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Emma e o Poliamor: um livro que falha na hora H

Emma e o Poliamor é o segundo livro de da trilogia erótica escrita por Ilana Eleá. Lançado pela editora Patuá neste ano, o volume é continuação de Emma e o Sexo.


Para falar sobre ele, é preciso antes elaborar um pouco sobre seu antecessor. A protagonista da série é uma antropóloga criada na Suécia e filha de pai brasileiro que acaba de retornar ao Brasil para estudos. Sua pesquisa envolve o empoderamento feminino e, em Emma e o Sexo, uma das entrevistadas acaba provocando em Emma admiração. A partir da aproximação para a pesquisa, no entanto, a estudante chega bem perto da vida da outra. Com o limiar entre vida pessoal e acadêmica cada vez menos nítido, a proximidade entre as duas se complica a partir do momento em que Emma começa a se sentir atraída pelo namorado de Juliana, personagem de construção pouco nítida: é difícil entender exatamente qual a sua profissão, mas aparentemente a pesquisada é atriz erótica e uma espécie de de guru do sexo e empoderamento. A proposta do primeiro livro da série seria abrir uma discussão mais profunda sobre o erotismo e as implicações sociais do sexo a partir deste triângulo amoroso, mas o livro falhou na hora H.

Emma e o Sexo é raso e qualquer possibilidade de discussão sobre as implicações sociais da sexualidade humana acaba se perdendo na superficialidade que personagens brancos de criação europeia poderiam ter sobre a maneira como as relações se desenvolvem no Rio de Janeiro. Há um grande elitismo na escolha de personagens principais e alguns estereótipos de personagens secundárias — que parecem estar ali apenas para cumprir cotas — beiram o racismo e são no mínimo bastante batidas e pejorativas. O livro parece envergonhado em ter uma protagonista branca meio europeia e de uma elite econômica e inclusive cultural, e trás algumas pinceladas de reflexão crítica que destoam completamente das ações da protagonista e do trio principal, o que torna a problematização proposta pelo enredo artificial e vazia.

emma e o poliamor

O trio protagonista não é bem construído, de modo que as motivações dos personagens são inconsistentes e não convencem — e, talvez, isso se deva principalmente à linguagem completamente afastada da maneira natural que as pessoas falam. O livro é contaminado por uma erudição também vazia e, ao invés de gerar um contraste interessante com o tema — afinal, o livro é erótico — acaba tornando muitas das situações e descrições risíveis, ao invés de excitantes ou, no mínimo, realistas.

Emma e o Poliamor é uma continuação que não resolve os pontos problemáticos do livro anterior e ainda segue a mesma fórmula, até porque, seria difícil conseguir contar uma história mais consistente quando a base é tão fraca.

Agora, Emma está às voltas com a relação que surgiu entre ela e Nicolas, cujo relacionamento com Juliana — anteriormente dita como um relacionamento aberto — entra em crise após o envolvimento supostamente sentimental entre o ator e a pesquisadora. Não há muito do texto nos mostrando porque e como os dois se gostam, e suas conversas em tom pedante carregam muitos clichês mal-trabalhados e que não se sustentam o suficiente para serem críveis.

Emma foge à ética em sua pesquisa mais uma vez, e acaba levando os ciúmes de Juliana e os desejos de Nicolas ao divã de uma psicanalista que também é uma das mulheres que a pesquisadora precisa entrevistar. O problema de Caia é que, assim como Juliana, ela também é construída como uma espécie de coach com abordagens bastante anti-éticas do ponto de vista da psicologia e se torna mais uma personagem pouco delimitada e, por isso mesmo, destoante da proposta que parece ter sido pensada para ela. Seu papel não parece ser intencional ou ironicamente antiético. Caia é defeituosa em seu próprio conceito de intervenção na vida de pacientes e acaba entrando na vida de Juliana, Emma e Nicolas de forma bastante irresponsável — sem que a autora pareça se preocupar com isso. Não é papel da literatura sempre apontar questões, mas como há uma repetição de uma visão liberal e irresponsável da saúde mental sendo manipulada por coaches e romantizada como algo positivo, é de se questionar se a obra favorece uma visão que deveria ser mais crítica, especialmente quando a personagem principal deveria ser uma pensadora crítica por profissão.

No segundo livro da série, Emma também precisa decidir como vai ficar sua relação com o namorado sueco Bjorn, com quem precisa se reencontrar depois de um imprevisto de saúde que leva Emma a visitar o pai na Suécia. Ela precisa confrontar as visões sobre relacionamentos que sua família tem para então entender o que ela deseja em meio a seus afetos.

Entre resoluções familiares, pesquisa sem limites éticos e questões terapêuticas guiadas de forma problemática, os diálogos teatralmente falsos e a linguagem artificial conduzem a protagonista a sessões de shibari. Talvez, a relação da protagonista com a técnica de amarrações japonesa se desenrole — com o perdão do trocadilho — no terceiro e último livro da série, mas até o momento as cenas parecem soltas e servem pouco à reflexão e mais ao fetiche. Isso não seria problema, já que se trata de uma trilogia erótica, mas o fato de as cenas não servirem muito à trama, parecem apontar para uma fetichização que não é ligada somente às práticas sexuais. As interações com o jovem mestre que amarra Emma parecem carregar também uma fetichização racial que pode passar despercebida como apreciação, mas na verdade é também estereotipada, com uma descrição que usa termos ultrapassados e hoje considerados orientalistas.

Percebe-se uma intenção maior da autora de incluir personagens diversos nesta continuação, mas mais uma vez, além da superficialidade, os estereótipos que são escolhidos acabam reforçando preconceitos — ainda que sutis e não perceptíveis para quem não tem um mínimo de letramento racial. Outro problema que se repete também neste segundo livro é que a própria definição de poliamor e a maneira como as relações se desenvolvem na trama apontam para uma falta de politização do que de fato é essa forma de se relacionar, enquanto o discurso dos personagens aponta na direção oposta.

Emma é coberta de contradições que poderiam ser exploradas para criar uma personagem complexa e interessante, caso a escrita fosse mais natural e convincente. Mas tanta culpa cristã em uma personagem sueca ou tanta visão estereotipada para uma personagem que está em processo de formação como antropóloga e se propõe ao contrário acaba apenas revelando uma escrita que carece de mais recursos técnicos — não só no que se refere à linguagem mas também em relação à construção da trama.

Emam e o Poliamor — e a série como um todo — acaba sendo decepcionante, especialmente porque se propõe a ser algo mais do que o simples erótico, e acaba sendo meramente pornografia ruim, já que não excita e mais incomoda e tem pouco ou nenhum valor literário.


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