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Sweetener e “thank u, next”: os divisores de águas de Ariana Grande

Ariana Grande investe intensamente em sua carreira musical. Ainda em seu trabalho como atriz em Victorious ela pôde dar uma pequena amostra de seu talento como cantora para o público, e angariou fãs antes mesmo de lançar seu álbum de estreia, Yours Truly, em 2013, o que garantiu para ela sucesso imediato em vendas e boas críticas. No ano seguinte, lançou seu segundo álbum, intitulado My Everything, e começou sua primeira turnê mundial. Com o gradual sucesso e o aumento de compromissos na agenda, o intervalo entre os lançamentos de novos materiais foi ficando mais espaçado: Dangerous Woman, o terceiro álbum, só seria lançado em 2016, também seguido por uma turnê, e mais dois anos foram necessários para a lapidação e o lançamento de Sweetener, em 17 de agosto de 2018 — um álbum que não é só um álbum, mas um divisor de águas em um ano tão conturbado para a cantora.

É verdade que Ariana Grande foi privilegiada com os melhores recursos para pavimentar sua carreira — desde pequena, quando decidiu instaurar o palco como seu objetivo de vida, sua família não poupou esforços para dar a ela as oportunidades necessárias. Joan Grande, sua mãe, inclusive participou de uma peça apenas para acompanhar Ariana nos ensaios, e seu irmão mais velho Frankie, também no show business, era seu responsável quando ela precisou se mudar para Los Angeles para gravar Victorious. Uma vez inserida na televisão, Ariana acompanharia de perto as etapas de desenvolvimento da sua carreira para chegar até onde ela queria: se lançar como cantora. Ariana sempre teve voz na decisão da imagem que teria na indústria e, principalmente, da sua identidade musical. Desde o começo ela demonstrou admiração pelas divas que inspiram sua música, e pelas mulheres da sua vida que a ensinaram a ser uma figura forte em meio à sociedade machista, como sua mãe, diretora executiva da Hose-McCann Communications, uma empresa que produz aparelhos de comunicação avançada para a marinha americana, e sua tia Judy Grande, repórter e feminista.

O engajamento com os fãs de Victorious, que são, em maior parte, crianças e pré-adolescentes, e a expectativa que criou sobre eles ao longo da produção de Yours Truly garantiu que seu álbum de estreia tivesse um excelente posicionamento logo no dia do lançamento. Ariana chamou a atenção da mídia especializada, que elogiou o estilo do álbum por remeter ao R&B dos anos 90, época em que grandes divas como Mariah Carey e Whitney Houston estavam no ápice. Foi surpreendente, também, por ser uma escolha peculiar para estreantes jovens de 19 anos, que normalmente optam por apostar no pop, no indie ou no country, como Taylor Swift. Se foi por sorte ou estratégia que Ariana escolheu unir o útil ao agradável e assim se destacar da multidão, não sabemos. Mas deu muito certo: seu nome passou a aparecer muito mais nas premiações e nas redes sociais.

My Everything, em seguida, incluiu muitas colaborações que contribuíram com o aumento gradual da popularidade de Ariana pois tiveram muito sucesso em se tornar hits. Não bastasse o single “Problem” ter tido uma ótima repercussão, “Bang Bang”, música cujos créditos ela divide com Jessie J e Nicki Minaj, e “Love Me Harder”, com The Weeknd, se tornaram hits e tocaram nas rádios por muito tempo. Ela estava crescendo e amadurecendo diante dos olhos do público, para o bem ou para o mal. A constante observação da mídia tornou Ariana um alvo favorito para críticas e fofocas, especialmente considerando que, na época, ela namorava o rapper Big Sean, com quem tinha trabalhado antes. Com isso, não demorou para que ela tornasse, também, alvo de objetificação, a qual a cantora se manifestou publicamente em repúdio ao modo como a mídia tratava as mulheres, em defesa não apenas de si como de outras colegas de indústria vítimas do padrão de dois pesos e duas medidas.

Foi com essa autoafirmação que Ariana lançou Dangerous Woman em 2016. Tão dançante quanto melódico, o resultado do álbum é a continuação da exploração de sons que ela pretende enquanto artista, e elimina todos os resquícios da inocência que restaram do lançamento anterior para ser uma versão sem filtro, autêntica, dela mesma. Ariana abraça um estilo despojado, confortável, sem abrir mão do que gosta na feminilidade. Ela canta sobre amor, sexo e sobre manter uma mentalidade positiva, e é isso que tenta levar em suas apresentações ao vivo. Inclusive quando um de seus shows, em Manchester, no dia 27 de maio de 2017, tornou-se, cruelmente, palco de um atentado terrorista que terminou com 22 mortos e pelo menos 60 feridos, deixando as pessoas ao redor do mundo em estado de choque. O episódio foi um gatilho para a ansiedade da cantora, mas não a impediu de voltar, semanas depois, para organizar um show beneficente junto com outros artistas. One Love Manchester foi um espetáculo acessível a todos que quiseram acompanhar, ao vivo e online, e foi belíssimo para mostrar como o amor pode ser mais forte do que a violência.

