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Tudo o que Dolly Alderton sabe sobre o amor

Confesso que adiei a leitura de Tudo o que Sei Sobre o Amor, livro de estreia da jornalista Dolly Alderton, talvez por uma percepção da obra como mais uma que se propõe a desvendar as aventuras românticas da vida. Se não fosse pela recente popularidade que o livro ganhou nas redes sociais e no meu círculo de amizades, provavelmente teria adiado um tanto mais e não estaria hoje tecendo elogios à autora e ao seu livro, ao qual pretendo recorrer em eventuais consultas futuras.

Lançado em 2018, mas traduzido no Brasil apenas em 2022, o livro é uma coletânea de memórias, considerações e filosofias de vida da própria autora. Organizadas cronologicamente, as histórias acompanham Dolly da adolescência aos 30 anos; elas, no entanto, focam no amontoado de descobertas, dúvidas, festas, amigos, encontros e empregos que vêm interligados à década dos vinte e poucos anos.

Aliado aos relatos de Dolly, há capítulos em que a autora compartilha receitas de comidas que marcaram diferentes momentos de sua vida, já que ela conta sempre ter amado culinária. Ela também acrescenta páginas com listas aparentemente aleatórias, mas que se mostram estranhamente precisas, como “Coisas das quais tenho medo”, em que os 11 primeiros itens envolvem morte ou homens bêbados na rua, ou “Lista de compra semanal” para papel higiênico e aprender a dizer “não”. As listas e receitas refletem bem o tom irreverente da narrativa, que se destaca por sua sinceridade ao mesmo tempo cômica e dramática.

tudo o que sei sobre o amor

Além disso, existem os brilhantes capítulos intitulados “Tudo o que eu sabia sobre o amor aos… anos”. Neles, Dolly abusa do paralelismo e cria uma estrutura comum que se repete em diferentes capítulos a fim de mostrar claramente como suas definições de amor, onde encontrá-lo, e de que maneira vê-lo, se transformaram com o passar do tempo. Há cinco capítulos nesse formato: para a adolescência, aos 21, 25, 28 e 30 anos. É interessante ver como a idealização do príncipe encantado dá lugar ao amor real do dia a dia. Não se trata de desistir da paixão ou das borboletas no estômago, reforça a autora, mas sobre perceber a abundância de amor já presente ao nosso redor na forma de autocuidado e no carinho das amigas e das pessoas que te impactam ou inspiram. O amor inatingível dos sonhos juvenis é substituído por uma sensação de confiança, parceria e segurança na presença de pessoas que simplesmente te querem bem, que estarão lá como uma rede de segurança ou convidados de honra em celebrações. Além disso, uma observação curiosa é ver como esses capítulos se estendem fisicamente conforme a idade aumenta. Se duas páginas e meia dão conta das visões sobre o amor da Dolly adolescente, aos 30 anos, são necessárias seis páginas para dar conta do sentimento.

Na página 313, Dolly inicia um relato afirmando que há muito que ela não sabe sobre o amor. Na página seguinte, ela completa: “Quase tudo o que eu sei sobre o amor, eu aprendi nas minhas amizades de longa data com mulheres”. Assim, em primeiro lugar, o cerne do livro é falar sobre o tipo de amor usualmente conhecido como amizade. Sim, há passagens sobre parceiros românticos e o impacto que eles inevitavelmente têm em nossas vidas, mas é das amizades de longa data que Dolly tira os maiores ensinamentos sobre amor e companheirismo. Os nomes de suas amigas são uma presença constante nos relatos: desde os flertes pelo MSN na adolescência até as desilusões amorosas na vida adulta, para alugar a primeira casa ou na busca por um novo emprego, a autora não hesita em reverenciar o papel de suas amigas em sua jornada pessoal.

“O amor estava lá, na minha cama vazia. Estava empilhado nas gravações que Lauren comprou para mim quando éramos adolescentes. Estava nas receitas manchadas da minha mãe, entre as páginas de livros de receitas no armário da minha cozinha. O amor estava na garrafa de gin amarrada com uma fita que India tinha despachado comigo; estava nas tiras de fotos manchadas com cantos arredondados que acabariam grudadas na minha geladeira. Estava na nota que descansava sobre a almofada ao meu lado, aquela que eu dobraria e guardaria na caixa de sapatos com todas as outras notas que Farly escrevera antes.” (pag. 323) (tradução nossa)

Alguns dos capítulos mais intensos são os que se concentram na amizade entre Dolly e Farly, amigas desde a escola. Tal qual um combo dois em um, elas cresceram e exploraram o mistério do amadurecer juntas. A maior mensagem de conforto da obra sai dessa amizade: os amigos de verdade ficam por perto, mesmo se absolutamente tudo mudar, o amor por essas pessoas continua o mesmo.

