Se você procurar no dicionário — ou no Google — pelo significado de universo, saberá que ele é “tudo o que existe fisicamente, a soma do espaço e do tempo e as mais variadas formas de matéria, como planetas, estrelas, galáxias e os componentes do espaço intergaláctico”. Quando olhamos para o céu noturno, vislumbramos as estrelas e admiramos a Lua, imaginamos o que há além do que conseguimos ver. Cientistas concordam que, do universo, só conhecemos em torno de 4% de seu total. Entre matéria e energia escura há, conforme Galileu Galilei disse em 1610, muitas coisas que escapam aos nossos olhos, coisas que só podemos supor, ainda que a ciência tenha feito muitos avanços desde então.
Em A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada, Becky Chambers volta a nos mesmerizar com sua imaginação incrível e narrativa impecável. Se só podemos imaginar o que há nos outros 96% de tudo o que forma o universo, que está em constante mutação e transformação, Becky faz esse trabalho criando mais uma história capaz de reunir ficção científica, uma sociedade galáctica verossímil e os sentimentos mais humanos possíveis. Dando sequência ao seu A Longa Viagem a um Pequeno Planeta Hostil — ainda que as leituras possam ser feitas de maneira independente —, Becky nos coloca novamente no espaço, mas dessa vez não estamos à bordo da nave Andarilha e sim em companhia de Sálvia e Lovelace, duas personagens maravilhosas e especiais que precisam lidar com com traumas do passado e incertezas do futuro em igual medida.
“Não importa o que aconteça depois, não importa para onde a gente vá, nós iremos todos juntos.”
A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada inicia-se imediatamente após o final de A Longa Viagem a um Pequeno Planeta Hostil e é palpável a confusão que inunda Lovelace ao se ver em uma situação completamente inesperada. Criada para ser a Inteligência Artificial responsável pelo funcionamento de naves espaciais, Lovelace sofre uma reinicialização completa e, quando desperta, se encontra em um corpo sintético e sem memória alguma do que aconteceu e o que a levou a esse momento. Toda a sua experiência à bordo da Andarilha não foi capaz de prepará-la para o que encontraria em sua nova jornada, deixando-a confusa e desorientada em igual medida. Para sorte de Lovelace, ela não terá que encarar essa mudança de perspectiva sozinha e terá a amizade, o carinho e a compreensão de Sálvia e Azul, duas pessoas que passaram por muitos momentos difíceis na vida e sabem bem o que é se sentir deslocado em um mundo completamente novo e diferente.
Sálvia tem uma história de vida que ecoa a de Lovelace em alguma medida. Atualmente dona de sua própria loja de reparos e vendas de equipamentos, Sálvia já passou por provações enormes, algo que parte da CGI sequer sabe existir. No segundo livro de sua trilogia, a autora consegue partir nossos corações em milhares de pedacinhos apenas para reconstruí-los na sequência. As jornadas de Sálvia e Lovelace são capazes de mostrar o crescimento e amadurecimento das personagens, sua resiliência e vontade de viver não importa o quão difícil e desesperadora a situação pareça ser em um primeiro momento. Dividido entre as narrativas de Sálvia e Lovelace, A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada alterna passado e presente, mostrando os caminhos que levaram cada uma das protagonistas a chegar onde chegaram. Nesse livro não há um antagonista típico, ou um vilão a enfrentar, e é aí que reside toda a beleza da narrativa de Chambers: ainda que esteja contando a história de duas personagens vivendo em um universo à parte, os dramas são reais e passíveis de identificação aqui, no nosso mundo real. A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada é um livro de ficção científica capaz de falar de aceitação e de diferenças ao mesmo tempo em que narra o poder da amizade e do amor, e como essas forças podem mudar vidas.
“Os dedos dele se entrelaçaram aos dela, e os dois se apertaram com toda a força enquanto o ônibus espacial disparava para longe do ferro-velho, curvando-se para cima e para cima e para cima.”
Em seus livros, Becky Chambers consegue trabalhar diferentes metáforas que se debruçam sobre temas considerados controversos, como sexualidade, estereótipos de gênero, estrutura familiar, escravidão, trabalho infantil e solidão. Cada um desses temas é abordado de maneira delicada e sensível, transformando a leitura de A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada em uma experiência singular — você é uma pessoa antes de ler Becky Chambers, e uma totalmente diferente (e mais empática!), depois. É fácil se deixar cativar por Sálvia, Lovelace, Azul e Tek, e torcer por cada um deles é apenas consequência da deliciosa narrativa desenvolvida por Becky. Tudo o que encanta em A Longa Viagem a um Pequeno Planeta Hostil está de volta neste segundo volume, personagens verossímeis que sentem, sofrem, vivem, riem e choram, metem os pés pelas mãos e erram enquanto tentam acertar, um universo inteiro de possibilidades e uma trama capaz de prender o leitor do começo ao fim.
Com um título tão curioso quanto o de seu sucessor, a órbita fechada descrita no livro pode se referir tanto a Sálvia quanto à Lovelace, visto que a autora costura as história das duas de uma maneira toda especial e que convergem no final. Por meio de capítulos alternados, vamos reconstruindo a vida de Sálvia assim como acompanhamos a construção da nova vida de Lovelace, ou seja, vemos dois caminhos diferentes, ainda que similares, desembocando em um mesmo lugar: a busca por autonomia e o poder para ser quem se quer ser. Ambas iniciam suas jornadas com pouca, ou nenhuma, independência e liberdade, e durante as poucos mais de 300 páginas vemos como Sálvia e Lovelace quebram as correntes que as amarram, transformando-se em seres completamente emancipados.
“Independentemente do que as simulações diziam sobre o poder de um único herói solitário, havia coisas grandes demais para uma pessoa mudar sozinha.”
Ficção científica não precisa ser, necessariamente, sobre batalhas épicas no espaço, armas mirabolantes ou a conquista da galáxia mais próxima, e Becky Chambers mostra exatamente isso: que ficção científica também pode ser sobre pessoas, suas lutas e seus dilemas, seus sonhos e suas conquistas. Por meio de A Vida Compartilhada em uma Admirável Órbita Fechada, livro pelo qual conquistou o Prix Julia Verlanger 2017 e foi finalista dos prêmios Hugo Awards e Arthur C. Clarke Awards, alguns dos mais importantes para o gênero, Becky Chambers constrói uma narrativa intensa e dolorida a respeito de descobertas, medos e solidão, mas também sobre ter esperança e se apoiar nos amigos, não importa o que aconteça.
Sálvia e Lovelace passam por momentos difíceis, sentem dúvidas e às vezes acreditam que desistir é mais fácil, mas no fim do dia, sabem que ceder não é uma opção. O segundo livro da trilogia questiona tudo aquilo o que nos faz humanos enquanto acompanhamos as vidas de Sálvia e Lovelace, ensinadas a servir e seguir regras desde que se lembram, mas que conquistaram a autonomia e liberdade de que tanto precisavam para serem verdadeiramente livres e donas de si mesmas.
O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.
** A arte do topo do texto é de autoria da nossa colaboradora Carol Nazatto. Para conhecer melhor seu trabalho, clique aqui!
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Oi, adorei a resenha e amo demais a Becky Chambers! Só queria avisar que o link pra Amazon tá inda para um outro livro.
Becky Chambers é maravilhosa, né?
Obrigada, Laura! Já arrumei o link. 😉
Queria morar nos livros da Becky. 💙
Nossa, DEMAIS! <3
Qual seria o terceiro livro da trilogia.