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Bridgerton, segunda temporada: nossa dose anual de sanidade

A tão aguardada segunda temporada de Bridgerton chegou, depois do estouro que foi a primeira. Como era de se esperar, a nova temporada quebrou mais um recorde e se tornou a série de TV em língua inglesa mais assistida na plataforma, com 251,7 milhões de horas em sua primeira semana completa depois do lançamento.

Atenção: o texto pode conter spoilers.

Na nova temporada de Bridgerton, é hora de acompanharmos a história de Anthony Bridgerton, o visconde e o mais velho dos oito irmãos, interpretado por Jonathan Bailey, e Kate Sharma, que ganha vida na pele de Simone Ashley. Conhecido por sua fama de mulherengo, Anthony finalmente sede à insistência da mãe e decide que é hora de se casar. O título de nobreza e a fortuna considerável garantem que, apesar da infâmia, ele seja o solteiro mais cobiçado do ano. Nesse mesmo ano, Edwina Sharma (Charithra Chandran) chega a Londres para entrar na dança do casamento — acompanhada pela irmã mais velha solteirona, Kate, e pela mãe, Mary (Shelley Conn) — e é eleita pela rainha Charlotte (Golda Rosheuvel) o diamante da temporada.

Determinado a encontrar uma mulher que preencha uma extensa lista de requisitos e dispensando qualquer influência sentimental na escolha, Anthony imediatamente decide fazer de Edwina sua esposa. E talvez as coisas tivessem dado certo para ele, não fosse por Kate. A irmã mais velha e autointitulada guardiã da honra e da felicidade da jovem não se contenta em aceitar a união entre Edwina e o visconde, e faz tudo ao seu alcance para impedir que isso aconteça. A ironia é que ao longo dos episódios seja por Kate que Anthony acaba se interessando verdadeiramente, e de forma recíproca.

O Bridgerton dessa temporada, na minha opinião, é bem menos carismático do que sua irmã, protagonista da temporada anterior. Apesar de conhecermos um pouco da história pregressa de Anthony, com a morte do pai e a obrigação precoce de assumir o posto de chefe da família, o motivo da resistência do personagem em encontrar uma esposa por quem possa se apaixonar poderia ser mais explorado. Ele também não é nem de longe tão interessante quanto Simon (Regé-Jean Page), o Duque — que, como já tinha sido anunciado, não dá o ar da graça nessa temporada. Anthony é rígido, não encontro palavra melhor para definir. Inflexível, sisudo, orgulhoso, muito devotado à própria família, mas não parece se importar em nada com a futura esposa.

Kate também está longe de ganhar um prêmio de carisma. Na série, a personagem tem 26 anos e já perdeu todas as esperanças de conseguir um casamento. Ela se contenta, então, em tentar garantir o futuro da família. A suposta falta de carisma, entretanto, pode ser facilmente ligada à ausência de várias características que costumamos ver e esperar em personagens femininas de época — a docilidade, a graça, a subserviência — e também, claro, à cor da sua pele. Concretizando uma marca registrada de Shonda Rhimes, a família Sharma não é branca. Lady Mary, mãe biológica de Edwina e madrasta de Kate, é filha de uma mulher negra e um homem branco. Seu falecido marido era indiano, e as filhas têm pele escura. Como já tínhamos visto na temporada anterior, Bridgerton apresenta uma quantidade bem interessante de diversidade racial, com protagonistas e outros personagens importantes negros, incluindo a própria rainha, mesmo que a família que dê título à série seja branca.

A protagonista é (eu ia dizer “quase”, mas está mais para “exatamente”) uma correspondência feminina de seu par romântico. Os dois são cabeça-dura, inflexíveis, orgulhosos, determinados a protegerem suas respectivas irmãs. É interessante observar por meio da obra de ficção como duas pessoas com personalidades tão parecidas recebem tratamento social tão diferente em função do seu gênero. A personalidade de Anthony não faz com que ele seja menos cobiçado pelas mães de jovens em idade de casar — muito pelo contrário —, já Kate é tratada como um tipo de aberração, assustando todos os pretendentes da irmã e não chegando nem a ser considerada uma noiva em potencial por ninguém.

