambiente e o que a inesperada presença de Fitz significa no meio disso tudo. Os capítulos são narrados pelo ponto de vista de Fitz, primeiro uma criança assustada caindo em um mundo desconhecido para, na sequência, se transformar em um rapaz sagaz e muito leal aos seus juramentos. Enquanto aprendiz de assassino do Rei Shrewd, Fitz precisa instruir-se de forma tal a executar da melhor maneira suas atividades assim como passar despercebido, sem chamar atenção para si, enquanto as conclui.

Robin Hobb é ótima em descrever todo o crescimento e amadurecimento de Fitz mesmo que, em alguns momentos, opte por longas descrições que acabam por desacelerar a trama em alguns pontos, mas isso não compromete a leitura como um todo. O que a autora pretende, aqui, com seu livro de abertura, é nos fixar no universo de Fitz com todas as possibilidades e tramas, jogos de poder, de traição e lealdade, expostos em suas páginas. É fácil se deixar encantar por Fitz enquanto uma criança esperta que não demora a compreender a importância de seu papel, o que, no futuro, nos fará questionar algumas das decisões dele enquanto adulto no segundo volume da trilogia, O Assassino do Rei.

“Aprender nunca é errado.”

Enquanto O Aprendiz de Assassino entrega um início primoroso e empolgante para a trama envolvendo os Seis Ducados, com suas maquinações políticas e jogos de poder, O Assassino do Rei peca ao se estender muito nas divagações de um Fitz já adulto e muito mais consciente dos perigos de Torre do Cervo, porém mais arredio e melancólico, agindo impulsivamente quando todo o seu treinamento anterior exigia justamente o contrário. Como uma trama de alta fantasia, A Saga do Assassino tem todos os elementos dignos de uma boa história, e Robbin Hobb sabe manipulá-los como ninguém exceto quando se perde por páginas e páginas na autocomiseração de um Fitz adulto e, em certos momentos, rabugento e desiludido.

E mesmo enquanto uma trama de alta fantasia, com todo o universo inspirado nos reinos medievais, o que destaca A Saga do Assassino das demais séries do gênero é o tratamento dado às suas personagens femininas. Elas não estão restritas aos papéis de sempre, da donzela em perigo ou da feiticeira astuta, mas são personagens complexas com muito mais a mostrar do que se pode esperar à primeira vista. E é assim que aprendi a adorar com todo o meu coração personagens como Lady Patience, Lacy e a Princesa Herdeira Kettricken. Elas são corajosas, cada uma a sua maneira, e usam de sua inteligência e perspicácia para jogar o jogo perigoso que se desenrola nos Seis Ducados. A única personagem feminina, até então, que deixa a desejar, é Moli.

Nos apresentada à narrativa ainda criança, como uma amiga que Fitz faz durante a infância, Moli cresce para ser o interesse amoroso do protagonista e, após essa virada de chave, é somente a isso que ela se destina. É enfadonha a maneira como Fitz passa a se “relacionar” com ela no segundo volume da saga, chegando a incomodar a forma como o protagonista tece longas reminiscências a respeito dela, sem, de fato, vê-la por completo. Moli tem um potencial interessante, mas relegada ao interesse amoroso de Fitz, se torna mera coadjuvante da trama, sendo levada de um lado para o outro, no balanço das lamúrias de Fitz.

Porém, mesmo com essa virada do protagonista, é impossível não torcer por ele durante toda a narrativa. Do primeiro volume, quando é somente um garotinho assustado, separado da mãe e arremessado em um universo de intrigas que não compreende totalmente, até se tornar um respeitado membro de Torre do Cervo, Fitz é a linha motriz da Saga do Assassino. A lealdade e honra que vivem em seu coração, escancaradas pela narrativa que ele faz nos livros, nos faz torcer e sofrer por ele e o sofrimento não é pouco. Robin Hobb é excelente ao criar tramas políticas e estratagemas que nos envolve junto com Fitz, ainda que para leitores mais atentos não seja tão difícil suspeitar o que está de fato acontecendo no reino. O que nos move, aqui, é a jornada de Fitz, seu crescimento em um mundo que, a princípio, não o aceita, mas que está decidido a conquistar.

“A maior parte das nossas prisões é criada por nós mesmos. Um homem também faz a própria liberdade.”

Com um mundo construído em alicerces bem firmes, é especialmente interessante quando Robin Hobb se demora nos aspectos mágicos desse universo, mostrando toques de magia que dão um viés interessante para a trama. Enquanto no primeiro livro somos introduzidos ao Talento tanto quanto Fitz, no segundo volume começamos a ter maior ideia do que é o poder e em como ele é capaz de alterar as dinâmicas do reino. Assim como Fitz, também descobrimos mais a respeito dos príncipes Chilvary, Verity e Regal — e dos atacantes que aterrorizam os Seis Ducados. Ação não é o foco de nenhum dos dois volumes da série, mas as reviravoltas na narrativa são capazes de deixar o leitor ansiando por mais, preocupando-se com os personagens, odiando outros fervorosamente, mas sempre impactado pela criatividade de Robin Hobb.

Ao final da leitura dos dois volumes que, juntos, somam quase mil páginas, a certeza que fica é a de que A Saga do Assassino é um épico que conta a história de um menino transformado em assassino, leal e honrado, que faz o que está em suas mãos pelo bem do reino que tão rapidamente o renegou. Robbin Hobb tem o dom para contar histórias intricadas, com longas descrições (que, às vezes, são até mesmo capazes de cortar um pouco o ritmo da trama) e que são impossíveis de largar. Ainda não há previsão do lançamento do derradeiro volume da trilogia, A Fúria do Assassino, mas seguimos por aqui, na expectativa do que o futuro reserva para Fitz e todo o povo dos Seis Ducados.

“Pensara em salvar o meu rei de um príncipe desleal. Deveria saber que não havia como salvar um pai da traição de um filho.”

Os exemplares foram cedidos para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza

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