É muito tocante ver como as amizades de Dolly vão se remodelando conforme o tempo passa e as etapas da vida avançam. Em uma passagem especialmente comovente, a autora provoca uma reflexão que extrapola as páginas do livro e torna impossível não refletir sobre nossas próprias experiências. Começa ao Dolly resgatar lembranças das amizades de sua mãe, que sempre pareceram mais frias e formais quando comparadas às amizades de Dolly aos 12 anos. Aos 20, ela se questiona se esse é o destino de todas as amizades femininas. Na terra sem lei dos 20 e poucos anos, quando tudo é possível a todo momento, como manter a proximidade com alguém que começa a ter experiências tão diferentes das suas? Em uma sociedade que espera que as mulheres se casem e se adequem à vida de seus companheiro, será inevitável perder a intimidade jovial entre amigas? Não há fórmula mágica para manter as pessoas por perto, mas a autora promete que, independente do quão imprevisível a vida se torne, as pessoas certas vão sempre caminhar ao nosso lado.

Por serem focados principalmente na transição para a vida adulta, os relatos abordam com franqueza e bom-humor a jornada de crescimento e amadurecimento da autora, o momento que ela descreve como “parar de brincar de adulto para acidentalmente se tornar adulto”. Dolly consegue transmitir toda a dualidade de se descobrir nessa nova etapa da vida, toda a euforia de ter total liberdade mesclada com todo o medo de ter total liberdade. Contudo, o livro não oferece um guia de sobrevivência. Nas páginas, não há nenhum manual sobre como aproveitar as experiências novas repentinamente ao seu alcance e também cumprir todas as novas responsabilidades e demandas. Seus relatos oferecem algo muito mais valioso: uma voz simpática que diz que também passou por tudo isso e que você não está sozinha nessa jornada.

As histórias compartilhadas lembram que está tudo bem em se sentir perdida ou sem rumo de vez em quando. Cada indivíduo tem seu tempo único de amadurecimento e o futuro pode assustar com sua impiedosa infinidade de possibilidades que sempre parecem um tanto quanto inalcançáveis. Porém, o fato de não existir um único caminho a ser seguido pode ser um peso a menos na jornada. Afinal ninguém pode mensurar exatamente o efeito de suas escolhas e a qualquer momento tudo pode mudar completamente. No final, nada vai ser exatamente como previsto, mas é importante lembrar que mudanças podem ser tanto negativas quanto positivas. Apesar de tudo, o futuro simplesmente acontece, o tempo simplesmente passa.

“Para diminuir seu ritmo cardíaco e adormecer em noites em que o sono parece impossível, sonhe com todas as aventuras que estão à sua frente e as distâncias que você percorreu até agora. Envolva seu corpo num abraço apertado e, enquanto segura a si mesma, mantenha esse único pensamento na sua mente: Estou com você.” (pag. 328) (tradução nossa)

Antes de começar a leitura, temia que seria difícil me identificar com uma mulher inglesa de realidade tão diferente da minha. No entanto, os honestos relatos de Dolly provam que algumas dúvidas, lutas e alegrias podem ser universais. A sensação da leitura é a de uma troca de confidências, anedotas e filosofias entre amigas durante as etéreas horas da madrugada depois de uma festa ou em um sleepover [noite do pijama]. As palavras que ecoam por anos, as lições aprendidas no dia a dia e compartilhadas, uma genuína manifestação de sororidade e cuidado sem perder a irreverência e a sinceridade. O livro é uma alegoria à complexa experiência feminina na sociedade atual. A singularidade da história de Dolly, ao mesmo tempo, ecoa e é o eco de muitas.

Em relatos de sua adolescência reconheci a voz da pequena “eu” que um dia pensou como Dolly e sonhou em ser gente grande. Nos relatos do início da vida adulta, reconheci medos e alegrias que são parte do meu dia a dia atual. Ao ler sobre os desafios que a autora aborda ao se aproximar dos 30 experimentei, na metáfora dela, um turismo pelo futuro em vislumbres de possíveis situações que posso vivenciar em breve. Tudo o que Eu Sei Sobre o Amor me parece o tipo de livro que, independente de quantas vezes seja lido, sempre terá novas interpretações na medida em que nos arriscamos a amar e viver. O livro se assemelha à sutil e reconfortante pressão de uma mão amiga sobre a sua acompanhada de um conselho de irmã mais velha. A leitura se mostrou extremamente fácil e leve, no final, não havia motivo para ter adiado tanto.

“Farly apertou minha mão por debaixo da mesa duas vezes, rápido e forte. Eu sabia o que aquilo significava. Um universal, silencioso código Morse para ‘Estou aqui, eu te amo’.”


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