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Lady Killers: “O assassinato viverá para todo o sempre”

Jovens ou idosas, altas ou baixas. Donas de belezas estonteantes ou completamente comuns. Incrivelmente ricas ou amarguradamente pobres. As mulheres descritas em Lady Killers: Assassinas em Séries poderiam ser eu ou você caso uma de nós tenha cometido crimes em série — o que, assim espero, não seja a situação. Escrito por Tori Telfer e publicado no Brasil pela DarkSide Books em uma impecável edição de capa dura e com muitas informações extras, o livro é uma viagem pelas vidas — e mortes — de algumas das mulheres mais letais da história, mulheres que deixaram em sua passagem rastros de sangue, frascos de veneno, corpos e muitos questionamentos.

Lady Killers: Assassinas em Séries, livro inspirado na coluna homônima que Tori Telfer mantinha no site Jezebel, é um dossiê com as histórias de catorze assassinas em série, seus crimes cometidos ao longo dos séculos e os desfechos destes. A autora consegue desfazer a mística ao redor dessas mulheres, mostrando que elas podem ser capazes dos piores atos e pelos motivos mais torpes. Telfer informa de maneira espirituosa, recheando o seu texto de humor ácido enquanto conta as histórias dessas mulheres que, ainda que tenham deixado sua marca com sangue, foram apagadas das compilações sobre assassinos e serial killers, reforçando a mística de que mulheres não são capazes de fazer o mal da mesma maneira que homens. A pesquisa de Tori Telfer vem mostrar que mulheres estiveram por aí, matando, tanto quanto homens, e sem demonstrar um pingo de remorso no processo.

De acordo com a autora, é difícil desassociar a figura do assassino em série de um homem. A mídia normalmente se certifica de apelidá-los com os nomes mais assustadores possíveis — Estripador, Assassino da Sombra, Vampiro Estuprador, Açougueiro de Berlim —, revirando suas histórias e nos bombardeando com todo tipo de informações. As mulheres, por outro lado, recebem alcunhas tolas como Vovó Sorriso, Beldade do Inferno ou Annie Venenosa, e logo deixam de despertar o interesse da mídia quando o caso é encerrado. Por qual motivo todo mundo sabe quem é Ted Bundy e não faz a menor ideia de quem foi Kate Bender? O mesmo pode ser dito a respeito de Jack, o Estripador, conhecido e representado em diversas produções da cultura pop, e Mary Ann Cotton, sua contraparte ainda mais assustadora e assassina confessa de três ou quatro vezes mais vítimas do que Jack, incluindo bebês, que permanece nas sombras. A resposta, de acordo com Telfer, é que não sabemos lidar com o mal se manifestando em uma mulher:

“A imagem da mulher como alguém que cuida e acalenta é adorável, evocando aspectos da própria mãe Terra, mas a Mãe Terra também é uma implacável destruidora, cuja ira assola progressivamente a culpa e a inocência de forma semelhante.”

A violência é um arquétipo masculino, e quando ela se apresenta em uma mulher, procuram-se meios de fazê-la menos latente, seja relativizando o acontecido e focando na aparência da mulher em questão, seja recorrendo à loucura temporária, luxúria ou paixão de momento para justificar os crimes. Para a autora, torna-se mais fácil “aceitar” a matança perpetrada por mulheres quando estas vêm acompanhadas de apelidos bobos ou relativizados pelo sexo. De acordo com os livros Bad Girls do It!: An Encyclopedia of Female Murderes e Hot Females Murderers that You’d Probably Go Home With, consultados por Tori em sua pesquisa, “as pessoas têm infinitos truques nas mangas para minimizar a violência feminina; desumanizam assassinas em série, comparando-as com monstros, vampiros, feiticeiras e animais. Erotizam-nas até que pareçam inofensivas.” Negar que mulheres também podem cometer crimes cruéis, sexualizá-las até que deixem de parecer humanas ou dotá-las de características bobas, é, do ponto de vista de Telfer, o motivo pelo qual tantas delas conseguem matar durante décadas sem levantar qualquer suspeita.

Ainda que em determinados momentos do livro Tori Telfer demonstre empatia para com as assassinas, ela é categórica em afirmar que o assassinato não é o melhor caminho para se livrar de seus problemas e seguir em frente. No entanto, é possível reconhecer que muitas das mulheres retratadas em Lady Killers: Assassinas em Séries faziam o necessário para mudar suas condições, o que não faz do assassinato algo menos horrível. “O assassinato é um enigma tão horrível porque é algo não natural (extinguir uma vida humana — é como estar brincando de Deus), e ainda assim tão previsível.” As mulheres descritas por Telfer em seu livro eram inteligentes, mal-humoradas, coniventes, sedutoras, imprudentes, egoístas, delirantes — enfim, humanas. Seus crimes foram bárbaros e muitas delas não sentiam o menor remorso diante aquilo que faziam, eram implacáveis e inflexíveis e desejavam apenas conquistar seus objetivos — fosse ele ter menos bocas para alimentar, fosse ampliar sua fortuna ou partir para o próximo marido.

Em Lady Killers, Tori Telfer constrói para cada uma das mulheres pesquisadas uma história completa com background e vivências enquanto tenta entender o que pode ter motivado cada uma delas a dar início a suas séries de crimes. Há aquelas que, ao que tudo indica, começaram a matar simplesmente porque podiam fazê-lo, acobertadas por um nascimento nobre ou família rica, enquanto outras pareciam não ver outra saída para o desespero em que se encontravam.