Chegamos, finalmente, a Sweetener. Supostamente, Ariana teria terminado seu quarto álbum de estúdio ainda em 2016. Em suas próprias palavras, ela não o chamaria assim, mas tinha um punhado de músicas que ela tinha gostado bastante. Contudo, em 2017, ela anunciou que ainda estava trabalhando nele. O primeiro snippet lançado foi da música “get well soon”, em dezembro, mas o primeiro single foi “no tears left to cry”, lançado em 20 de abril. Soando como um hino de superação, Ariana canta sobre estar em um estado emocional que vai além das lágrimas, a bonança depois da tempestade, de acordo com a mentalidade que ela sempre procura fazer prevalecer. No vídeo lançado simultaneamente ao lançamento, cenários estonteantes viram de ponta cabeça ou dão a sensação de infinito, mas a gravidade não a atinge, e mesmo que ela caia, acaba indo para outro mundo por onde ainda consegue transitar.

O segundo single, “the light is coming” tem uma batida peculiar em comparação com o que estamos acostumados a ouvir de Ariana Grande; o verso mais repetido é “a luz está vindo para devolver tudo que a escuridão roubou”, mais uma vez enfatizando a mensagem que a bondade prevalece sobre a maldade. O terceiro single, “God is a woman”, é uma ode a tudo que a mulher é e representa: desde a vagina que proporciona prazer e o útero capaz de gerar a vida, até o poder que as mulheres têm de se manterem em pé quando são hostilizadas por homens. Muitos consideraram a música herege e tentaram boicotá-la por tocar num ponto tão sensível como o gênero de Deus, mas a abordagem de Ariana é puramente artística e tenta passar uma mensagem de empoderamento; de que os homens podem tentar nos diminuir, mas sabemos que não viveriam sem nós, já muitas coisas apenas as mulheres podem fazer, e a sociedade nos condiciona desde cedo a sermos resistentes.

“raindrops (an angel cried)”, a intro de 37 segundos do álbum, é, na verdade, um cover de um trecho de “An Angel Cried” do grupo The Four Seasons, e com uma única estrofe da música, Ariana Grande nos recorda da sua belíssima extensão vocal. Uma faixa que era só experimental acabou se tornando uma das mais bonitas do álbum, e foi divulgada para o público pela primeira vez via Instagram no dia de seu aniversário. “blazed”, colaboração com Pharell Williams, um dos produtores do álbum, não tem grandes pretensões além de ser um dueto animado sobre amor. “R.E.M”, por sua vez, faixa tida como uma das favoritas de Ariana e dos fãs, é uma versão da música “Wake Up (R.E.M.)” de Beyoncé, e faz alusão ao estágio mais profundo do sono em que os sonhos mais vívidos acontecem — e é nesse estágio que ela encontra o garoto dos sonhos. “sweetener”, música homônima ao álbum, faz jus ao seu título: a composição é muito doce, combinação de versos e melodia que fala sobre ter alguém na vida que é capaz de amenizar as reviravoltas amargas da vida com a sua doçura e superá-las.

“When life deals us cards
Make everything taste like it is salt
Then you come through like the sweetener you are
To bring the bitter taste to a halt”

“Quando a vida dá as cartas
Faz tudo parecer salgado
Então você vem como o adoçante que é
Para tirar esse gosto amargo”

Em seguida, temos “successful”, uma faixa divertida que fala sobre ser uma mulher de sucesso que recebe boas notícias no trabalho e por isso quer levar o namorado para comemorar, por conta dela e à vontade, porque é muito bom se sentir jovem, se divertir e ser bem sucedida. A música, no entanto, não se limita só a quem é bem sucedida profissionalmente, e para isso Ariana acrescenta o recado no refrão que diz “garota, você também é tão jovem, e bonita e bem-sucedida” já que a intenção é comemorar até as menores conquistas diárias e deixá-las te animarem. “everytime”, bem como “borderline”, preenchem o álbum falando sobre relacionamento: a primeira abordando a dificuldade de se afastar de uma pessoa e continuar voltando para ela, e a segunda sobre a chegada àquele ponto em que duas pessoas estão prontas para cruzar a linha, oficializando um relacionamento até então indefinido.

“breathin”, nona faixa do álbum, fez um sucesso inesperado. Intimista, a música descreve sintomas de ansiedade — “feel my blood running, swear the sky is falling (…) time goes by and I can’t control my mind” [“sinto meu sangue correr, juro que o céu está desabando (…) o tempo passa e eu não consigo controlar a minha mente”] — e o exercício de resiliência que é continuar respirando. Tal como “no tears left to cry”, que vem na sequência, e “get well soon”, que encerra o álbum com uma mensagem de conforto para todos aqueles que sofrem de algum transtorno mental. Embora a ansiedade de Ariana não seja tão severa, os episódios traumáticos que ela vivenciou no ano passado deixou-a em estado depressivo por alguns meses, por isso ela descreve nos primeiros versos da música que “they say my system is overloaded, I’m too much in my head did you notice?” [“eles dizem que meu sistema está sobrecarregado, estou muito na minha cabeça, você reparou?”] e enfatiza a todos que ouvirem a música que você pode construir seu caminho até o topo.

