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Floresta dos Medos e as histórias assombrosas de Emily Carroll

Quando eu era mais nova, se tornava comum imaginar que as sombras se movendo no meu quarto, à noite, eram criaturas que não deveriam estar lá. Ainda que eu não tivesse medo do escuro propriamente dito, minha imaginação sempre me pregava peças quando ficava acordada tempo demais, lendo apenas com a luz do abajur acesa. É mais ou menos essa a sensação — a de estar em um ambiente escuro, rodeada apenas por um ponto de luz quente e todo os mistérios ao redor — que Emily Carroll evoca quando ilustra o prólogo de sua graphic novel Floresta dos Medos. O que acontece quando você estica o braço, rompendo a proteção acalentadora da luz, desliga o abajur e mergulha todo o quarto em escuridão?

Com base nessa sensação e evocando o espírito das coisas que espreitam do escuro, é que Emily Carroll cria todos os cinco contos presentes em sua graphic novel, histórias em que acompanhamos meninas andando em florestas lúgubres enquanto fogem de seus demônios, empunham lamparinas e se deparam com criaturas bizarras e assustadoras. Publicado no Brasil pela DarkSide Books e com tradução de Bruna Miranda, Floresta dos Medos é uma graphic novel de terror que reúne o estranho e o bizarro a ilustrações tão lindas quanto assustadoras. Mesclando cores fortes e sempre intensas — muito vermelho sangue e azul profundo permeia o trabalho de Carroll — a artista é capaz de construir narrativas que corroem o leitor de tensão e curiosidade, costurando histórias de poucas palavras, mas que conseguem passar, pela qualidade de suas ilustrações, toda a atmosfera de pesadelo presente em cada um dos contos.

“Veio da floresta. Como a maioria das coisas estranhas.”

Tal atmosfera, inclusive, evoca os sombrios contos de fadas dos Irmãos Grimm e as melhores histórias fantásticas de Neil Gaiman. Emily Carroll tem o dom de mesclar suas personagens com rostinhos corados e traços delicados a monstros que são, ora apenas sugeridos por meio de um grande olho desenhado em uma das páginas, ora revelados por completo com suas bocas escancaradas e pavorosas. É nessa dualidade, o traço delicado junto das cores fortes, o enredo sombrio aliado a momentos que ficam apenas na possibilidade, que a artista cria cinco histórias intensas e sinistras que, aconselho, é melhor ler à luz do dia.

Em seu primeiro conto, “A Casa do Vizinho”, Carroll conta a história de três irmãs deixadas pelo pai em uma cabana à beira da floresta enquanto ele sai para caçar. Caso ele não retorne em três dias, as meninas precisam se agasalhar, juntar suas coisas e ir até a casa do vizinho. Mas as irmãs não seguem as instruções à risca, o que acarretará em sombrios acontecimentos. O tom de Floresta dos Medos é definido assim, logo na primeira história, e o soturno se apresentará da mesma maneira em “As Mãos de Uma Moça São Frias”, meu conto favorito do livro. Da ilustração com figurinos de nobreza francesa pré-revolução, ao enredo que vai crescendo em tensão, tudo é perfeitamente alinhado e assustador. Nesse conto acompanhamos a trajetória de uma moça que descobre os horrores que se encerram em seu novo lar, uma mansão pálida e colossal, e seu marido, escolhido por seu pai. Os azuis e os vermelhos se mesclam com o amarelo do vestido da protagonista, que a faz saltar das páginas, destacando o traço firme de Carroll e a maneira como a artista cria cada uma das páginas de sua história, fazendo com que o olhar dance de um lado para o outro, correndo para acompanhar o desenrolar do enredo e a descoberta macabra feita pela noiva.

“Ah, mas você precisa viajar pela floresta de novo e de novo… — disse uma sombra na janela. — E você precisa ter a sorte de evitar o lobo todas as vezes… Mas o lobo… o lobo só precisa da sorte de encontrá-la uma vez.”

O terceiro conto, “Seu Rosto todo Vermelho”, traz a história de dois irmãos e a inveja que um sente do outro, o que o levará a tomar atitudes drásticas mas que logo se voltarão contra ele. Em “Minha Amiga Janna”, duas meninas brincam com o sobrenatural, e algo inesperado aparecerá no caminho delas — as ilustrações da autora para esse conto evocam a Inglaterra do período regencial de Jane Austen, com as personagens usando vestidos com cintura marcada abaixo dos seios, xales e penteados leves. Pode parecer uma bobagem, mas o detalhe e o cuidado que Carroll tem com suas histórias, definindo a época em que se passam por meio do figurino das personagens e os cenários, faz toda a diferença no momento de criar a atmosfera certa para cada uma de suas tramas. O mesmo pode ser visto, por exemplo, no último conto, “O Ninho”. Esta é a história que tem os horrores mais visíveis e gráficos de todo o livro e Emily não nos poupa ao mostrar todo o horror que Bell tem que enfrentar quando descobre que a doce esposa de seu irmão não é nada daquilo que parece ser. Aqui, os penteados e as vestes dos personagens remetem aos anos 1920, com vestidos na altura dos joelho e cintos abaixo do quadril, reforçando a versatilidade de Carroll ao transitar pelas mais diversas épocas, criando histórias assustadoras onde quer que seja.

Nascida em Ontario, no Canadá, Carroll começou a produzir quadrinhos em 2010, recebendo reconhecimento na internet com seu conto de horror “Seu Rosto Todo Vermelho”, presente em Floresta dos Medos. Desde então, Carroll participou de diversas antologias e recebeu vários prêmios, inclusive o Eisner, considerado o Oscar dos quadrinhos, e o Ignatz, ambos em 2015. Floresta dos Medos é o primeiro trabalho da artista publicado no Brasil, em uma edição com capa dura e relevo belíssima, mas ela se prepara para o lançamento, no exterior, de When I Arrived At The Castle que, ao que tudo indica, continuará a tradição de Carroll de contar histórias assustadoras recheadas de imagens tão belas quanto macabras, marcas de sua carreira até então. Floresta dos Medos segue a estranha lógica dos contos de fadas, com o terror e o assustador do não saber o que nos aguarda na próxima página e finais ambíguos que podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes. E aí reside uma das mágicas do trabalho de Emily Carroll — não há apenas um sentido em suas histórias, um caminho determinado a percorrer, e junto de suas ilustrações incríveis e colorizações impecáveis, ela criar mundos inteiros que cabem dentro de poucas páginas. Às vezes, deixar a imaginação tomar conta e preencher os vazios e os silêncios pode ser a mais assustadora das tarefas — e isso Emily Carroll entende muito bem.

“Mas os adultos nunca ouviram nada e nunca acreditavam na gente quando contávamos sobre a voz úmida e suave do monstro.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a DarkSide Books.


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