As biografias resgatadas por Tori Telfer em sua pesquisa são capazes de chocar, causar pavor e descrença. Ainda que estejamos separadas por séculos de figuras como Elizabeth Báthory, a Condessa Sangrenta, ou apenas por algumas décadas das Criadoras de Anjos de Nagyrév, é impossível não pensar em quanta frieza foi necessária por parte dessas mulheres para que elas levassem a cabo seus planos. Elizabeth Báthory, por exemplo, é uma das primeiras assassinas em série da história, viveu entre 1560 e 1614, e começou a cometer seus crimes apenas por prazer, segura da certeza de que nada jamais aconteceria a ela devido ao sangue nobre que corria em suas veias. A condessa húngara se tornou símbolo da decadência da aristocracia e reúne sob seu nome incontáveis crimes, ainda que, devido aos séculos que nos separam dela, seja impossível saber com convicção até onde sua maldade chegou — Elizabeth espancava e torturava suas criadas de maneiras cruéis, levando muitas delas a morte, algo que nunca preocupou realmente os nobres visto que, para eles, jovens camponesas eram completamente descartáveis. O reinado de horror de Elizabeth Báthory se estendeu por anos, agredindo e torturando meninas apenas por prazer e poder já que, protegida pela lei húngara da época, ela não poderia ser acusada por um camponês de ter cometido qualquer crime que fosse, inclusive assassinato.

Outra figura maquiavélica presente em Lady Killers é a já citada Mary Ann Cotton, também conhecida como A Mulher Maldita. Mary começou a agir na Inglaterra quarenta anos antes de Jack, o Estripador. Mary Ann nasceu em 1832, filha de pais adolescentes, e sempre teve uma vida difícil e miserável. Casou-se ainda adolescente, engravidou tantas vezes e perdeu tantos bebê que ao final de sua vida, em 1873, sequer conseguia dizer quantos filhos teve. Decidida a ter um mínimo controle na vida, Mary Ann logo descobriu o que o arsênico causava ao corpo humano e que poderia dissolvê-lo em chá quente, oferecendo-o a sua vítima em questão sem levantar suspeitas. Não é possível saber o que a levou a cometer o primeiro assassinato, mas a partir desse momento, Mary Ann não parou até ser pega: ela matou diversos maridos, filhos recém-nascidos e enteados, sempre seguindo em frente quando concluía suas planos.

Em Lady Killers conhecemos as histórias de diferentes mulheres, de diferentes períodos da história e partes do mundo. Além de Elizabeth e Mary Ann, Tori Telfer segue as trilhas de corpos deixados por muitas outras serial killers como Nannie Doss, apelidada tolamente de Vovó Sorriso e que deixou pelo menos quatro maridos mortos em nome do amor, de acordo com ela mesma, e da busca pelo homem perfeito; Raya e Sakina, as irmãs que viveram em um dos bairros mais pobres de Alexandria, no Egito, em torno de 1900, e mataram pelo menos dezessete garotas; Lizzie Halliday, a mulher que no século XIX cumpria pena por um incêndio criminoso na Penitenciária Estadual do Leste da Pensilvânia, foi transferida para um manicômio após começar a apresentar um comportamento estranho mas foi liberada ao final de sua sentença mesmo com o diagnóstico de insanidade.

“Algumas pessoas tentaram explicar seus crimes em termos muito mais sexistas e, francamente ridículos – talvez porque ‘loucura’ fosse uma explicação vaga, ameaçadora e, em última instância, insatisfatória para o assassinato.”

A edição brasileira de Lady Killers: Assassinas em Séries conta ainda com quase oitenta páginas de materiais extras: além das catorze biografias pesquisadas e escritas por Tori Telfer, há ainda outros catorze perfis adicionais selecionados pela DarkSide Books. Enquanto Tori manteve certa distância com relação às suas retratadas — afastando-nos em algumas décadas, ou séculos, de seus crimes — no material extra podemos conhecer mulheres contemporâneas que continuaram a matar de maneira tão cruel quanto astuta. É nessa galeria que encontramos a brasileira Heloísa Borba Gonçalves, assassina de seus maridos. Considerada “envolvente e carismática”, Heloísa está foragida desde 2004 e acumulou, por meio das apólices de seguro que recebeu após as mortes de seus maridos, mais de 20 milhões de reais. Outra parte do material extra preparado pela DarkSide Books é a lista com produções da cultura pop que retratam mulheres más, assassinas em série que estão nos cinemas e na televisão.

Parte da linha Crime Scene da DarkSide Books, Lady Killers: Assassinas em Séries é leitura essencial para quem se interessa por investigações, crimes e biografias. A história de cada uma das mulheres que fazem parte desse livro mostra uma vida de solidão, abusos e frieza que culminou em — mas não necessariamente, causou — cada um de seus crimes. As biografadas tiveram motivações diversas ao decidirem pelos assassinatos, agiram com crueldade e foram astutas e perversas na mesma medida. Protegidas pela lei de seu tempo, sentenciadas à cadeira elétrica ou ao cadafalso, Tori Telfer consegue desvelar as histórias dessas mulheres, escondidas pela história, ao mesmo tempo em que levanta um debate interessante com relação ao tratamento dado a elas pela nossa sociedade, visto que até as assassinas mais letais da histórias precisam ser conformadas dentro de determinados estereótipos para fazerem o mínimo de sentido, para não soarem tão assustadoramente reais.

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a DarkSide Books.


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