Continuando com os personagens, temos o retorno de algumas figuras que fizeram sucesso na temporada anterior: Lady Danbury (Adjoa Andoh), a Rainha Charlotte, Lady Bridgerton (Ruth Gemmell), Eloise Bridgerton (Claudia Jessie) e Penelope Featherington (Nicola Coughlan), entre outros. Algumas, tiveram um leve desenvolvimento em suas histórias pessoais, como Eloise e Penelope; enquanto outras têm destaque e personalidade bem desenvolvidas, mas pouca história própria, como é o caso da (maravilhosa) Lady Danbury.

Com relação à primeira temporada, o que vemos é um desenvolvimento muito mais lento do romance, muito mais focado em construção de uma tensão mais ou menos velada do que em interações físicas tórridas entre os dois (o famigerado slow burn). Esse tropo é bem desenvolvido, mas obviamente não agradou àqueles fãs que esperavam mais cenas calientes como na primeira temporada. Temos o total de uma cena de sexo, e isso já lá para os episódios finais.

As duas primeiras temporadas de Bridgerton são, de forma geral, uma adaptação muito boa e fiel da história dos dois primeiros livros da série literária de Julia Quinn. Algumas adaptações necessárias foram feitas para adequar a história a uma mídia diferente, enquanto outras tomaram maior liberdade com relação à história original. Nessa segunda categoria podemos contar o elemento racial, já mencionado mais acima. Nos livros, basicamente todo mundo é branco. O Duque, por exemplo, é descrito como branco, com cabelos escuros e olhos azuis claros. A família Sharma não é diferente. A começar que não se chama Sharma — o sobrenome original, Sheffield, é mencionado apenas uma vez na série, nos primeiros episódios — e tem uma história completamente diferente. O pai de Kate e Edwina de fato morreu e Kate realmente não é filha biológica de Mary, mas o patriarca não era um comerciante indiano que roubou o coração da mocinha inglesa (o escândalo!). Era, como o livro (O Visconde que me amava) menciona de passagem, o segundo filho de um Barão, sem título e com uma fortuna modesta. As mulheres Sheffield não são, dessa forma, ricas. Elas estão longe de ser membros da classe trabalhadora, mas dentro dos parâmetros da nobreza inglesa, estão assustadoramente perto da pobreza, e vivem com dinheiro contado em sua casa no campo. Essa é a explicação para Kate não ter debutado em uma idade mais apropriada, mas agora, aos 21 (e não 26) anos de idade — um pouco velha para os padrões da época —, ela está sim no mercado de casamento, e não muito empolgada com isso.

Outra diferença gritante entre os livros e a adaptação é que Lady Danbury é uma personagem completamente irrelevante, que aparece poucas vezes e sem nenhuma função importante. Ela não criou o Duque, como é mostrado na primeira temporada — apesar de os dois terem sim um tipo de ligação —, e muito menos patrocinou a temporada social das Sharma/ Sheffield. Uma que nem mesmo é mencionada nos livros é a Rainha. Penelope é apenas mencionada de passagem no primeiro livro, e ganha algum destaque no segundo, mas Eloise aparece muito pouco nos dois. As duas só vão ganhar mais destaque mais adiante na série literária, e algumas de suas tramas foram adiantadas na adaptação para a Netflix. Todas essas diferenças, longe de diminuir a qualidade da série, a tornam uma obra única e independente, mas muito fiel à essência e até às histórias das obras de origem.

No geral, a segunda temporada de Bridgerton entrega tudo o que promete: entretenimento leve e divertido, muito romance e ótimos personagens. Esperamos que as coisas continuem seguindo esse caminho por mais algumas temporadas, para que possamos acompanhar os romances de Benedict, Colin, Eloise, Francesca, Gregory e Hyacinth.


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