“better off”, com uma melodia mais tranquila, fala, basicamente, sobre livrar-se de um relacionamento tóxico. O palpite dos fãs é que a música tenha sido escrita na época em que Ariana Grande estava sofrendo com o abuso de substância do então namorado Mac Miller. Por pouco a faixa não ficou de fora da lista da Sweetener — Ariana não se sentia confortável em compartilhar uma canção tão honesta sobre a sua vida —, mas na hora de adicionar algumas músicas ao álbum, “better off” acabou retornando, e Ari admitiu tê-la como uma das favoritas. “goodnight n go”, por sua vez, é uma versão que Ariana Grande criou para a música original de Imogen Heap, “Goodnight and Go”, lançada no álbum Speak For Yourself, em 2005. Fã assumida do trabalho de Imogen, Ariana já fez outros covers no YouTube e postou elogios às músicas dela diversas vezes nas redes sociais. Enquanto a versão de Immi é romântica e suave, Ariana deu um toque sensual à sua letra mantendo apenas o refrão intacto. Para finalizar os comentários individuais, “pete davidson” é uma música curta, adicionada de última hora, que Ariana escreveu para homenagear, bem, Pete Davidson, comediante que namorou de junho até outubro deste ano e chegou a noivar durante esse tempo.

A experiência de ouvir a Sweetener é muito boa. Ariana não nos decepciona em entregar músicas as quais podemos dançar, cantar ou simplesmente sentir. Cada um de seus singles não passa despercebido pela mídia e pelas redes sociais, ainda que alguns viralizem com mais eficiência do que outros. O deleite com o sucesso do novo álbum foi verdadeiro, mas, infelizmente, não prevaleceu por muito tempo, visto que a vida pessoal da cantora voltou a ser atingida com mais um trauma, a morte precoce de Mac Miller por overdose. Apesar do seu relacionamento com o rapper ter terminado há alguns meses, o tempo que passaram juntos foi significativo para Ariana e a notícia foi naturalmente muito sentida. E, como se isso já não bastasse, muitos fãs de Miller foram às redes sociais dela para culpá-la, o que culminou no inevitável bloqueio de comentários do Instagram e afastamento. Nessa época, aqueles que ficaram ao lado Ariana, levantaram a questão da responsabilização da mulher pelos hábitos do homem no relacionamento, e posterior culpabilização quando ela escolhe se preservar e sair do relacionamento tóxico, como se as mulheres não tivessem uma vida e uma saúde, física e mental, própria para zelar.

Não muito tempo depois, seu noivado com Pete Davidson esteve sob os holofotes depois que o comediante falou rudemente sobre a vida íntima do casal em uma entrevista, acrescentando, inclusive, que o assédio que Ariana sofreu pelo pastor que estava conduzindo a cerimônia do funeral de Aretha Franklin era justificado por ela ser “gostosa”. A multidão de fãs de Ariana, mesmo sabendo da falta de filtro de Pete, ficou chocada com o nível da exposição e direcionaram várias críticas a ele. Foi então que Ariana postou tweets preocupantes, em que pediu: “posso, por favor, ter apenas um dia bom? só um. por favor”. Para uma artista que é conhecida por sempre ver o lado bom das coisas, e ser grata pelos aprendizados das situações ruins, o desabafo público foi alarmante. A exposição recente somada ao período de luto foi o estopim para que ela colocasse um fim ao noivado com o Pete, alegando que não era o momento certo para o relacionamento dos dois deslanchar.

No entanto, se achávamos que Ariana enfrentaria essa dura fase ficando em casa, assistindo televisão e comendo pipoca o dia todo, como faria a maioria de nós, estávamos redondamente enganadas. Como a dedicada artista que é, apaixonada pela música, Ariana se confortou voltando ao estúdio. Em pouquíssimo tempo, receberíamos a notícia de que seu quinto álbum estava em produção e ela já tinha um single prontíssimo para lançar e em 3 de novembro recebemos “thank u, next”, uma música que trata seus exes como águas passadas e enaltece a pessoa que ela se tornou.

Selena Gomez, um dia, cantou sobre “matá-los com gentileza”. E cada dia que passa, mais pessoas (não apenas celebridades) vêm nos provando como essa é realmente a maneira mais eficiente para sair por cima. Se “thank u, next” é uma música que apenas demonstra gratidão genuína ou tem também um tom velado de deboche fica a critério de quem ouve. O fato é que o single chegou quebrando recordes — a música se tornou a mais rápida em atingir 100 milhões de streams no Spotify —, agitando plateias, e, principalmente, a nossa própria residência, tornando o verso “god forbid something happens/ least this song is a smash” [“que deus não permita que alguma coisa aconteça/pelo menos essa música é uma arraso”] praticamente uma profecia. De quebra, ela ainda foi eleita a Mulher do Ano pela Billboard. Se essa não é uma grandiosa prova de que mulheres sabem conduzir o barco pelas águas turbulentas da vida com uma maestria invejável, eu não sei o que é.

Obrigada, próximo.

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